Veneno na mesa dos brasileiros

Publicado em 30/03/2015 - agronegocio - Redação

Veneno na mesa dos brasileiros

Brasília – Agrotóxicos condenados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na última semana continuam liberados no Brasil, apesar de alertas de especialistas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a quem cabe a reavaliação dos venenos. A Agência Internacional de Pesquisas do Câncer (Iarc, na sigla em inglês), órgão da OMS, classificou cinco pesticidas como “provavelmente” ou “possivelmente” carcinogênicos. Quatro deles são liberados no Brasil: glifosato, malation, diazinon e parationa metílica.

O glifosato, ingrediente ativo do herbicida Roundup, desenvolvido pela empresa Monsanto, é o veneno agrícola mais vendido no mundo. No Brasil, foram comercializadas, em 2013, 186 mil toneladas da substância, usada, principalmente, em lavouras de soja transgênica.

Em 2008, a Anvisa resolveu reavaliar a liberação do glifosato. Para isso, contratou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que reuniu sete especialistas para a elaboração de uma nota técnica. O documento entregue à Avisa condenava o uso do glifosato, com base em pesquisas científicas que indicavam o potencial cancerígeno. Até hoje, porém, o agrotóxico continua liberado e o consumo é crescente.

Por meio de nota, a Anvisa informou que não há prazo para a conclusão do processo, mas que o caso terá prioridade depois da divulgação do estudo do Iarc. “Seguramente, as conclusões do Iarc serão relevantes na conclusão da reavaliação”, diz a nota.

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) informou que pautará o assunto no Conselho Consultivo da Anvisa. “É preciso finalizar urgentemente a reavaliação. Proibir seria o ideal”, propõe a nutricionista do instituto Ana Paula Bortoletto. “Antes, se dizia que os agrotóxicos eram necessários para acabar com a fome no mundo. Hoje, sabemos que isso não é verdade”, diz.

CONTROVÉRSIA A Monsanto nega que o glifosato cause câncer e garante que o produto é seguro para a saúde humana e para o meio ambiente. De acordo com o Iarc, há “evidências limitadas de carcinogenicidade em humanos” e “suficiente evidência de carcinogenicidade em animais”. A classificação do glifosato como “provavelmente” cancerígeno pela agência se baseia em estudos desenvolvidos nos Estados Unidos, no Canadá e na Suécia.  A Monsanto, no entanto, coleciona outras indicando a segurança do produto, incluindo análise do BfR, órgão alemão responsável pela liberação do glifosato na União Europeia, onde se lê que a decisão do Iarc foi “surpresa”.

De acordo com o Iarc, o glifosato está ligado ao desenvolvimento de linfomas não-Hodgkin, que incluem mais de 20 tumores diferentes. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) indica que o número de casos desse tipo de câncer duplicou em 25 anos. A médica toxicologista Márcia Sarpa de Campos Mello diz que o aparecimento do câncer pode ocorrer até 30 anos depois da exposição ao agente causador. Daí a dificuldade em fazer a relação.

A grande barreira, porém, no controle dos agrotóxicos, segundo especialistas, é a pressão econômica da indústria química. Esse mercado movimentou no Brasil R$ 13 bilhões em 2011, de acordo com estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). No mesmo ano, o orçamento da Anvisa, para bancar toda a estrutura e ações de fiscalização, foi de cerca de 3% desse total: R$ 400 milhões.

O ex-gerente de toxicologia da Anvisa Luiz Cláudio Meirelles foi exonerado do cargo em 2012, depois de denunciar irregularidades na liberação de agrotóxicos. “É preciso adotar o princípio da precaução. Conforme as pesquisas avançam, aparecem novas evidências contra os venenos.”

Alerta ignorado

Os inseticidas Malation e Diazinon, classificados pelo Iarc como “provavelmente carcinogênicos para humanos”, continuam sendo vendidos normalmente no Brasil. Além deles, a Parationa Metílica, classificada como “possivelmente carcinogênica”, também está liberada, mas em reavaliação pela Anvisa. Nota técnica elaborada pela equipe da Fiocruz recomenda a proibição do uso do inseticida na agricultura e em outras atividades que ofereçam possibilidade de exposição humana.

Por: Warner Bento Filho para o Estado de Minas