Publicado em 03/06/2019 - cesar-vanucci - Da Redação
“O momento brasileiro é de forte intolerância”.
(Cineasta Karim Ainouz, agraciado no Festival de Cinema de
Cannes)
A
cultura brasileira, tão depreciada ultimamente em esbravejantes e bolorentas
reações do radicalismo talibã que anda vicejando por ai, continua colhendo
merecidas louvações em círculos categorizados da inteligência universal.
A
concessão recente do prêmio “Camões”, mais alta condecoração outorgada nos
domínios da literatura em países de fala portuguesa, configurou - para gáudio
das pessoas verdadeiramente identificadas com o espírito de brasilidade - amostra
pujante da atividade cultural alojada na paisagem nacional. Chico Buarque de
Hollanda, o agraciado, é um impecável representante da criatividade artística
de nossa gente. Compositor inspirado, romancista festejado, desassombrado
arauto, com sua arrebatante arte, de clamores humanitários, lembra muitíssimo no
trabalho de disseminação cultural promovido, a lendária figura de Vinicius de
Moraes. Parceiro e amigo que deixou obra gravada para sempre na sensibilidade e
simpatia das ruas.
Nem
bem o anúncio alusivo à premiação concedida a Buarque de Hollanda ganhava o
conhecimento público, e lá, em Cannes, no mais importante e badalado festival
cinematográfico do mundo, um filme brasileiro era apontado, por júri de
cineastas de elevada qualificação, como o melhor do segmento intitulado “Um
Certo Olhar”, que integra a seleção oficial no certame. “A vida invisível de
Eurídice Gusmão”, baseado em livro de Martha Batalha, longa dirigido por Karim Ainouz, foi a película que recebeu o cobiçado
laurel. A trama retrata a história de duas irmãs, com vidas distanciadas uma da
outra, que acabam sendo inseridas, no cotidiano, em ambientes alvejados por
impiedoso machismo. Ao ser inteirado da decisão do júri, Ainouz dedicou o
prêmio, em especial, à magnífica atriz Fernanda Montenegro, protagonista do
filme, bem como, de uma maneira mais geral, “a todas as mulheres do mundo”
marcadas pela intolerância machista. Exaltou a “vivacidade do cinema brasileiro”,
assinalando que o nosso país atravessa “momento de intolerância muito forte”, em
que o obscurantismo cultural desfere “ataques gigantescos à cultura e à
educação”. Almejou, em declaração à imprensa, um futuro melhor para a sociedade
brasileira. A vitoriosa produção será lançada nas telas brasileiras em novembro
vindouro.
A premiação agora recebida se junta a outros lauréis
conquistados por artistas brasileiros em Cannes. Em 1962, a “Palma de Ouro” foi
atribuída a “O Pagador de Promessas”, dirigido por Anselmo Duarte. Em 1969,
Glauber Rocha foi considerado o melhor diretor por “O Dragão da maldade contra
o Santo guerreiro”. Fernanda Montenegro ganhou condecoração como atriz pela
atuação, em 1986, no filme “Eu sei que vou te amar”. Pelo desempenho em “Linha
de passe”, de 2008, Sandra Corveloni também abiscoitou prêmio como atriz.
E não é que, pouco depois da consagradora vitória do nosso cinema
acima relatada, outra fita brasileira foi igualmente indicada, debaixo de
aplausos da crítica e do público, para “Prêmio do Júri” no mesmíssimo majestoso
e triunfal cenário de Cannes! O notável feito histórico foi alcançado por
“Bacurau”, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. A narrativa premiada foi
reconhecida como uma manifestação de denúncia e resistência a desmandos,
arbitrariedades e injustiças praticados contra gente humilde de povoados rurais
desassistidos das políticas públicas. Kleber Mendonça Filho, que competiu pela
“Palma de Ouro” em 2016 com a fita “Aquarius”, ao receber o prêmio de 2019,
ressaltou o seguinte: “Trabalhamos para a cultura no Brasil e o que precisamos
é de seu apoio”. O co-diretor Dornelles dedicou a láurea “a todos os
trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, na ciência, na educação e na cultura”.
Na coletiva de imprensa, Mendonça admitiu temer que “a política de
financiamento a favor da arte venha a ser objeto de golpes sombrios”. A seu
lado, Dornelles, acrescentou: “Apesar de tudo, vamos continuar fazendo filmes
em contato com a realidade”.
Os brasileiros mostram-se orgulhosos dessas façanhas
produzidas por patrícios talentosos que tão bem sabem exprimir, em criações
artísticas exuberantes, o sentimento nacional.
Cesar Vanucci -Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)