ARTIGO ESPECIAL: E quem nos protege do Judiciário, nosso protetor?

Publicado em 27/02/2016 - geral - Climério dos Santos Vieira

ARTIGO ESPECIAL: E quem nos protege do Judiciário, nosso protetor?

No dia 17 de fevereiro de 2016, portanto poucos dias atrás, aconteceu algo muito grave no Supremo Tribunal Federal - STF. Algo que a população, leiga em Direito, como é natural, não percebeu.

Os ministros decidiram permitir que uma pessoa seja presa e assim permaneça, cumprindo pena, a partir da decisão de 2ª. instância, mesmo que ainda exista recurso ao Superior Tribunal de Justiça - STJ e ao próprio STF que possa a vir a considera-lo inocente depois. Além de ser altamente discutível se isso é justo ou não, o grande problema é a violação da legislação, da nossa Constituição Federal, pelos próprios ministros cuja função seria resguardar a mesma.

A Constituição é muito clara quanto a pessoa ser considerada inocente até que se prove sua culpa. Vejamos o que diz o artigo 5º inciso LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Para quem não é do Direito - trânsito em julgado - é o nome técnico de “Não há mais dúvidas sobre a culpa ou inocência, pois já foram usados TODOS os meios legais na busca da verdade”.

Em outras palavras, a Suprema Corte decidiu na contramão da presunção de inocência do cidadão. Foi uma decisão completamente contrária à Constituição e também aos pactos internacionais de que o Brasil é signatário, como o Pacto de San Jose da Costa Rica, entre outros.

Estarrecedor é também um dos motivos alegados para a decisão, qual seja, a “opinião pública” ou a “vontade das ruas”. Nosso Ministro da Justiça disse que foi para “uniformizar” com a legislação mundial majoritária.

Jesus Cristo também foi condenado apenas por pressão das massas. Lembremos que o próprio Pôncio Pilatos não encontrava culpa nele.

Seja como for, o Poder Judiciário não é representante do povo, e não cabe a este atender ao clamor popular, mas sim fazer-se cumprir a lei, e tão somente quando procurado pelo cidadão. A função de atender “ás ruas” é do Legislativo. Caberia ao mesmo, que foi democraticamente eleito, escolhido pela população para criar leis novas, altera-las, revoga-las, etc., e  ainda se assim achar que é devido, e quando achar que deve.

O Judiciário é uma instituição técnica, onde seus membros são especialistas em Direito e técnicas de interpretação. Não estão ali para inovar, mas sim para aplicar as leis. É muito preocupante quando um poder começa a usurpar as funções do outro. O final disso acaba sendo o abuso de poder. É justamente para coibir abusos, arbitrariedades e prepotência de autoridades, sejam quais forem, que existe a lei. Ela serve para obrigar os cidadãos comuns a cumprirem suas obrigações e proteger a sociedade contra os malfeitores, mas também para nos proteger de um Estado ditador.

A existência de leis, votadas democraticamente pelos representantes da população, e o cumprimento das mesmas pelos cidadãos e autoridades, é o que se chama Estado Democrático de Direito. É somente por isso que conseguimos ter tranquilidade para viver e trabalhar, sem medo e nem preocupação. Quando se tornar corriqueiro as autoridades descumprirem as leis – e isso já vem acontecendo no Brasil - podemos dar adeus à democracia e à paz.  Isto traduz-se em insegurança jurídica, desestabilização e medo. Não nos esqueçamos que quando autoridades descumprem uma lei ou um preceito moral, contra um bandido que seja, nada impede que não faça o mesmo contra nós, cidadãos de bem.

Foi uma decisão temerária e muito perigosa dos senhores Ministros. Quem trabalha no Direito sabe muito bem do alto índice de reforma de sentenças que ocorrem no STJ e no próprio STF. Pelo que me lembro, nos últimos anos é a terceira vez que nossa Corte Suprema desliza, e feio.

A primeira foi quando praticamente criou o casamento homossexual. Não foram os representantes do povo, os deputados, que fizeram isso. Independente de ser justo ou não, foi uma violação da lei, tanto do Código Civil quanto da Constituição. No artigo 1.514 do Código Civil está escrito que “O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”; e a Constituição através do parágrafo 3º do artigo 226 dispõe que “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Será que a menção a ‘homem e mulher’ não é suficientemente clara? A desculpa à época foi dizer que a Constituição não diz que não pode. E, ironicamente, nem era isso que, na época, os interessados buscavam na ação. Eles queriam apenas reconhecimento da relação de dependência econômica para efeitos civis.

Outra que me lembro ocorreu em dezembro do ano passado, no caso da abertura do processo de impeachment contra a Presidente da República. O STF legislou, a despeito de alegar estar interpretando, fez foi mudar a lei, ao criar procedimento no rito do processo de impeachment de Presidente da República, e assentar que seria preciso autorização do Senado para abertura do processo. Ora, está muito claro na letra da Constituição que é a Câmara dos Deputados, somente, que abre o processo de impeachment, e o que o Senado faz é somente julgar. Vejamos o artigo 86: “Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.

Preocupante é perceber que podemos esperar novas decisões desse nível, ou seja, perdemos a garantia de que a Constituição é salvaguardada pelo STF. Já não se confia mais no Poder Executivo, e muito menos no Legislativo. Se a população perder a confiança no Judiciário será o caos social. O Executivo está controlado e vigiado pelo Legislativo. O legislativo tem no judiciário uma instância de controle. Os juízes de direito, na sua grande maioria, cumpridores das leis e responsáveis na busca da justiça, de todo modo, são controlados pelas instâncias superiores, com ápice no Supremo Tribunal Federal.

É a última ‘ratio’, nossa última esperança. Porém, quem controlará o STF? Quem vai nos proteger contra desmandos do poder?

Climério dos Santos Vieira - Advogado em Campinas/SP