Publicado em 20/05/2020 - geral - Da Redação
Base da economia brasileira, os micro e pequenos negócios sentiram
em primeiro instante o impacto econômico da pandemia causada pelo coronavírus e
correm para tentar evitar consequências maiores, como o desmonte dos negócios.
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae),
89% do setor sofre com queda no faturamento devido à pandemia. O órgão não
trata sobre a necessidade de flexibilização ou não das medidas de
distanciamento social, mas foca na tentativa de concessão de capital de giro
para que as empresas mantenham a mínima saúde financeira e consigam atravessar
a crise sem desaparecer.
Em
entrevista a VEJA, o presidente da entidade, Carlos Melles, afirma que,
mesmo com linhas de crédito que
garantem parte dos recursos aos bancos, como o da lei que foi sancionada nesta
terça-feira, 19, que define que 85% do empréstimo para micro e pequena empresa
é garantido pela União e uma outra linha em que 80% é garantido pelo próprio
Sebrae, não gera apetite de risco aos bancos. Com isso, o acesso a
financiamento limitado dificulta a situação dos pequenos empresários.
Como a pandemia afeta a saúde dos pequenos negócios?  Nós temos um exército produtivo no país,
liderado por esses micro e pequenos empresários, que são a base da cadeia
produtiva brasileira. Antes da crise, 50% desses negócios tinham a situação
financeira equilibrada. Um quarto estava de equilibrado para bem, e outros 25%
de equilibrado para ruim. A crise fez com que cerca de 89% das empresas
diminuíssem o faturamento. Ou seja, afetou quase todo mundo. Um dos grandes
problemas é que grande parte dos empregos do Brasil é gerada por micro e
pequenas empresas. A tentativa é de manutenção desses empregos mesmo com toda a
paralisia gerada pela crise.
Qual é o maior problema
enfrentado pelos pequenos empresários atualmente?  O que tem faltado muito – e que já era escasso
antes da pandemia – é o crédito, especialmente o de capital de giro. A parte
tributária foi ajustada, com a prorrogação de impostos federais por seis meses,
há renegociação de pagamento com fornecedores e também de aluguel, mas falta
capital de giro. Esse quesito, que é complicado para todos nós, afeta
especialmente empresas com faturamento de 80 mil reais a 360 mil reais. Cerca
de 80% das companhias que buscam crédito não têm acesso. O conjunto de medidas
trabalhistas do governo, com a possibilidade de corte de jornada, suspensão de
contrato, antecipação de férias e feriados, ajudou. Renegociação de contratos
com bancos e de contratos com fornecedores, também. Mas é preciso dinheiro para
esse capital de giro, para que o empresário consiga tocar o seu negócio.
O que é preciso fazer para esse crédito chegar? O momento com a crise não é bom. Ainda que o
sistema financeiro tenha boa vontade, ele tem aversão ao risco. Há uma linha de
crédito, o Fundo de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Fampe), que tem garantia
de 80% pelo Sebrae. No entanto, esses 20% que ficam de fora dificultam muito o
acesso. A micro e pequena empresa que tem outras garantias para dar tem tido
acesso ao crédito e com taxas baixas, inclusive. Há uma outra linha, o Pronampe
[sancionada nesta terça-feira pelo presidente Jair Bolsonaro] com garantia de
85%. Em um momento de crise, a garantia precisaria ser de 100%, porque 80% não
basta. Acho que mais uns 15, 20 dias, um mês, precisaremos rever com o Tesouro
essas garantias do risco da operação.
Além da acessibilidade, o custo
do crédito é um problema? Nós
temos 122 linhas cadastradas, de crédito para micro e pequena empresa. Existe
um cardápio enorme com taxas que saem de 1%. Arriscaria a dizer que a taxa de
juros não é o limitante nessa crise. A limitação é mesmo o acesso ao crédito.
Estamos buscando formas para que essa acessibilidade fique mais palatável aos
bancos, como crédito orientado e também o Sebrae se colocando como
correspondente, para que a empresa não vá sozinha até o banco, e sim junto com
o Sebrae para mostrar que há um plano para esse recurso. Tornar esse crédito
acessível é uma preocupação do Ministério da Economia, do Banco Central e do
Sebrae. O universo é tão grande que não interessa muito aos grandes bancos esse
negócio de micro e pequena empresa. Às vezes, há mais volume de propaganda que
empréstimo real.
Há alguma outra forma, além da garantia dada por fundos e pelo
governo, para fazer esse dinheiro chegar? Nós estamos estudando com as empresas de
maquininhas uma forma de garantia do que for empresado. Está em estudo algo
como o crédito consignado [desconto feito direto na folha de pagamento para
trabalhadores formais e aposentados do INSS]. Há um mecanismo na maquininha que
pode fazer um desconto após cada venda, e essa seria uma forma de dar mais
segurança para quem empresta, porque é possível haver o pagamento após cada
compra.
As medidas de distanciamento social dificultaram a continuidade de funcionamento de muitos pequenos negócios. Outros, para continuarem a trabalhar, passaram do dia para a noite a usar tecnologias para seguir vendendo ou prestando serviço. Essa digitalização será o grande legado da pandemia? Sem sombra de dúvida. O brasileiro, graças a Deus, tem uma capacidade muito grande de se reinventar, e é isso que está sendo feito na crise. Há alguns setores que dependem de atendimento presencial, como salões de beleza e turismo. O vestuário, que depende menos, já está usando ferramentas digitais para conversar com clientes e tentar vender. O mesmo vale para alimentação, com o delivery. Outro legado importante é a capacidade de atender bem o cliente. As vendas por canais digitais democratizam a oportunidade, e quem atender melhor o cliente tem mais oportunidades.
Por Larissa Quintino  /https://veja.abril.com.br/