MENOS GENTE, MENOS FOGO, NO INCÊNDIO DA DEMOCRACIA

Publicado em 17/04/2015 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação

MENOS GENTE, MENOS FOGO, NO INCÊNDIO DA DEMOCRACIA

Apesar de todo o empenho da corporação dos bombeiros, das autoridades locais e estaduais e dos próprios donos dos imensos depósitos de gasolina e álcool, situados próximos ao porto da cidade paulista de Santos, durante dez dias labaredas horrendas e negra fumaça resistiram aos milhões de litros de águas do mar e às espumas químicas que as combatiam. Finalmente dominadas, as chamas deixaram um prejuízo material considerável não somente para a empresa, seguradoras e poder público, mas para toda uma cadeia produtiva impedida de chegar ao terminal portuário. Porém, muito mais lastimável foi o dano ao meio ambiente, cujo mostruário de toneladas de peixes mortos foi apenas a parte visível de toda uma catástrofe no ecossistema.

   Tem sido assim o fogaréu que ameaça as instituições democráticas brasileiras, desde o nosso último pleito eleitoral, alimentado por combustíveis como a ignorância política, a corrupção, a mentira, as intrigas para a usurpação do poder e a semeadura do ódio que confronta as pessoas e dilacera a nação.

      Para uma legião de insensatos e recalcados, perdedores da última eleição presidencial, há que se ensinar, em aula de revisão, que Dilma Rousseff é a legítima presidente do Brasil, reeleita dentro das regras do jogo democrático, em outubro de 2014, ocasião em que superou numérica e percentualmente os seus opositores. Deve ser lembrado, inclusive, que os seus eleitores suplantaram o descarado apoio da grande imprensa à Oposição. Nesse mesmo resumo, vale lembrar que o chamado mensalão já foi inutilmente explorado em eleições anteriores; e que o escândalo da Petrobrás foi uma das fontes de manipulação dos veículos midiáticos durante a última campanha eleitoral e, mesmo assim, a maioria dos eleitores rejeitou a vinculação da Presidente Dilma com essa roubalheira, da mesma maneira que nunca vinculou a pessoa do Presidente Fernando Henrique Cardoso – FHC – com a roubalheira das privatizações, denominada como A Privataria Tucana (título de livro do ex-jornalista de O Globo, Isto É e Estado de Minas, Amaury Ribeiro Júnior, que usou o neologismo criado por Elio Gaspari pela junção de privatizações + pirataria).

      A corrupção praticada por uns não é justificativa para a corrupção praticada por outros. Aliás, neste ponto, está minha única afinidade com os verdadeiros e puros manifestantes de rua, que se extravasam contra as bandalheiras e contra o Partido dos Trabalhadores, pois um partido que se sobrepunha como guardião da ética não poderia, jamais, ter dado guarida a tanta gente desqualificada. Entretanto, não é justa a implicação de todos pelos desvios de alguns, mormente se o conjunto de todos propiciou e facilitou, através de mecanismos legais e de aparato governamental, que esses alguns fossem isolados, investigados e desbaratados. Se assim não tivesse sido, não estaríamos vendo tantos engravatados e milionários presos e condenados, como ocorreu no chamado mensalão, mesmo que muitas condenações tenham acontecido sem provas concretas, até por ouvir dizer ou por presunção delituosa, se considerarmos a utilizada teoria do domínio do fato. Quase que simultaneamente, no caso da Petrobrás, quanta gente milionária e poderosa está por detrás das grades, há vários meses, sem que tenha sido condenada, situação pouco habitual para pessoas dessa estirpe não só no Brasil, também em determinados estados democráticos de direito, onde e como aqui,  a justiça é para os pobres, pretos e prostitutas.

           Interessante é que a gente preste atenção e perceba que os poderosos presos são supostamente aliados do Governo. Não opositores, como costuma acontecer. Também, não deixou de ser intrigante que o mesmo Supremo Tribunal Federal que avocou a condução do volumoso Processo do Mensalão, com mais de quarenta réus, tenha feito retornar para instância inferior, em Minas Gerais, processo semelhante, mais antigo e com menos réus, o do Mensalinho Mineiro, no qual a demora vai gerando prescrições de penas, ou seja, a impunidade, coincidentemente, de antigos próceres de um  dos governos do PSDB em Minas.

       Então é hora de nos dirigirmos a esses intrigantes, a esses ignorantes ou mal-intencionados políticos, a esses participantes de convescotes políticos, enfim a esses golpistas com perguntas tipo: qual a democracia de vocês? que invoca ‘impeachment’ sem crime tipificado, inclusive de um Ministro do STF – Supremo Tribunal Federal – além incitar uma intervenção militar das Forças Armadas por puro revanchismo político. Qual a razão da incoerência das manifestações que pedem ‘impeachment’ da Presidente, isentada de investigação pela Justiça Federal, enquanto omite os nomes dos presidentes do Senado e Câmara Federal, que vão ser investigados? Presumo que seja para cooptar o PMDB para o ‘impeachment’. Ao contrário, que ditadura é esta, que permite seres primitivos de se expressarem através de chulismo contra a “ditadora”, rotulando seu governo de “máquina nazicomunapetralhabolivariana” como estampa um jornaleco digital, que não vale nem menção do nome.

          Ao pedido de ‘impeachment’, nesta semana, aderiu o oportunista senador Aécio Neves, candidato presidencial derrotado, e governador sepultado, ainda mais agora que o novo Governo de Minas desmascarou a farsa do seu apregoado Choque de Gestão e do Deficit Zero, que somente existiu com a complacência da grande imprensa mineira, que o blindou à custa de polpudas verbas de publicidade.

             FHC já se manifestou em contrário ao ‘impeachment’, ou golpe, e fez a seguinte blague: “ele tem efeito de bomba atômica, é para dissuadir e não para ser usado”. Marina Silva, postulante derrotada para presidente da república, também contrária, disse: “ele é o aprofundamento do caos”. Por outro lado, o Editor-Executivo do jornal digital DW Brasil, do conhecido grupo alemão DW, Rodrigo Rimon Abdelmalack, escreveu, no dia 15 passado: “Ao concentrar críticas apenas em Dilma Rousseff, os manifestantes mostram que pouco ou nada entendem do sistema político brasileiro. E, ao sugerir o ‘impeachment’ para a solução da corrupção endêmica, evidenciam seu raso entendimento do regime democrático no país”

          Como político nunca filiado ao PT, acompanho com muita preocupação esse ‘affaire’ que é muito mais perigoso e contagioso de que uma simples contenda entre Aloprados do PT x Deslumbrados do PSDB. Já me exprimi, em artigos anteriores, sobre os riscos de desembocarmos numa fratricida guerra civil. Não sei se os deslumbrados que pregam ‘impeachment’ têm noção do que isto significa. Os três maiores grupos que organizam manifestações tem interesses diversos, creio que nem todos transparentes. Um deles, o Movimento Brasil Livre –MBL –  tem à frente um ainda moleque de 19 anos, o oriental-brasileiro Kim Kataguiri e outros liberais e conservadores, sendo financiado, dizem,  pela petroleira norteamericana Koch Industries. Tem foco anticorrupção, anti-PT e a favor do ‘impeachment’. O Partido Radicais on Line – PROL- atua mais ou menos nessa linha, sendo mais extremado e conta com 800.000 seguidores nas redes sociais.  Foi fundado pelo administrador de empresas, Marcello Reis, que se diz mais identificado com aqueles que sejam cristãos. Está na  na internet: “não tenho nada contra budistas, mas sou mais ligado a católicos, evangélicos e espíritas, pois prefiro Deus na frente. Também nada tenho contra os homossexuais, mas não concordo com a maneira de ser deles”. O terceiro, Vem-Prá-Rua – VPR – estaria sintonizado com setores do empresariado. Foi fundado por vinte deles, tem 200.000 seguidores no Facebook, tendo Rogério Chequer como a face visível da organização, que afirma rejeitar o ‘impeachment’. Certo é que eles acabam sempre se juntando e ao todo contam com pouco mais de hum milhão de seguidores nas redes sociais.

       Inegável é que os protestos “pacíficos” dessa turba de centro-direita murcharam a partir do ápice que foi em 15 de março. O jornal “Folha de S.Paulo”, da 2ª.feira, 13 de abril de 2015, em ampla cobertura, da página A4 a A11,  demonstra através de gráficos a queda acentuada de manifestantes no dia anterior, não somente no número de cidades como no contingente de comparecimento, o perfil dos manifestantes de São Paulo, dos quais 83% foram eleitores de Aécio Neves. Muitos desses dados foram  confirmados em outros jornais impressos, digitais ou telejornais.

        No entanto, o que mais chamou minha atenção, no último domingo, foi a empolgação inicial e matinal da Rede Globo de Televisão, que invadiu espaços e mais espaços do jogo decisivo de voleibol da Superliga Masculina (Cruzeiro-BH x Sesi-SP, vencido por nós mineiros com a ajuda especial de um cubano) para “informar” detalhes das manifestações em todas as capitais de estados e principais cidades brasileiras. E assim foi o dia inteiro.  Como era enorme a expectativa de manifestantes e de golpistas políticos de que houvesse quebra do recorde de público, em relação a 15 de março, a Globo insistia, em cada local de cobertura, no número de participantes em ambas as datas. A meu ver extrapolava-se a vontade de informar, mas era uma vontade de incentivar e alavancar os protestos, inclusive, deixando soar alto os áudios de “Fora Dilma”/ “Fora PT”. Foi, então, que me lembrei dos nossos protestos contra as privatizações da Cia.Vale do Rio Doce e de Furnas, que  não passavam de meros segundos de noticiários da mesma, no governo FHC, tamanha era a posicionamento, em prol do desditoso neoliberalismo, por parte não somente da imprensa brasileira, mas sulamericana, daquela época.

       Segundo se apregoa por todos os cantos, manifestações de protestos são inerentes à democracia, sendo freqüentes em Paris e diversas outras cidades do nosso mundo. Mas pregar a derrubada de uma presidente recém-eleita em eleições limpas e livres, antes das quais ela sofrera as mesmas acusações de corrupção de hoje, e seguidas da desqualificação de quem nela votou, por puro preconceito e, agora, com apenas um argumento a mais: o de que ela teria cometido estelionato eleitoral durante a campanha política, tudo isso me soa inaceitável, pura virada de mesa pelos mal perdedores.Pergunto de novo: será que esse povinho fracassado – segundo pesquisas do Datafolha – sabe bem o que significa uma guerra civil? Somente posso garantir que não é brinquedinho de coxinhas, mauricinhos e patricinhas, todos fanatizados pelo capitalismo, pelo consumismo, pelo falso afeto da internet e pela mentira dos “vídeo-games”. Vão encarar assim mesmo? Então, Deus nos proteja! Eles que se danem! Nós x Eles! Nesse fogo não somente haverá danos materiais, mas vidas humanas a se perderem. Mais lastimável ainda será o sacrifício da democracia.

*marco.regis@hotmail.com – O autor é médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003).