O presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas
Gerais, Cláudio Terrão, aponta para a possibilidade de uma medida inédita na
tentativa de solucionar a grave crise financeira por que passa Minas. Segundo
ele, demitir funcionários concursados é uma hipótese legalmente viável.
“Pode ser que seja necessário (demissão dos servidores).
Na verdade, é, inclusive o que determina a Constituição e as normas
constitucionais. Existe todo um procedimento proporcional que deve ser
observado pelo gestor para não chegar a essa situação limite. Agora, o que me
parece que não é o melhor caminho é continuar nessa lógica de que existe uma
situação de calamidade financeira e, com base nisso, reiteradamente promover
orçamentos deficitários, sem se tomar as medidas necessárias para que esse
problema de caixa seja resolvido”, afirmou em entrevista exclusiva ao Hoje em
Dia.
Hoje, o Estado tem cerca de 600 mil servidores, entre
concursados e comissionados. Os concursados possuem estabilidade garantida pela
Constituição. Porém, conforme o artigo 169, parágrafo 4º, poderão ser
exonerados, caso o Estado passe por dificuldades financeiras que o impliquem na
Lei de Responsabilidade Fiscal, se outras medidas, como redução de
comissionados, não forem suficientes.
“Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior
não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei
complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo,
desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade
funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal”, diz
a lei.
Terrão tem hoje um encontro com o governador eleito,
Romeu Zema. O futuro chefe do Executivo disse que pediria ao Tribunal de Contas
um diagnóstico sobre a situação financeira do Estado. O atual governo informa
déficit orçamentário de R$ 11,4 bilhões para o próximo ano. Mas na conta não
entra, por exemplo, a dívida com os municípios, já em torno dos R$ 9 bilhões.
Como o TCE-MG vai auxiliar no processo de
transição entre os governos?
O Tribunal de Contas, como órgão de controle, já vem passando por uma mudança
na atuação, para sair daquela lógica do controle tradicional, para trabalhar
junto com os gestores, fazendo o diagnóstico da situação atual, para que o
gestor possa, inclusive, fazer mudanças de rumos, se necessário, a partir do
diagnóstico apontado pelo Tribunal de Contas.
Sob essa perspectiva, o Tribunal de Contas está de portas abertas para o novo
governador. Já tivemos a oportunidade de fazer contato entre as assessorias,
agendamos uma reunião com Zema (para hoje). Nessa reunião, iremos apresentar
para o governador eleito o quadro atual do Estado, em relação, especialmente, à
evolução que vem havendo de 2013 até 2017, porque as contas de 2018 ainda não foram
encerradas. A nossa intenção é exatamente passar para ele a situação real do
Estado, sob a perspectiva do Tribunal de Contas, no que diz respeito a essa
situação financeira e orçamentária.
Qual é a real situação
econômica do Estado?
O Estado está vivendo uma crise gravíssima. Nós estamos com o atual orçamento
em curso, numa perspectiva de, mais uma vez, ter um orçamento deficitário, que
foi encaminhado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, (ALMG) que supera os
R$ 11 bilhões. Significa que o próprio governo reconhece, no orçamento que está
encaminhando, a impossibilidade de cumprir com todas as necessidades e
despesas.
Qual setor o senhor
considera que passa uma situação mais grave no Estado?
A saúde, a educação e a segurança. Especialmente em saúde e educação, porque
nós, do Tribunal de Contas, já há algum tempo entendemos que o governo não vem
aplicando os mínimos necessários, conforme a determinação constitucional impõe
que o seja. Nessas áreas, o governador eleito precisa ter uma atenção maior,
especialmente no que diz respeito ao cumprimento desses mínimos
constitucionais.
Costumo dizer que em uma crise como a que estamos vivendo, o tamanho do bolo
não importa, a partir do momento em que a Constituição estabeleceu que um
quarto do bolo, pelo menos, deva ser carreado para a educação. Infelizmente o
que vemos que está acontecendo é que, embora o bolo tenha reduzido de tamanho,
porque, mesmo com as receitas tendo aumentado nesse período, as despesas também
aumentaram, o repasse não vem sendo feito. O fato é que a proporção dessa
receita arrecadada não pode mudar, no mínimo um quarto tem que ir para a
educação. Infelizmente, não temos visto empenho dos últimos gestores para o
cumprimento desse mínimo constitucional exigido.
Qual a visão do Tribunal
de Contas em relação à dívida do Estado com os municípios?
Estivemos reunidos com representantes de vários municípios mineiros, com
representantes da Associação Mineira de Municípios (AMM) e de outras
associações, reconhecendo que, de fato, houve, a partir de uma avaliação
técnica do TCE-MG, um equívoco do Estado ao não repassar aquilo que é devido
aos municípios. A Constituição estabelece que parcela dos impostos, como é o
caso do IPVA e do ICMS, deve ser repassada aos municípios. No momento em que o
governo do Estado optou em não repassar esses valores, ele evidentemente
transportou para os prefeitos uma responsabilidade, um ônus que não era
inicialmente deles. Eles assumiram uma parcela de responsabilidade por fazer
uma gestão daquilo que já era crítico no âmbito do Estado, e que, em princípio,
eles poderiam ter uma melhor condição de gestão, caso esses valores tivessem
sido repassados.
Como o senhor avalia a
situação dos servidores públicos do Estado?
A situação do Estado é grave sob a perspectiva estrutural. Serão necessários
vários ajustes simultâneos para que o Estado volte a uma condição de
normalidade orçamentária e financeira. Não adianta utilizar de velhos
mecanismos, como a alienação de patrimônio, a privatização de empresas
públicas, captando, com isso, recursos extraordinários para solver um problema
estrutural. O que já foi tentado pelo governo atual, como a alienação de ações
da Codemig, a questão da securitização da dívida, então, quer dizer, são meios
de obtenção extraordinária de recursos, mas que resolvem paliativamente. Podem
até trazer para um primeiro momento a tranquilidade de se ter a folha de
pagamento em dia. Mas, em um espaço maior de tempo, o Estado vai voltar a
sentir o problema se não houver uma melhora na economia, ou se não houver
decisões sensíveis, duras, muitas delas dramáticas no sentido de providências
estruturais.
Quais são essas providências estruturais?
É necessário que se avalie um movimento de reforma previdenciária, isso é
fundamental. Também na própria estrutura do Estado, ou seja, um enxugamento da
máquina do Estado. Há uma promessa do novo governo de que seja reduzido o
número de secretarias, o que é um bom caminho. Outros caminhos serão
necessários. O governador eleito já falou em cortes de cargos comissionados e
há outros mecanismos bastante duros, como, inclusive, se houver necessidade, a
demissão de servidores efetivos, que fizeram concurso.
Qual a posição do senhor
em relação às privatizações?
Não tenho dúvida de que essa medida (privatização de estatais) é paliativa. O
caminho para a recuperação do Estado passa, caso não haja nenhum tipo de
reforma administrativa ou previdenciária, por apostar no crescimento da
economia. Agora, a alienação desse patrimônio estatal não é a solução para o
problema. O próprio governador eleito e sua equipe já começam a perceber isso,
não é o caminho adequado. Vai trazer (as privatizações) um fôlego financeiro
para o momento, mas, mantida essa condição estrutural, esse volume de despesas
que o Estado tem, em breve tempo o Estado estará de novo em situação econômica
difícil. Em um primeiro momento, sou contra a privatização. O próprio
governador eleito, assessorado pela sua equipe, reconhece que, pelo momento
atual do mercado, não é interessante para o Estado a alienação desse patrimônio.
O mercado percebe que o Estado está no sufoco, e, evidentemente, o preço
oferecido será mais baixo do que o patrimônio efetivamente vale.
O senhor acredita que o
déficit do Estado é maior do que o que foi divulgado pelo atual governador
Fernando Pimentel (PT)?
Nós iremos apresentar essas informações para o governador eleito. Mas uma coisa
é o déficit apresentado para a Assembleia, e existe também a necessidade de se
avaliar essa condição para o futuro. Ou seja, o que está sendo projetado de
deficiência para o ano que vem daquilo que o Estado já reconheceu como dívida,
já que ele não pôde pagar durante esse período. Ou seja, quando se junta essas
duas medidas negativas, evidentemente que o problema passa a ser muito maior do
que esse apresentado para o futuro.
Quais ações efetivas que
o TCE-MG pode adotar para auxiliar o governador eleito no período de
transição?
Temos três ferramentas que desenvolvemos. Duas já estão em operação, e outra
vai entrar
em operação hoje. A primeira é o CAPMG que é o cadastro de agentes públicos do
Estado de Minas Gerais. Essa ferramenta vai possibilitar ao futuro governador e
a sua equipe a terem uma dimensão exata de onde estão lotados todos os
servidores do Estado, sejam eles efetivos ou comissionados. Ele já vai ter
condições, com essa ferramenta, de avaliar se determinada secretaria está com
um superdimensionamento em relação aos servidores, para poder, por exemplo,
fazer movimentações internas. Ou, também, se determinada empresa do Estado está
com um volume de empregados que possa ser ajustado.
Uma outra ferramenta que nós temos é o Na ponta do lápis, que é um aplicativo
que, se o governo entender que deva usá-lo oficialmente, inclusive determinando
que os professores e demais servidores da educação utilizem essa aplicativo
para fazer um diagnóstico total, por exemplo, das escolas estaduais, ele vai
ter um aplicativo totalmente funcional, de tal maneira que todos esses dados
serão captados e transformados em informações gerenciais e disponibilizados
para o secretário de Educação para que ele possa fazer uma gestão em relação à
situação estrutural das escolas.
O terceiro, que estamos lançando agora, é o banco de preços, que é um
instrumento em
que o gestor público vai poder, com base em todas as notas fiscais eletrônicas
emitidas por empresas públicas e órgãos públicos, ter a noção exata do preço de
um produto. Essa percepção do preço e as variações estatísticas mostradas nessa
ferramenta vão poder facilitar a gestão pública.
Lucas Borges - Hoje em Dia