Publicado em 06/12/2019 - cesar-vanucci - Da Redação
“Mais uma vez, opta-se por jogar água do banho fora com o bebê também indo pelo ralo.” (Jornalista Jairo Marques, criticando a extinção do seguro)
Com uma só canetada o DPVAT foi extinto. Em meu modo de ver, não foi uma boa. Não consigo atinar, em lisa verdade, das razões que levaram o governo a uma decisão que me parece desprovida, por inteiro, de bom senso e sensibilidade social. Virtudes que, aliás, andam um tanto quanto escassas, hora presente, na lista dos atos exarados pelo Poder Executivo.
Da
leitura do noticiário nosso de cada dia esboça-se uma tentativa de explicação para
a inesperada e descabida supressão do seguro. Ela não pode, definitivamente, exprimir
realidade. A coisa cheira mais, pura e simplesmente, a uma “intriga da oposição”,
como era de costume dizer-se em idos tempos. A canetada derivaria de represália
adotada com vistas a atingir interesse do dirigente máximo do PSL, deputado
Luciano Bivar, reconhecido, até indoutrodia, a partir da vitoriosa campanha
eleitoral do ano passado, como parceiro político incondicional do presidente
Jair Messias Bolsonaro. As incandescentes divergências vindas à tona, em razão
da disputa pelo comando da sigla, teriam tudo a ver com o procedimento
assumido. Seja como for, descartada essa conversa por estapafúrdia mesmo em
tempos confusos como os de agora, resta de sobra a conclusão de que o
cancelamento do DPVAT não foi medida acertada, bem pensada, fruto de reflexão
amadurecida. As consequências sociais se revelarão, a curto prazo,
inapelavelmente, danosas. Muito danosas. É bom fixar os olhares nas
estatísticas relativas ao seguro. O fim
do DPVAT arremeterá legiões imensas de acidentados para a “beira do desumano”,
como registra em lúcido comentário, na “Folha SP”, o jornalista Jairo Marques.
O
DPVAT brotou de emergência social decretada pelas condições caóticas do
trânsito em nossas ruas e estradas. Medida protetiva de razoável eficácia, essa
modalidade de seguro vem proporcionando, anos a fio, benefícios de
extraordinária relevância a milhares e milhares de pessoas. À sua falta,
multidões ficarão desguarnecidas diante dos riscos de acidentes causados por
veículos automotores. Acidentes esses, como ninguém desconhece, que assumem entre
nós proporções de calamidade pública. Motoristas, passageiros, transeuntes
ficarão expostos a transtornos sem conta em suas demandas por atendimentos médicos
e hospitalares e reparações pecuniárias nos casos de danos eventualmente sofridos.
Como é fácil de imaginar, os litígios judiciais decorrentes de indesejáveis
eventos de trânsito crescerão vertiginosamente, elevando a níveis ainda mais
desassossegantes o congestionamento de processos nos Juizados. O DPVAT – sabido
é - funciona como amortecedor numa quantidade considerável das questões que envolvam
danos pessoais causados por desastres automobilísticos.
O
já citado jornalista Jairo Marques, nas considerações que alinha a propósito da
inoportunidade da extinção desse tipo de seguro, lembra algo muito
significativo. “Para milhares de pessoas, nos últimos anos – registra -, o básico para as despesas
depois de um acidente – e entenda-se o básico como aquilo que irá oferecer alguma dignidade diante de uma
carcaça abalada – veio após o recebimento do DPVAT, ora extinto em uma
canetada. Se há fraudes no sistema, não parece justo que se envergue a ponta
mais frágil, quebrada, abaulada para eliminar o problema. Mais uma vez, opta-se
por jogar água do banho fora com o bebê também indo pelo ralo”.
O
impacto da decisão governamental pode ser melhor aquilatado com a leitura de alguns
dados estatísticos referentes às operações do DPVAT. Somente em 2018, mais de
320 mil indenizações foram pagas nos três tipos de cobertura: Morte, Invalidez
Permanente e reembolso de Despesas de Assistência Médica e Suplementares. Do
total de indenizações pagas no ano passado, 70% foram para acidentes de trânsito
com vítimas que adquiriram algum tipo de invalidez permanente. Somaram mais de
228 mil as ocorrências nessa cobertura. Representando 27% da frota nacional, as
motocicletas foram responsáveis por cerca de 75% das indenizações totalizando
mais de 246 mil pagamentos.
Cesar Vanucci - Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)