Publicado em 23/10/2017 e atualizado em 08/01/2018 - cesar-vanucci - Da Redação
“As pessoas que falam em proscrever a bomba atômica estão enganadas: o que devia ser proscrito é a guerra.”
(Enfatizando mais uma vez a frase lapidar do general americano Leslie Richard Groves)
O Nobel da Paz deste ano da graça de 2017 foi conferido ao ICAN, organização sediada em Genebra que aglutina 424 ONGs espalhadas por 95 países. A versão em português da sigla explica sonoramente os altruísticos objetivos da instituição: “Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares”.
Na percepção deste desajeitado escriba, com suas sempre esvoaçantes quimeras, essa outorga apresta-se magistralmente a descrever o fosso abissal que, tantas vezes, distancia aquilo que a embriagante autossuficiência humana cataloga como “politicamente correto”, daquilo que representa autenticamente ideal a ser perseguido no processo evolutivo humanístico.
A láurea foi atribuída debaixo de aclamações a uma valorosa entidade que se notabiliza por perseverante esforço, desdobrado ao longo de uma década, voltado para a perspectiva de livrar o mundo das armas nucleares. No anúncio, a presidente do Comitê Norueguês do Nobel, Berit Reiss-Andersen, classificou de incansável o trabalho de conscientização do grupo em prol do desarmamento atômico. Assinalou: “Vivemos em um mundo onde o risco de uso das armas nucleares é o mais alto que já existiu. Alguns países modernizam seus arsenais e é real o temor de que outros países se valham desse tipo de armamento, como a Coreia do Norte.”
Porta-voz da organização agraciada, Beatrice Fihn, fez questão de criticar a atuação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ressaltou: “O incômodo causado por Trump decorre do fato de ele ser capaz de autorizar, por si só, o emprego de armas nucleares.” Disse depois: “As armas nucleares não dão segurança nem estabilidade", o que é o próprio óbvio ululante. A respeito ainda do ICAN seja aduzido que a instituição inspirou recentemente um tratado de proibição das armas nucleares, subscrito por 122 países. De cunho evidentemente simbólico, o documento não contém assinaturas das potências nucleares.
Essas informações inspiram singelas observações. Agarremo-nos à cândida hipótese de que os países detentores de arsenais nucleares – Estados Unidos, Rússia, França, Grã-Bretanha, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte – resolvam, de repente, numa espantosa demonstração de boa vontade, desfazer-se de seus artefatos. Será que isso implicaria, concomitantemente, numa declaração peremptória em favor da abolição ampla, geral e irrestrita do terror das guerras e das guerras do terror? Eles e os restantes países com propensão guerreira iriam se dispor, paralelamente, a eliminar pra todo o sempre seu formidando estoque de armas bacteriológicas, de armas ditas convencionais, zelosamente conservadas em pontos fixos e móveis estratégicos para uso em situações de máxima tensão; armas essas, todas, como sabido, concebidas com o objetivo de aniquilar avassaladoramente vidas inocentes e patrimônios valiosos?
Fica claro que ninguém, em consciência, ousa negar o mérito das ações desencadeadas pelos militantes do ICAN. É certo que se trata de grupo ativista fervoroso, apoderado de nobreza de intenções e de saudáveis preocupações com referência a uma questão que impacta de pavor a sociedade. Mas, volvendo a atenção para outra face do assunto, é preciso considerar que o armamento nuclear representa um dos itens – talvez o mais assustador – entre os elementos a comporem as engrenagens dessa suprema manifestação da estupidez humana denominada guerra.
Temos assim, pois, firmado o seguinte: diante da ordem de conceitos comportamentais vigentes no mundo de nossos dias, a campanha para proscrição das armas nucleares é, “politicamente correta”. Mas o “politicamente correto” revela-se insuficiente no caso. Cria uma sensação de incompletude, sensação de que está faltando algo essencial a ser feito. A ardente esperança que habita a alma humana concebe, na verdade, não apenas um pacto capaz de abolir um tipo de instrumento de extermínio. Mas um acordo – mesmo que reconhecidamente inalcançável nesse atual estágio da convivência planetária – capaz de abolir a própria guerra. Ou seja, eliminar das desventuras humanas essa calamidade geradora de todo um cortejo interminável de calamidades, imagináveis e inimagináveis, como diria Padre Vieira.
Na epígrafe, recorri a lapidar frase de um general americano. Sirvo-me no epílogo de outra, igualmente de americano ilustre, George Washington: “Meu maior desejo é ver essa praga da humanidade, a guerra, extinta da face da Terra.”
Cesar Vanucci - Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br