Publicado em 24/07/2020 - cesar-vanucci - Da Redação
“Nenhuma qualidade humana é mais intolerável na vida comum, nem é, com efeito, tolerada menos, que a intolerância”.
(Leopardi, pensador italiano)
· Ativistas
sociais e parentes enlutados fincaram cruzes na areia alva da praia com os
nomes de algumas das mais (no momento em que estas palavras são digitadas) de
70.000 vítimas da tenebrosa “gripezinha” que assola o planeta. Enfermidade que
elegeu o Brasil como epicentro na América Latina, com “dilatadas chances” de
disputar indesejável primeiro lugar no pódio com os Estados Unidos. O ato na
franja litorânea carioca teve o sentido de um tributo de saudade, como tantos
outros tradicionalmente promovidos em circunstâncias ditadas por forte comoção.
Eis que, de repente, espumando ódio pelas ventas, semblante, olhar, gestos,
grunhidos na voz denunciando belicosidade, um indivíduo de maus bofes adentrou
a área, em passadas vigorosas, desfazendo os montículos de areia, chutando as
cruzes, sob olhares atônitos e indignados das pessoas ao redor. Os responsáveis
pelo ato simbólico de homenagem aos mortos, entre eles pais angustiados,
cuidaram logo de refazer o cenário vandalicamente desmontado.
Fanatice política,
típica destes momentos sombrios, desvario mental, surto paranoico ocasional,
tudo isso misturado? Como caracterizar a impactante ocorrência? No que me
concerne, ignorando o que veio a acontecer ao depois com o agressor, ocorre-me
garantir que uma coisa é absolutamente certa: ninguém apedreja cruz
impunemente. Digo e provo!
No povoado do Capão da
Onça, caminhonete desgovernada atropelou e matou uma jovem. O pai da moça,
pequeno sitiante, mandou afixar uma cruz no local do fatídico acidente. A cruz
ficou plantada na estrada quase rente à cerca de arame, nas imediações da
porteira de entrada da sede da fazenda do coronel Felisberto. O fazendeiro,
chefe político na localidade, mandou retirá-la. O sitiante Libório não
concordou. O fazendeiro resolveu arrancá-la com as próprias mãos, jogando-a de
lado. O pai da vítima tornou a colocá-la. Passando pelo local, no dia seguinte,
não mais avistou a cruz. Ficou sabendo, então, que ela tinha sido retirada e lançada
em lugar não sabido, no meio do mato. Não pensou duas vezes. Abriu a porteira e
foi até o alpendre da casa do fazendeiro. Ao avistá-lo, apontando-lhe o dedo em
riste, bradou: - “Até o final do dia, você será castigado pelo que fez!” Sem disponibilizar
tempo para discussão, quase correndo, botou o pé na estrada...
De tardinha, uma
ambulância chamada às pressas transportou o coronel Felisberto, homem de saúde
robusta, acostumado a cavalgar em locais íngremes por horas seguidas, acometido
de mal súbito, ao hospital de uma cidade próxima. Permaneceu meses internado.
Até o final de existência longa, carregou no corpo alquebrado sinais de
atrofiamento nas pernas e braços. Passou a utilizar cadeira de rodas para
locomoção.
Outro episódio
desconcertante nessa mesma linha aconteceu em Riachão das Flores. O comerciante
Azarias implicou pra valer com o ritual promovido por um vizinho, às
sextas-feiras, num trecho da pracinha em que ambos moravam. O ritual consistia
na fixação de uma cruz de madeira adornada com flores e velas. O autor da
proeza dizia que a cruz era legado sagrado trazido da África por ancestrais. A
intolerância do comerciante impeliu-o a gesto extremado. Sem mais essa nem
aquela, dirigiu-se até o local em que a cruz se achava exposta com o declarado
propósito de “acabar na base da porrada com a palhaçada”. Tomou distância, à
maneira dos batedores de pênalti, para o chute fatal, mirando o objeto. A
impressão que se tem é de que no preciso momento do arremesso o piso da calçada
transmutou-se num tapete de cascas de banana. Catapruz! Que baita escorregão! A
queda do Azarias foi de contundência tal que exigiu internamento no setor de
fraturas expostas do Pronto-Socorro. Saiu de lá condenado a usar muletas pra
sempre.
Isso aí: não se
apedreja cruz impunemente!
· Sinal
(a)berrante destes tempos amalucados. O excelentíssimo senhor prefeito Fernando
Gomes, de Itabuna, Bahia, em entrevista sobre a reabertura do comércio na
cidade, deixou cair esta “preciosidade”: “Mandei já fazer um decreto e no dia
09 de julho abre, morra quem morrer”.
Cesar Vanucci - Jornalista.cantonius1@yahoo.com.br