Publicado em 11/03/2019 - cesar-vanucci - Da Redação
“O carnaval é a única festa nacional que consola a gente (...) da queda do mil-réis, da política, dos programas de salvação pública!” (Ribeiro Couto – 1898-1963)
Abram
alas. Deixem o carnaval passar. Com seu fascínio irresistível, com sua
exuberância multicolorida, com suas ruidosas e inconfundíveis manifestações, a
assim denominada folia momesca cria condições, por paradoxal que possa parecer,
para uma pausa no torvelinho da existência. E se o ritmo das ocorrências
rotineiras vem sendo marcado por desafinações perturbadoras, como as que estão
sendo dadas a perceber na cena brasileira nestes dois primeiros meses de
acumulação de problemas no nada bento, até aqui, ano de 2019, o intervalo
aberto revela-se propício para descontração, apaziguamento de ânimos, diversão,
meditação, por ai, de acordo com as diversificadas opções de gosto de uma
freguesia acossada por tanto sufoco. O melhor a fazer, foliões ou não, é tirar
partido do bem-vindo recesso.
Brasil, país do carnaval! Há quem demonstre algum
ou mesmo forte desconforto com a designação. Franzindo a testa em sinal de quem
comeu e não gostou, coloca desdém na voz sempre quando chamado a falar da feérica
celebração popular. Deixa cair a opinião de que tudo isso não passa de baita
despropósito. Algo que, em seu distorcido parecer, empobrece pra valer a
cultural nacional.
É
claro que a turma partidária desse ponto de vista está rotundamente equivocada.
Como também é notório que parte dessa minoria de viventes preconceituosos em
relação ao carnaval não encontra motivos para se rejubilar com o fato de que sermos
reconhecidos como o “país do futebol”. Não é improvável, ainda, que se sintam
mais a vontade numa comemoração, por exemplo, do “halloween”, do que numa festa
junina com aquele sabor típico roceiro descrito nos poemas e no canto de Catulo
da Paixão Cearense, primeiro violão da Sinfônica poética brasileira. Ou até mesmo
que achem naturalíssimo o emprego pedante, num trivial papo com conhecidos, de
expressões em “inglês moroless”, como “feedback”, “brunch”, “feeling” (e por aí
segue...), empregadas abusivamente para classificar situações obvias do
cotidiano.
Não
nos importemos, todavia, com o que alguns poucos pensam e dizem do carnaval. As
vibrações ricas em calor humano, magnéticas, contagiantes desse inigualável
festejo, aqui por nossas bandas, são únicas, têm marca registrada. Exprimem
admiravelmente, como acontece também no reino do futebol, o modo de ver e
sentir de nossa gente. Estampam, de forma magistral, as múltiplas faces da
genuína cultura nacional.
Disponho-me a contar, em seguida,
coisas amenas de outros carnavais. Naquele tempo, sabe seu moço, a criação
musical revelava-se mais pujante. O carnaval era época geralmente reservada
para lançamento de belos sambas e marchas, boa parte deles até hoje com lugar
assegurado na memória das ruas.
“Alalaô”, “Chiquita Bacana”, “A
Jardineira”, “Não me diga adeus” são alguns clássicos da incomparável canção
popular brasileira nascidos nos teatros-revistas e nas rádios, por ocasião do
então chamado “tríduo momesco”. Essa expressão aí, por sinal, acabou caindo em
desuso em tudo quanto é parte, mas, na verdade, um pouco mais mesmo na Bahia,
já que o carnaval na “boa terra” costuma começar bem antes e acabar muito
depois, como é sabido por todos e desfrutado por muitos.
Autores e intérpretes musicais se preparavam, então, para o carnaval com o mesmo capricho e cuidado de qualquer artista na antevéspera de uma temporada de espetáculos. O concurso das melodias carnavalescas fazia parte do show. Servia de trampolim para a glória.
Naquele tempo, o lança-perfume não era considerado esguicho alucinógeno. Todo folião digno do nome trazia-o sempre ao alcance da mão, nos salões e nas ruas. Os mais abonados adquiriam artefatos metálicos. Os outros consumiam os de vidro, mais em conta. Tinha-se por certo, na consciência coletiva, que o dano extremo que o emprego do lança-perfume conseguia produzir era um ardor incômodo, quando o gélido jato das bisnagas atingia o olho de algum desprevenido folião. Vez por outra, alguns poucos carnavalescos, debaixo da reprovação da maioria, se compraziam em promover duelos de lança-perfume. Contrariavam, assim, a regra pacificamente aceita de que o lança-perfume nada mais devia ser do que forma galante de aproximação.
O carnaval bem diferente de agora projetou nos últimos anos, graças sobretudo à cobertura da televisão, uma visão panorâmica impressionante da capacidade artística brasileira. A alegria, que costuma explodir franca e espontânea em tudo quanto é espaço ocupado pelos foliões, serve de pano de fundo para que sejam expostas – repetimos - as múltiplas e arrebatantes faces da cultura nacional.
As tradições, os símbolos
folclóricos, os mitos, os costumes de cada região, trabalhados por
carnavalescos criativos, ganham colorido e vibração nas manifestações. E deixam
no espírito popular a certeira certeza de que, seja no Rio, ou em São Paulo, ou
Belo Horizonte, nas cidades históricas de Minas, na Bahia, em Pernambuco, ou no
Amazonas, vive-se, todos os anos, nessa época, em todo o Brasil afinal, um festejo
incomparável em matéria de promoções a envolver multidões. Produto pra desfrute
turístico que nenhum outro país do planeta tem condições, vontade e capacidade
de oferecer.
Cesar Vanucci - Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)