Publicado em 24/09/2018 - cesar-vanucci - Da Redação
“Tirar luz da fumaça”. (Horácio (65-8, a.C.)
Parodiando personagem marcante de uma novela de grande sucesso, exibida
anos atrás em horário nobre, o tempo “ruge” e a Sapucaí eleitoral está logo
ali... Mesmo sabedores (recorrendo a outra fala televisiva famosa) que a
situação “está abracadabrante”, é preciso saber conservar inabalável a fé na
democracia, até em momentos em que a descrença esteja grassando solta. Eleição
é o instrumento que o regime democrático – um regime reconhecidamente
imperfeito, mas ainda assim, dentre as invenções do ser humano, o único em
condições de salvaguardar a dignidade na convivência comunitária – coloca nas
mãos dos cidadãos probos para que consigam fazer prosperar bem intencionadas
tentativas de se libertarem de enrascadas com potencial de estragos considerável.
Agindo com bom senso e serenidade, esforçando-se por “contaminar” do
mesmo salutar propósito as pessoas ao redor – seguros de que a serenidade de
Deus mostra-se sempre presente nas coisas positivas que construímos juntos –
haveremos, como não? de “tirar luz da fumaça”, como na proposta poética milenar
de Horácio. Identificando no sentimento nacional uma poderosa egrégora,
esperançosos de que a manifestação majoritária das urnas venha a apontar o
caminho correto para saída da crise, expressamos convicção de que os anseios da
sociedade brasileira colocam-se em sintonia com os valores humanísticos que
conferem grandeza à vida. Esses anseios gravitam em torno da exigência de postura
ética na atividade pública, de combate sem tréguas a todas as modalidades de
corrupção, da preservação do patrimônio das riquezas nacionais. Cabe-nos assim
aguardar, confiantes, que os resultados do próximo pleito, refletindo a soberana
vontade popular, possam vir a sinalizar, se não um ambicionável jato luminoso,
um candeeiro com suficiente claridade para descortinar rumos, abrir clareiras,
desfazendo essa nuvem enfumaçada que tolda os horizontes e tolhe os movimentos
do país em direção ao futuro.
É óbvio que os desafios e obstáculos a serem enfrentados pelos
autênticos democratas perturbam em muito. Comentando o artigo “Democracia
apunhalada”, de dias atrás, distintos leitores lembram que a crônica política
brasileira recente acusa o registro de deploráveis atos de violência, além do
chocante incidente ocorrido em Juiz de Fora. O mais impactante desses episódios
de feroz e odienta exaltação diz respeito aos assassinatos, no Rio de Janeiro,
da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson. Um outro,
afortunadamente sem vítimas, envolveu aquela agressão a tiros a ônibus que
transportava no Paraná militantes de uma agremiação partidária. Casos ainda sem
solução a vista, com forte propensão a jamais serem deslindados, ambos os dois
documentam, igualmente, as situações de paranoia que acabam resultando da
pregação sistemática da intolerância, do ódio e da violência numa campanha
política, como consequência do desvario de minorias radicais de matizes
variados. Todos que temos olhos pra ver e ouvidos para escutar, como no
aconselhamento evangélico, damo-nos conta, estarrecidos, da ininterrupta
ofensiva de ataques desabridos promovida, notadamente nas redes sociais, por
grupelhos intoxicados de preconceito, intolerância, racismo, fanatice ideológica.
Minoria ruidosa, oportunista e fisiológica a serviço da beligerância, esse
pessoal lança mão de expedientes os mais torpes e escusos para alvejar pessoas
e situações não alinhadas com seu modo obscurantista de pensar e de ver as
coisas do mundo.
Relacionamos abaixo alguns poucos lances das muitas absurdidades rotineiramente
cometidas. Não é verdade de que hajam sido recolhidos indícios de participação
de adversários políticos no revoltante atentado de Juiz de Fora contra um
candidato à presidência. Não é verdade que o tresloucado indivíduo que cometeu
o atentado, fundamentalista religioso ao que se apurou, seja assessor de
adversários da vítima. Nem, tampouco, corresponde à realidade dos fatos que o
candidato alvo do atentado haja simulado tudo para ganhar popularidade. Também
é falsa a divulgação copiosa que se faz sobre o apoio do padre Marcelo e do
jornalista Arnaldo Jabour a um dos disputantes da Presidência. De outra parte,
é completamente fora de propósito a informação, amplamente propalada, de que, lá
do outro plano existencial, Chico Xavier, uma unanimidade no apreço popular,
haja transmitido mensagem, via psicografia captada por sensitivos daqui deste
nosso mundo, declarando apoio a algum nome como “salvador da pátria”, “defensor
da moral e dos bons costumes”, e criticando a ação de adversários que teriam “parte
com o demo”... Outra falsidade, espalhada com o objetivo de alarmar e
confundir, coloca sob suspeição a apuração, pelo TSE, das urnas eletrônicas,
sob a pérfida alegação de que existe um “plano B” para fraudar os resultados.
Essas sugestivas amostras postas a circular derivam de um caldo de
cultura mórbido e rançoso, de inequívocas conotações antidemocráticas. Aos
democratas autênticos impõe-se o indeclinável dever de separar muito bem o
trigo do joio. Repelir, nas informações veiculadas, a caudal de sandices. E
fixar o máximo de atenção – aí, sim – nas propostas, nas ideias, nos programas,
nos gestos, no comportamento dos concorrentes aos postos eletivos da disputa
eleitoral. Esta a maneira adequada de favorecer a chegada ao poder dos
verdadeiramente capacitados, intelectualmente, tecnicamente, moralmente, a
exercê-lo.
Cesar Vanucci - Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)