Publicado em 10/07/2020 - cesar-vanucci - Da Redação
“ (...) Daí ser a venda de remédios negócio de primeira ordem.” (Antônio Callado)
Falo de uma gripe comum. Não dessa “gripezinha” desembestada, que anda ceifando vidas preciosas, semeando pânico e tolhendo as atividades produtivas.
Falar verdade, em meu caso particular, a “marvada” foi mesmo a gripe. Não a pílula antigripal de alardeados efeitos milagrosos daquele reclame musical na televisão. Pegou-me de com força. Estirou-me na lona. Foi assim como se houvesse sido atingido por um cruzado do Popó, ou do Eder Jofre, ou mesmo de ambos, os dois, conjuntamente, ufa! Gripe dessas faz germinar, no silêncio mais profundo de duas ou três noites mal dormidas, um bocado de ruminações. Algumas doídas. Ocupamo-nos delas na sequência.
Os
gastos com medicamentos, em função da “marvada”, anotadinhos na ponta do lápis,
superaram dois salários mínimos. E olhe que nos consultórios visitados me foram
generosamente passadas algumas amostras grátis! Os desembolsos não contemplaram
honorários médicos, chapas, exames de laboratório, itens acobertados pelo
seguro-saúde, que custa aliás uma nota preta. O orçamento doméstico do mês
sofreu algum abalo mas, pelo menos desta vez, o leite dos meninos não ficou
prejudicado. Das coisas vivenciadas por conta da gripe sobraram amargas
indagações. Quem puder faça a gentileza de responder. No auge de uma crise
gripal braba como a que me acometeu, que grassa solta pela aí, atingindo
impiedosamente mesmo quem (como eu) recebeu vacina a tempo e a hora no centro
de saúde, como é que se arranja mesmo um trabalhador de salário mínimo
inesperadamente alvejado pelos mesmos sintomas febris que derribaram o neto
predileto de vó Carlota?
Adiante,
gente boa. Concordam comigo que essa questão de medicamento é troço danado de
sério? Um mal sem remédio? Peguemos um dado da Organização Mundial de Saúde.
Não mais do que 150 fórmulas farmacêuticas, diz ela, são suficientes para o
mundo encarar de frente os problemas básicos de saúde. A revelação adquire
toque burlesco confrontada com os zilhões de marcas amontoadas nas prateleiras
das farmácias espalhadas por tudo quanto é canto deste nosso planeta de
consumismo desvairado. Não por outras razões a cartelizada indústria
farmacêutica, sob controle de grandes corporações, compõe com os setores
petrolífero e de armamentos a lista dos negócios mais rentáveis bolados pelo
engenho humano. Isso remete, nas avaliações e anseios dos humanistas por um
mundo melhor, à ideia de que, algum dia, mais na frente, a sociedade vai se ver
compelida a fazer uso de todo seu talento, criatividade, empenho político na
formatação de modelos de atendimento social no campo da saúde totalmente
diferenciados dos de hoje. O esquema adotado no fornecimento de medicamentos às
populações revela-se ineficaz, injusto. Coloca-se a distância considerável dos
objetivos primordiais buscados nas políticas sociais. Muita coisa feita com
reta intenção, no sentido de ajudar a população, acaba se transformando na
prática, em consequência de “estratégias negociais” dos laboratórios, num
instrumento inofensivo. Caso sem tirar nem pôr dos genéricos. Imaginava-se, de
princípio, pudessem ser entregues ao consumidor, opcionalmente, a preços
acessíveis. Ledo engano. Entre os “produtos de marca”, os “genéricos” e, ainda,
os “similares” - classificações, pelo que se percebe, criadas para confundir a patuleia
ignara - não existem diferenciações de valor, identificáveis à primeira vista,
que tragam real benefício ao consumidor.
Quebra
de patentes, expansão da rede de farmácias populares, lançamento em larga
escala de produtos homeopáticos e fitoterápicos, tudo isso pode integrar um
sistema de proteção à saúde fundamentado no objetivo de ajudar o povo em sua
sufocante luta diuturna pela aquisição de remédios. Mas não é o bastante. As
lideranças comprometidas com a causa do bem-estar social têm a obrigação de
aprofundar estudos e discussões em torno do angustiante problema dos remédios.
E, a partir daí, promoverem uma reavaliação do que é hoje feito e vem se
revelando extremamente insatisfatório. O interesse social reclama um tipo novo
de relacionamento entre fabricantes, comerciantes e clientela de medicamentos.
O relacionamento vigente é desvantajoso para o povo. E bota desvantagem nisso!
Cesar Vanucci - Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)