Publicado em 12/02/2019 - cesar-vanucci - Da Redação
“Morreu um pedaço de mim.” (Derenir Aquino Rocha, 68 anos de idade, desempregada, ribeirinha do rio Paraopeba tomado pela lama)
A dor e comoção suscitadas por impactante tragédia
irmanam as pessoas. Abrem chance, às vezes, para que se desfaçam idiossincrasias
e desavenças pessoais que pareciam incontornáveis. Contribuem para reduzir, ou
até eliminar, tensões de origem banal acumuladas na convivência rotineira. E,
também, desencadeiam ondas impetuosas de solidariedade, heroicas ações e
contagiantes gestos de generosidade.
Brumadinho repetiu Mariana no sofrimento inenarrável e
na afetividade trazida aos borbotões. Desde o instante fatídico em que as comportas
se abriram para o dilúvio de lama, não pararam de jorrar demonstrações de
fraternidade brotadas do mais genuíno sentimento popular. O espírito de
cidadania marcou também altiva e edificante posição na agenda dos debates em
curso sobre as desnorteantes causas e as imprevisíveis consequências da
catastrófica ocorrência.
As eletrizantes imagens dos bombeiros, coadjuvados por
outros agentes públicos, sobrevoando, esquadrinhando a pé, com inaudito esforço,
as extensas áreas devastadas e mergulhando, com fervorosa obstinação, na
movediça caudal barrenta; as cenas retratando a atuação de voluntários
ardorosamente empenhados nas buscas e na prestação de serviços de apoio; o
trabalho prestimoso das equipes de atendimento nos diversificados cenários
armados para acudir necessidades e emergências de toda ordem; as redes de
orações e de doações organizadas espontaneamente pela gente do povo; tudo isso
faz ecoar, retumbantemente, um brado misericordioso que enaltece o espírito
humano. Não é brado, visto está, que se aliene ao dever de propagar, alto e bom
som, o justo inconformismo que se apossou da sociedade diante dos fatores
causais dessa calamidade, com toque genocida, que poderia ter sido evitada, mas
não foi à conta da ganância, insensibilidade social e incompetência técnica e
gerencial.
O inconformismo é alimentado ininterruptamente por
estarrecedoras revelações. Como as que se alinham na sequência. Relatório
alerta que os metais do lamaçal procedentes da barragem vinda abaixo tornam a
água do rio Paraopeba, que abastece numerosas cidades, nociva à saúde. Além daquelas
que já conseguiram, em circunstâncias extremamente dramáticas, sepultar seus
mortos, outras quase três centenas de famílias carregam pesado luto por entes
queridos desaparecidos. A Agência Nacional de Mineração (ANA) dispõe de apenas
três fiscais para inspecionar a segurança de 435 represas em Minas, 50 delas
implantadas a montante, talqualmente as duas que derramaram lama, sofrimento e
dor em Mariana e Brumadinho. Localizada a menos de dez minutos do centro de Rio
Acima, existe uma barreira inativa há sete anos, pertencente a grupo
australiano falido. O empreendimento não dá emprego a ninguém, não recolhe
imposto e deixou antigos empregados sem receber salários. O dique citado figura
na lista dos que constituem ameaça à segurança pública.
Documento liberado pelo Ministério Público Federal
mostra que, desde 2014, as mineradoras Vale e Samarco vinham sendo advertidas
sobre a gradativa perda de estabilidade dos rejeitos no Fundão, Mariana. Duzentas
e cinco barragens de mineração no país são consideradas de alto risco. Delas,
140 acham-se implantadas em Minas. A Vale fica com 32 por cento do total.
Parece (mas não é piada): a Agência Nacional de Mineração elevou de R$ 3.200
para R$ 3.400 o valor máximo das multas a serem aplicadas a mineradoras. A
“atualização” das multas acaba de sair do forno. O ato foi publicado no “Diário
Oficial da União” no dia 31 de janeiro de... 2019. Omissão (ou que outro nome
tenha) do Congresso impediu que o valor das multas às mineradoras pudesse ser
estabelecido em bases sérias. Medida Provisória encaminhada no governo Temer chegou
a prever penalidade de até 30 milhões. Mas a MP, sabe-se lá por quais
insondáveis desígnios, perdeu prazo de votação. Adveio daí que os efeitos
práticos preconizados não puderam ser colocados em vigência, tá bem?
Porta-voz da Vale ofereceu explicação de macabro
surrealismo a respeito de a sirene de alerta, estrategicamente plantada, não
haver soado, no caso do desabamento da Barragem de Brumadinho. Não soou pela
“simples razão” de que a barragem desabou. Tá danado... De outra parte, ninguém
ainda se sentiu encorajado a esclarecer se foi por falta de sensibilidade
social, ou por mesquinhez econômica, ou irresponsabilidade gerencial, ou todas
essas coisas juntas, que as instalações de serviços administrativos, refeitório
inserido, ficavam implantadas no sopé do gigantesco e ameaçador arrimo de
contenção dos resíduos. A apreensão em Congonhas acerca dos riscos potenciais
da barragem da “Casa de Pedra” levou o Ministério Público a ordenar que esse
complexo seja alvo de imediata vistoria.
Durma-se com um estrondo desses!
Cesar Vanucci - Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)