Publicado em 09/07/2018 - cesar-vanucci - Da Redação
“A saúde anda doente.” (Raul Canal, advogado)
O desvario que rola solto por aí, no atacado e no
varejo, produz reações de comportamento bastante bizarras. Face ao mesmo
assunto, envolvendo crucial questão de saúde, há quem lave as mãos, pra fugir
de aborrecimentos e há quem, inconsequentemente, crie problemas simplesmente
não lavando as mãos. A história de hoje fala disso. Amiga de muitos anos,
professora com opulenta bagagem profissional, encaminha-me recorte de artigo
publicado meses atrás em “O Tempo”, assinado por Raul Canal, advogado,
presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética. As revelações
contidas no comentário em tela enquadram-se na lista, a perder de vista, das
absurdidades rotineiramente praticadas nesse mundo de Deus em que o tinhoso
costuma fincar seus enclaves, como uma sonora demonstração dos incontornáveis “defeitos
de fabricação do ser humano”, segundo a própria professora.
O autor proclama, alto e bom som, sem vacilações, com
todas as letras, que os “hospitais brasileiros matam mais que nossas rodovias”.
Assevera, deixando-nos simplesmente estupefatos, que os chamados “eventos
adversos”, decorrentes de mortes hospitalares ocorridas em “condições
adquiridas secundárias à assistência”, são um baita problema de saúde pública,
de insuspeitado conhecimento por parte da sociedade. Lembrando que o trânsito
brasileiro, “com rodovias em péssimas condições de conservação, aliado à
imprudência dos motoristas e à idade avançada das frotas”, é o que mais mata no
mundo, chegando ao recorde mundial (2011, 65 mil mortes), afiança que 19 por
cento dos pacientes internados no Brasil são vitimados por algum “evento
adverso”. Mais: 6 por cento vão a óbito. Em miúdos: nas internações anuais, que
chegam a 19 milhões, 3,6 milhões de pacientes são envolvidos nalgum “evento
adverso” e 220 mil perdem a vida em função disso. O número corresponde a 5,2
vezes dos quantitativos fatais do trânsito e a 3,6 vezes das mortes provocadas
pela violência urbana. Ora, veja, pois!
O impacto das declarações do dirigente da Sociedade
Brasileira de Direito Médico e Bioética sobe, agora, de tom. Cem mil mortes
acontecem, cada ano, em dependências hospitalares, devido apenasmente a
infecções que, pelo menos em 70 por cento dos casos, poderiam ser evitadas.
Como? – pergunta-se. A resposta é nocauteante. Com o mero cuidado de... “lavar
as mãos”. As estarrecedoras informações se alongam. Vejam só o que vem na
sequência. “Em números crus, concluímos que 6.812 hospitais se envolvem no
quíntuplo de óbitos que ocorrem com 85 milhões de automóveis em 1,76 milhão de
quilômetros de rodovias mal conservadas. Recente estudo da UFMG, sob
coordenação do professor Renato Camargo Souto, publicado no “Anuário da
Segurança Assistencial Hospitalar do Brasil”, aponta que, a cada 3 minutos,
morrem 5 brasileiros vítimas de eventos adversos. Esse número fica atrás apenas
das mortes causadas por doenças cardiorrelacionadas (349.652) e é superior às
mortes provocadas por câncer (209.780), sendo, por conseguinte, a segunda causa
de mortes no Brasil”.
Noutro trecho do trabalho é esclarecido que os
“eventos adversos”, além de óbitos, contemplam também morbidades graves,
sequelas motoras e neurológicas, danos estéticos, psíquicos e sofrimentos
morais. A situação brasileira, neste particular, salienta-se ainda, não difere
muito da situação detectada noutros países, o que robustece a tese de que o
comportamento antissocial das pessoas possui, numa perspectiva geral, abrangência
universal. No mundo todo, em 421 milhões de internações hospitalares por ano,
os tais “eventos adversos”, que compreendem além da infecção hospitalar, erros
de medicação e de diagnóstico (muitas vezes igualmente fatais), alcançam a impressionante cifra de 42,7 milhões. Nos
Estados Unidos, tal qual no Brasil, os “eventos” constituem a terceira causa de
morte (400 mil anuais). Ficam nas estatísticas abaixo das doenças
cardiorrelacionadas (614 mil casos) e do câncer (591 mil).
Como se enfatiza no trabalho, a saúde anda doente.
Muito doente. “Nossos hospitais são hoje, talvez, o ambiente mais inóspito em
que o doente possa permanecer”.
Faz todo sentido admitir, no arremate deste papo, que
a história narrada configura verdadeira tragédia. Trata-se de uma constatação a
mais dos tormentos impostos à humanidade pelo estilo de vida egoístico, de gélido
utilitarismo, despojado de fraternidade, que rege de maneira geral as relações
comunitárias. Sentimo-nos todos fragilizados, vulneráveis, ao dar-nos conta de
que os setores competentes, os órgãos fiscalizadores e operadores do sistema de
saúde se limitam, face à situação denunciada, a fazer aquilo que, valendo-nos
de uma metáfora, deveriam forçar fosse normalmente feito nas dependências onde
se realizam os atendimentos assistenciais de saúde: lavar as mãos...
Cesár Vanucci - Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)