Publicado em 25/03/2019 - cesar-vanucci - Da Redação
“É a perda de parâmetros, é o descontrole, é a bagunça administrativa. É a Babel.” (Ministro Marco Aurélio Mello, do STF)
De
princípio, tamanho o espanto suscitado, imaginou-se que se tratasse, como está em
moda, de mais uma “fake”. Intriga danada de maldosa nascida, certamente, em
redutos ocupados por mafiosos poderosos descontentes diante da eficiente
repressão ao crime organizado. Confirmada, contudo, a fidedignidade da denúncia,
houve quem admitisse ser o fato de molde a estarrecer um frade de pedra, como
era costume dizer-se em tempos de antanho.
A
acumulação de detalhes surpreendentes sobre o ocorrido acabou criando ensancha
oportunosa para a afirmação de que o estarrecimento de um único frade de pedra
não seria suficiente o bastante para explicar tanto aturdimento. O mais
adequado era reconhecer no censurável episódio proporção capaz de espavorecer
todo o conjunto das estátuas de pedra de sabão, configurativas dos Apóstolos,
enfileiradas no adrio da Matriz de Bom Jesus de Matozinhos, Congonhas do Campo,
esculpidas pelo genial Aleijadinho, nosso Michelangelo barroco.
Exorbitando
em suas atribuições institucionais, superestimando à desmesura o papel, sem
dúvida relevante, que lhes toca representar no enredo administrativo, político
e jurídico, ilustres componentes da coordenação da “Lava Jato” entenderam, de
modo próprio, ao arrepio da lei, de articular a implantação de uma fundação
privada abastecida com recursos vultosos pertencentes ao Tesouro Nacional, a
ser por eles próprios gerida. A mufunfa, equivalente a um orçamento inteiro da
Unicamp, à metade do orçamento do Ministério Público, seria aplicada em
iniciativas voltadas “para proteção e promoção de direitos fundamentais
afetados pela corrupção, como os direitos à saúde, à educação e ao meio
ambiente, dentre outros.”
Em
“acordo”, pra dizer o mínimo esdrúxulo, firmado pela turma de Curitiba
diretamente com a Petrobras, sem passar pelo crivo de qualquer órgão superior qualificado,
como a PGR, o Tribunal de Contas e a Controladoria Geral da União, o Congresso,
a estatal, atendendo a recomendação exclusiva do grupo, carreou a avultada soma
de 2 bilhões 560 milhões de reais para uma conta bancária a ser movimentada com
os intuitos propalados.
A
dinheirama proveio de acertos procedidos pela petrolífera com a Justiça dos
Estados Unidos. Do ponto de vista institucional, moral e legal, o correto seria
que tais recursos fossem capitalizados pela empresa, ou destinados a finalidades
de interesse público definidas naturalmente por órgãos constitucionalmente competentes,
e não por grupo isolado de agentes públicos que se auto-proclame investido de
poderes situados consideravelmente além de sua alçada. A grita provocada pela
invulgar ocorrência, implicando magistrados, juristas, lideranças políticas e
de outros setores da sociedade, foi de tal monta que à Procuradora Geral Raquel
Dodge não sobrou outra alternativa que não pedir ao STF a anulação do “acordo”,
por nele enxergar inconteste violação dos preceitos constitucionais. Na justificativa
do saneador procedimento, ela evocou a autonomia dos Poderes, a necessidade de
preservação das funções essenciais à Justiça e os princípios da legalidade, da
moralidade, além de se reportar à exorbitância de atribuições constatada na atitude
dos subordinados.
Esclareça-se,
ainda, a respeito da candente questão que os procuradores envolvidos, após o
pronunciamento da Procuradora Geral, requereram a suspensão da criação do fundo
privado bilionário que se propuseram a implantar com recursos recuperados da
Petrobras. No pedido de adiamento,
formulado perante a Justiça Federal, confessaram-se dispostos a consultar,
agora, a Advocacia Geral, a Controladoria Geral e o Tribunal de Contas da União,
na busca de soluções adequadas para que os valores restituídos aos cofres
públicos sejam usufruídos pela comunidade.
As
vigorosas reações à desnorteante atitude dos procuradores acham-se
emblematicamente traduzidas em declarações como as reunidas na sequência.
Jornalista Élio Gáspari: “A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas
tropeçou na soberba”. Jurista Marcelo Mascarenhas: “Se um prefeito ou um
governador desviasse a arrecadação de multas para uma ONG escolhida por ele,
era condução coercitiva na hora”. Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo: “A
mistura entre público e privado, sem a devida fiscalização, não interessa à
sociedade. É ato pernicioso, fazendo surgir “super órgãos”, inviabilizando o
controle fiscal financeiro. É a perda de parâmetros, e o descontrole, é a
bagunça administrativa. É a Babel”.
Encurtando
papo: uma incompreensível e desedificante forçação de barra.
Cesar Vanucci - Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)