“Fando e Lis” é, em última
análise, a ressonância dessa contestação. Fando e Lis são dois jovens à procura
de uma cidade misteriosa chamada Taar, símbolo da felicidade, da vida, da
liberdade, do amor. Fando guia um “carrinho de rodas” levando sobre ele uma
jovem paralítica. Os dois caminham incansavelmente através de uma paisagem de
ruínas. Ansiosos, procuram por toda parte Taar. Mas sempre se descobrirão no
mesmo ponto de partida. Nessa caminhada angustiante vão tropeçando em todo o
tipo de crises e monstros. As discussões-símbolo se sucedem em um verdadeiro
ritual happening, revelando todo um mundo de intolerância, de frustrações, de
impotências, de dúvidas.
Os três homens do guarda-chuva cruzam o caminho do casal. Eles também estão a
caminho de Taar. Cada um parece estar caminhando em tempos diferentes.
Ansiedades, brigas, afetam os três que, unidos, seguem seu caminho circular. A
viagem a Taar é apenas um jogo, uma experiência vivida que eles não sabem aonde
os levará, nem sequer sabem qual seja o caminho.
Arrabal se volta para o fim do
mundo; supõe que uma guerra mundial tenha acabado com o ser humano. Daí partem
seus personagens (Fando e Lis) em busca de Taar, que pode simbolizar a
redenção, a luz, o amor. Mas o mundo a destruiu. Só restam sinais decadentes de
uma sociedade que falsificou todos os valores e conceitos. Há muita gente que
busca a si mesmo para renascer (uma simbologia aberta). A arte não deve ser
teoria, deve dar ao espectador a oportunidade de escolher a sua própria imagem
do mundo. “Fando e Lis” é um espelho em que cada espectador verá refletido seus
problemas interiores.
Fando seria a alma de Lis. Ela
o arrasta para o sofrimento, para a paixão. Com a morte, ele se libertará de
tudo isso. E Lis seria a alma de Fando, que procura destruí-la durante toda a
caminhada. Mas será que ele descobrirá que não pode viver sem ela?
O primeiro passo a dar é eliminar a falsa imagem que se tem de si mesmo para se
aceitar como se é, para se encontrar sua totalidade: é livrar-se da máscara.
Lis poderia ser simplesmente a
alma ou o outro ego de Fando. Fando se vê obrigado a arrastar esse ego,
encarnado em uma paralítica, como uma cruz. Para encontrar-se consigo mesmo
deve destruir a imagem de Lis integrando-a em sua totalidade. Eis Taar, a terra
prometida que existe no fundo de cada um de nós.
Os personagens vivem obcecados pela presença da morte. Ao som do tambor e das
canções de Fando, Lis caminha para a morte:
“– Que lindo é um enterro! Mas, quando eu morrer, ninguém se recordará de mim.”
“– Sim Lis, eu virei te visitar com uma flor e um cachorro. ” Estamos sós?
“– É Impossível chegar a Taar. Ninguém jamais chegou lá.”
E então o absurdo?
Não. Taar está dentro de cada
um de nós. Ao final, a libertação? Através da compreensão da dor e das dúvidas
do outro? O poeta Drummond rabiscou uma saída: “vamos de mãos dadas”.
Ninguém jamais chegou lá.
Ninguém? Nem de mãos dadas?