Publicado em 28/04/2020 - educacao - Da Redação
Flexibilização da carga horária e exigência de avaliação diagnóstica das
competências básicas de português e matemática devem estar entre as
deliberações
Em Minas, as redes de ensino já
projetam seus calendários deste ano para 2021. A particular definiu
datas, a estadual acena com aulas remotas a partir do mês que
vem e a municipal de Belo Horizonte aposta no rearranjo para
cumprir integralmente o programa pedagógico depois da retomada dos trabalhos.
De acordo com o CNE, pelo menos dois fatores são certos: as ferramentas
tradicionais estarão fora das salas de aulas em 2020 e não será possível
trabalhar com todos os objetivos fixados antes da pandemia.
Nas contas do CNE, as escolas ficarão, pelo
menos, 75 dias fechadas e mesmo usando sábados e feriados, é impossível não
cruzar a linha de 2021. A rede particular mineira vai antecipar férias de
janeiro e, assim como a estadual, prevê apenas o recesso de Natal e revéillon
em dezembro, sem direito à semana da criança em outubro. Assim, a chave do
momento é: como fazer a escola chegar até o estudante neste período? A única
forma é desenvolver atividades não presenciais, responde o conselheiro do CNE
Eduardo Deschamps, ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de
Educação (Consed). “Se pensar em fazer reposição de aula ou cumprir carga em
modelos tradicionais não será possível, mesmo usando sábados, feriados, férias
e aumentando carga. Não tem como fazer tudo dentro deste ano civil e pode
comprometer o ano que vem”, avisa.
Por isso a aposta numa retomada mais flexível e
evitando ao máximo que as aulas batam na porta do mês de fevereiro. Se em tese
não é possível pensar em carga horária inferior a 800 horas, vale lembrar que o
Ministério da Educação já flexibilizou outra face da legislação, ao permitir às
escolas, dado o caráter emergencial, cumprir as horas em tempo inferior aos 200
dias letivos obrigatórios.
O CNE trabalha com três cenários. O primeiro é uma
mudança legal que indique a redução ou não obrigatoriedade das 800 horas. Sem a
alteração, serão necessárias alternativas, como a carga do ensino remoto e o
contraturno. Os conselheiros apostam numa orientação sem muitas limitações, em
que o mais importante não é cumprir carga horária, mas garantir a aprendizagem
essencial, lembra Deschamps. Para ele, o mais acertado é apostar em atividades
a distância agora, mesmo sem abarcar a totalidade dos alunos, para garantir o
vínculo com as instituições.
Embora sem estatísticas, a rede particular de Minas
acredita que muitos de seus estabelecimentos pegaram o caminho da educação
remota, por atividades on-line ou impressas distribuídas pelas escolas. A rede
estadual lançou um programa ousado, para atingir seus 1,7 milhão de alunos,
previsto para começar mês que vem, mas ficou de mãos atadas depois que o
Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG)
obteve na Justiça liminar proibindo atividades não presenciais.
A batalha pelo ensino a distância tem alguns
fundamentos, na opinião do CNE. Um deles é que um longo tempo de inatividade
faz a aprendizagem retroceder, segundo pesquisas. Outro é o agravamento das
evasões nos ensinos médio e superior. “Atividades não presenciais permitem minimizar,
mas não é educação a distância”, diz Eduardo Deschamps.
ROTINA Na espera de tantas respostas, a servidora pública
Cynthia Guimarães Dias Silva, de 38 anos, que já trabalhava em casa,
estabeleceu uma rotina de estudos com as filhas. Ana, de 7, aluna de uma escola
particular da Região Centro-Sul de BH, tem atividades diárias de português,
matemática e ciências enviadas pelo colégio, que a ocupam por até uma hora e
meia. “A ideia é manter as crianças com vínculo com a escola. O colégio não
espera que se aprenda algo neste período, o que tranquiliza pais que estavam
com medo de seus filhos ficarem para trás. É basicamente revisão do que já
havia sido dado”, conta.
Clara, de 5, aluna do 2º período, não fica para
trás. “A escola passou a disponibilizar atividades que buscamos lá. Mas, antes,
eu mesma peguei várias na internet e falava que a professora tinha mandado”,
relata.
Com viagens suspensas e férias programadas para
dezembro, mas sem grandes expectativas, Cynthia imagina um segundo semestre
carregado: “Espero que os professores do fundamental sejam flexíveis, para as
crianças não ficarem esgotadas. Nessa idade, ir para a escola é um prazer, não
gostaria que isso se perdesse.”
Consciente de que as
estratégias não chegarão a todos, a Secretaria de Estado de Educação (SEE)
aposta em metodologias diversas para alcançar o máximo de estudantes. Para
criar o maior programa de ensino remoto de Minas Gerais, está se apoiando na TV
estatal Rede Minas para levar aulas diariamente a 1 milhão de estudantes –
estão previstas cinco horas por dia de aula, de segunda a sexta-feira, sendo
que os quatro primeiros dias abordarão todas as áreas do conhecimento e o
quinto será dedicado à preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Outra expectativa é a de ter acatado o recurso contra a liminar do Sind-UTE.
A SEE já antecipou o
recesso de julho e, atualmente, os alunos estão parados. A secretaria é
favorável à retomada o mais rápido possível, com cuidado epidemiológico e
sanitário, para evitar grande sobreposição de horas, “afetando muito mais
diretamente a vida de professores e alunos”, afirma a secretária de Estado de
Educação, Júlia Sant’Anna.
Outra arma são os 38
planos tutorados, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (Undime), para o ensino fundamental, que poderão incluir a preparação
para o Enem e que entrarão na subtração da carga horária. “O aluno vai receber
um caderno com orientação sobre o que estudar e atividades de cada componente
curricular, sendo esse componente proporcional à quantidade de horas ofertadas
na matriz curricular mensal”, diz Júlia Sant’Anna. Um aplicativo com navegação
paga pelo estado é a terceira ferramenta para garantir o acesso dos alunos,
assim que o imbróglio judicial for resolvido.
Em BH, a Secretaria
Municipal de Educação optou por não antecipar férias para compensar os dias
parados desde 18 de março, nem repassar orientações a distância a seus quase
202 mil alunos. “Nossa preocupação primeira foi acionar a rede de proteção à
criança e ao adolescente na parte nutricional”, explica a secretária municipal
de Educação, Ângela Dalben. O segundo passo foi incentivar as instituições a
criar vínculos com os estudantes. “O que temos são trabalhos importantes de
vídeos para interação com as famílias, que falam de afetividade e da
importância de estimular a criança. No caso dos maiores, uma sugestão de
leitura ou de um filme que passará na TV”, afirma.
“A educação a
distância tem sido justificativa para contar horas e descontar no retorno. Vejo
essa situação como preocupante, porque não pode forçar uma situação sem
entender o lado do outro”, avisa. Se as aulas voltarem em junho, a secretária
acredita ser possível garantir os objetivos de aprendizagem do currículo e,
talvez, nem entrar janeiro adentro. Alternativas de atividades remotas também
são pensadas. As duas semanas de recesso em julho serão adiadas, provavelmente
para outubro.
PRIVADA Aulas remotas transformadas em dias letivos e férias de
janeiro já comprometidas. Sem feriado e talvez muitos sábados à frente. A
semana de outubro deverá ter aulas todos os dias e o ano letivo, que se
encerraria em 11 de dezembro, vai certamente se estender até o fim. Apesar de
já ter um calendário de reposição, a rede particular de Minas Gerais também
aguarda deliberação do CNE.
No dia 7, o calendário foi
definido, com antecipação de férias e feriados e foco especial na educação
infantil. As escolas que atendem apenas a esse segmento estão em recesso,
referente aos 15 dias de julho. De 7 a 21 do mês que vem, está prevista
antecipação de 15 dias de janeiro. Para as que trabalham além da educação
infantil, a sugestão foi antecipar feriados do segundo semestre, de 4 a 15 de
maio. A partir do dia 18, será antecipado o recesso de julho. “Todas as escolas
vão entrar de recesso. Para quem ainda não conseguiu se adaptar poder fazê-lo,
pois não sabemos se volta em junho. E para as que já adotam medidas,
continuaremos direto em julho”, afirma a presidente do Sindicato das Escolas
Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Reis.
Outra preocupação é com os
pequenos. Impossibilitados de fazer aula remota, precisarão da mesma adaptação
feita em fevereiro, início de novos ciclos. “Maternal é mais fácil de lidar em
termos de reativar processo cognitivo e motor da criança, mas a alfabetização
perde muito. Nem todo mundo tem condição e nem habilidade para ensinar. Quando
voltar, precisaremos fazer uma pesquisa para ver o nível das crianças.”
A avaliação diagnóstica
deve ser um dos princípios do parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE),
que valerá para todas as redes de ensino. As escolas deverão verificar as
competências em leitura, escrita e raciocínio lógico matemático para, a partir
daí, organizar seu planejamento. Outra orientação e uma das mais esperadas diz
respeito à educação infantil, visto que a legislação permite redução da carga
horária obrigatória nessa etapa.
Embora a educação infantil
também deva respeitar 200 dias letivos e 800 horas mínimas de carga horária, a
própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação estabelece 60% da carga
horária obrigatória para os alunos de 4 e 5 anos, para quem a escola é um
dever. “Isso pode ajudar as escolas de educação infantil na questão da
reposição das horas”, avalia a conselheira do CNE, Maria Helena Guimarães de
Castro. Mas, conforme o Estado de Minas apurou, esse ponto não é consenso entre
os conselheiros e, por isso, ninguém ousa cravar como ele poderá ser tratado no
parecer.
CHAMA VIVA O consenso é que não há possibilidade de imaginar
educação remota para crianças de até 5 anos ou tratar da cognição num modelo
tão delicado. Mas, algum tipo de mobilização deve haver, como sinaliza o
presidente do CNE, Luiz Roberto Liza Curi. “Vamos deixar dentro das balizas
legais propostas de atividades, que são difíceis de serem contabilizadas. A
volta ocorrerá imaginando cumprimento da reposição que seja para a pré-escola.
Mas é fundamental que se mantenha a chama da escola viva”, diz.
Para Maria Helena, a maior
preocupação é a alfabetização: “Se perderem o vínculo, sem atividades sendo
desenvolvidas, essas crianças terão de recomeçar do zero. A escola tem que se
preparar para receber crianças do 1º e 2º ano do fundamental para não perder
habilidades e competências qUE precisam para sua vida e seu futuro. A criança
prejudicada na sua alfabetização tem problemas para sempre.”
Junia Oliveira - Especial para o Estado de Minas