Publicado em 18/06/2016 - especial - Da Redação
Seu sorriso era contagiante e cativava a todos que conviviam com ele... Ultimamente víamos ele sempre quando passávamos em frente ao seu bazar. Sentando num banco, sempre com alguém sentado ao lado saboreando suas doces conversas, ele ficava horas inteiras contemplando a incrível paisagem de sua vida, que descortinava frente aos seus olhos, que às vezes marejado de lágrimas nos comovia com seus sentimentos sinceros de nostalgia.
Geraldo Pires! Esse nome soa como uma melodia em nossos ouvidos! E talvez fosse por isso que eu o cumprimentava falando bem alto o seu nome e dando ênfase ao seu sobrenome cheio de poesia. Porque ele sempre como que carregava em seu coração um pires cheio de alegria pronto a compartilhar com cada um que ao seu lado passasse. Era um grande coração! E tinha um sorriso em seus lábios maior ainda, que era gratificante a gente sentir quando estávamos ao seu lado!
Lembro de um dia, há um ano e pouco mais ou menos, ter ficado ali com ele durante umas duas horas relembrando o passado. Eu havia feito umas tantas ilustrações sobre o cinema do Seu Hugo e ficamos conversando sobre cinema, filmes antigos, o Cine São José e Muzambinho antigo. Embarcamos na máquina do tempo movida a saudade e mergulhamos fundo nas nossas lembranças. Os seus olhos brilhavam e às vezes se enchiam de lágrimas sinceras quando contava um fato emocionante de sua vida. Os ponteiros do relógio sem dó correram mais que nós, e quando vimos já era quase hora de fechar o seu bazar.
Bazar Pires! O máximo de bazar no mínimo de espaço. É difícil imaginar alguém de nossa geração que não tenha uma história pra contar que vivenciou no Bazar Pires com o Geraldo Pires como personagem principal! Faz parte da vida de cada um de nós! Só que eu me lembre, ele já mudou de endereço umas quatro vezes na avenida, mas sempre morando no mesmo lugarzinho do nosso coração!
Minha primeira lembrança é de 1965... Tinha eu então sete anos e era aprendiz de alfaiate, na Alfaiataria do Senhor Antônio Elegante, ao lado da matriz, num prédio que já desmancharam e hoje é residência da família Granato, ou melhor, do filho do Seu Sidney Botelho! Lembro-me que meu pai pagava pra ele me ensinar. E, no dia que eu saí de lá, o Seu Antônio me deu um maço de notas antigas, que somando tudo dava uma boa gorjeta praquele molequinho ávido de matinê e gibis!
Deu pra mim ir no matinê e comprar um gibi lá no Geraldo Pires! Mas fiquei super feliz, pois foi meu primeiro dinheirinho, duzentos cruzeiros, que logo depois virou vinte centavos do cruzeiro novo... mas era tanta nota, um bolo!
Lembro direitinho do gibi, era um gibi do Anjo, um detetive brasileiro! O Geraldo Pires tinha então o seu bazar pra cá do cinema, onde depois foi a Foto Wilson!
Lembro depois de ter comprado muito gibi do Cavaleiro Negro no Bazar Pires que ficava pra cá do prédio velho da Rádio Rural, então Rádio Continental, onde agora é a Drogaria São Geraldo! Ali era o point da molecada! Tinha até revista de mulher pelada! Mas a vedete da casa era a Revista Manchete e a Realidade, muito famosas na época! Ali se respirava novidade: tinha de tudo! Até loteria o Geraldo vendia! Lembro dum cara filmando com uma câmera de 16 mm perto do Colégio a entrega dum prêmio da Loteria Mineira que o Geraldo vendeu. Eu e a molecada estávamos juntos. Esse filme já esteve nas minhas mãos, o Geraldo me emprestou! É colorido e mostra Muzambinho, a avenida na década de setenta. Uma raridade! Até isso o Geraldo tinha. Fora os livros do colégio, os cadernos, lápis, caneta, borracha, de tudo um pouco! Até geladeira e fogão ele vendia! Violão, viola, guitarra, filmes, fitas de vídeo, gravador de rádio e músicas! Até gaita de boca eu comprei lá! A gente saia do Colégio e passava lá.
Depois passou pra onde é a Casa das Frutas hoje, ficou muito tempo ali. E foi então que eu virei escritor, moleque ainda, e o Geraldo é que divulgava o meu livro, adquirindo quase cem exemplares dele, direto da Editora Vozes! Diz ele que o meu livro vendia que nem água e eu fiquei muito feliz com isso! “O General Folha-Seca” também são centenas, milhares de lembranças que eu tenho dele e do seu bazar! E assim como eu, muitos outros nossos conterrâneos as tem também! É o Geraldo quem vendeu a aliança de casamento pra muita gente. E também os presentes... E olha que ele tinha um jeito muito peculiar de demonstrar que o produto era bom! Às vezes até jogava o produto no chão pra mostrar que não quebrava! Ou então colocava um relógio dentro dum copo cheio d´água pra mostrar que realmente era à prova d´água! Sempre tinha uma estorinha pra contar, uma pessoa pra ajudar, alguém pra aconselhar, amigo a toda prova, pau pra toda obra! Aposentou muita gente! E ele chorava quando contava isso pra gente agora...
Depois mudou novamente, dessa vez pra onde foi a loja do Seu José Salomão e está até hoje, junto com seu fiel e inseparável escudeiro, o Eurípedes, sempre ao seu lado, pro que der e vier! Agora, ultimamente, seu filho Fábio sempre o acompanhava de uns anos pra cá, ajudando-o no bazar e levando-o a todo lado, seu anjo da guarda.
Os anos se passaram e foram complacentes com o Geraldo. Sua alma sempre jovem o fortalecia e o seu coração estava cheio de alegria, pronta a compartilhar com todos a todo momento.
E, de repente, Deus precisou de um Geraldo Pires, de alguém à sua altura pra poder bater um papo com ele no céu. E nós ficamos órfãos do seu sorriso e do seu grande coração. Ficamos tristes, é claro, mas o Papai do Céu sabe o que faz. E assim nosso grande Geraldo foi para o Pai, em paz! E Muzambinho sofreu essa perda uma vez mais, pois além do seu sorriso, sem igual, do seu coração sem par, perdemos um grande amigo, alguém que ajudou a todos e de quem teremos grande saudade e vontade e certeza de um dia novamente o encontrar lá, no portão do céu, conversando com São Pedro e dando umas boas risadas e perguntando, a cada um que chegar, as novidades de nós que ficamos aqui pra trás!
Geraldo, você nos deixou saudades, mas também a certeza de que vale a pena viver e servir ao próximo com toda a força do nosso coração, com bondade e sabedoria. Ser bom, alegre e feliz nunca é demais! Obrigado por tudo, por tua lição de vida e de generosidade imensa.
Geraldo Pires, nosso amigo e irmão, descanse em paz!
PAULO DIPE - Muzambinho/MG