Publicado em 05/05/2017 - especial - Da Redação
Entrevista:
“É crucial compartilhar problemas, a fim de vermos outras saídas possíveis"
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos uma pessoa se suicida no mundo. Os números são mais fortes nos países de baixa e média renda e também se elevam em grupos vulneráveis que sofrem discriminação. Mesmo sendo um grave problema de saúde pública, o assunto muitas vezes ainda é visto como um tabu, o que dificulta sua prevenção.
Nos últimos dias, porém, o suicídio tem sido pauta devido a dois acontecimentos: o lançamento da série “13 Reasons Why”, que mostra o relato do suicídio de uma garota, e os rumores de que o jogo Baleia Azul estaria estimulando jovens a cometerem suicídio.
Para discutir as causas e formas de prevenção do suicídio, conversamos com as psicólogas Jeysa Reis, do campus Timóteo, e Ludmila Ramalho, de Nepomuceno. As duas atuam nas Coordenações de Política Estudantil de suas respectivas Unidades.
1. A estreia da série da Netflix “13 Reasons Why” tem acendido uma discussão sobre a representação do suicídio na ficção. É importante que tais produtos debatam o suicídio ou eles podem servir como uma apologia ao ato, incentivando outras pessoas a fazerem o mesmo?
Jeysa Reis: A representação na ficção influencia a vida das pessoas, por isso a representação do suicídio é algo perigoso. A Organização Mundial de Saúde publicou em 2000 um documento direcionado aos profissionais da mídia apontando como deve ser abordado o tema. A discussão é relevante e a preocupação dos meios de comunicação deve ser com a preservação da vida. A abordagem deve ser no sentido de conscientização da sociedade sobre o assunto indicando os locais para se buscar ajuda.
2. Em “13 Reasons Why” grande parte dos problemas da personagem principal são causados por ações de seus colegas de escola, que praticam bullying contra a garota. De que maneira uma instituição de ensino pode atuar nesses casos e ajudar na prevenção do suicídio?
Ludmila Ramalho: Primeiramente, é importante ressaltar que esses fenômenos podem ou não estar relacionados. Nem toda vítima de bullying pensará em suicídio e nem todo potencial suicida sofreu, necessariamente, bullying. Mas sim, em alguns casos, a violência sofrida no contexto escolar pode ajudar a explicar a propensão ao suicídio.
Uma instituição de ensino pode atuar de várias formas para identificar e intervir em casos de bullying e, com isso, influenciar também na prevenção do suicídio. O primeiro ponto é encarar seus estudantes como sujeitos, na sua totalidade, e não só como alunos. Cada estudante possui uma história, relacionamentos, emoções, fragilidades específicas… E cabe a escola buscar esse olhar atento ao indivíduo que está ali, de forma integral.
Outro ponto que acho importante é a estruturação de políticas escolares que valorizem a saúde mental dos estudantes, ou seja, que fomentem a aceitação e o acolhimento na instituição. Criar espaços e práticas que permitam a expressão dos estudantes, a escuta, a reflexão sobre temas importantes que perpassam a vida do jovem e, que muitas vezes, ficam fora dos debates da sala de aula. A discussão sobre o respeito às diferenças, por exemplo, pode conscientizar sobre a convivência pacífica, evitar casos de bullying e favorecer a autoestima. Seja em aulas regulares, palestras, campanhas, atividades culturais, a escola não pode se furtar do debate de temas atuais, relevantes para o jovem e que impactam diretamente no cotidiano escolar e na sua vida pessoal. Além disso, a escola pode abordar diretamente o tema suicídio, conduzindo discussões com profissionais capacitados, a fim de promover a conscientização e a valorização da vida. Séries como “13 Reasons Why” e o jogo virtual “Desafio da Baleia Azul” podem servir como o pontapé inicial da conversa, ajudando o jovem a se engajar na discussão e na abordagem do problema.
Por fim, a escola pode estabelecer setores e fluxos institucionais de acolhimento, orientação e acompanhamento de alunos com maior vulnerabilidade e que demandem atenção. Assim, professores estarão mais seguros para intervir quando perceberem algo estranho e os alunos também saberão onde e como procurar ajuda especializada. Geralmente, professores conseguem identificar mudanças sutis no comportamento dos estudantes, quando próximos e atentos aos seus alunos, podendo auxiliar na identificação de casos de bullying e/ou de prevenção do suicídio. Quanto a setores de escuta, no CEFET-MG há psicólogos nas Coordenações de Política Estudantil, por exemplo, que podem acolher o estudante em sofrimento mental e direcioná-lo adequadamente. Essa atenção disponível na escola pode ser crucial para ação precoce e eficaz.
3. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos, em todo o mundo. Por que esses índices são tão elevados nessa idade?
Ludmila: Índices tão elevados de suicídio entre os jovens podem ser explicados, acredito eu, por uma soma de fatores. Os jovens estão em processo de formação da personalidade, como muitos dilemas a resolver: Qual profissão seguir? Com quem e como me relacionar afetivamente? Qual a minha “tribo”? Como me tornar independente? Qual o meu valor? Há uma ambivalência entre as cobranças do mundo adulto e suas responsabilidades e o mundo infantil e seus cuidados. Somado a isso, geralmente o jovem está associado à impulsividade, a busca por soluções imediatas. Sendo assim, podemos notar que a juventude pode se tornar um período crítico, de vulnerabilidade, cobranças, pressões e necessidade de definições. E alguns jovens e adolescentes se sentem angustiados por não terem respostas suficientes ou estratégias adequadas a tantas pressões, recorrendo ao suicídio.
Além disso, outras questões podem também estar relacionadas, para além das ligadas à faixa etária: aspectos sociais, falta de suporte familiar, presença de desordens psiquiátricas como depressão, por exemplo. Casos de bullying e abuso de substâncias psicoativas são outros elementos que podem ser considerados fatores de risco a uma eventual tentativa de suicídio.
4. O suicídio não é o resultado de um evento ou fator único, mas tem como causa uma interação complexa de vários fatores. A quais sinais a família e a escola precisam estar atentas para perceber que um jovem pode estar passando por problemas?
Ludmila: Com certeza, o suicídio é um evento complexo, que tem múltiplas causas e interpretações. Há fatores individuais, familiares, sociais e até culturais envolvidos. O Brasil está entre os dez países no mundo com mais casos absolutos de suicídio. E os números aumentaram nas últimas décadas.
Porém, geralmente, o suicídio é precedido de sinais que podem ser identificados. A família e a escola devem estar atentas a mudanças bruscas de comportamento, afastamento de atividades antes vistas como prazerosas, isolamento social. Alterações no apetite, na rotina de sono e principalmente no humor podem apontar para a existência de problemas. Um jovem que apresente angústia persistente ou irritabilidade constante, sem relação com acontecimentos da vida, pode estar demonstrando uma fragilidade emocional que deve ser considerada.
No contexto escolar é importante observar quedas bruscas de rendimento acadêmico, faltas constantes, queixas de sintomas somáticos recorrentes e isolamento.
É importante ressaltar que ter idéias suicidas persistentes ou algum episódio de tentativa de fato são aspectos relevantes e nunca devem ser negligenciados, nem pela escola e nem pela família. O tema suicídio ainda é um tabu na nossa sociedade e interpretações como “ele (a) está querendo só chamar atenção”, ou “quem quer se matar não avisa” são pejorativas e extremamente perigosas. Minimizar ou silenciar a questão do suicídio é ignorar um grave problema de saúde pública, o que só dificulta a prevenção e a sua abordagem.
5. Um jovem que está pensando em suicídio deve procurar quais profissionais ou grupos?
Jeysa: Deve-se procurar um profissional de saúde mental, a unidade de saúde de seu município ou programas de apoio à vida, como as centrais telefônicas de socorro. Dentre os profissionais de saúde temos o psicólogo, que no CEFET-MG atuam nas Coordenações de Política Estudantil (CPEs) em todas as unidades. Os psicólogos fazem o acompanhamento psicossocial aos estudantes que estão passando por situações que interferem em sua qualidade de vida durante todo o ano. Os casos que demandam tratamento psicoterápico e/ou psiquiátrico são encaminhados preferencialmente aos profissionais da saúde pública.
Ludmila: Normalmente, profissionais de saúde mental estão preparados para intervir adequadamente nesses casos, principalmente psicólogos e psiquiatras. Podem ser procuradas instituições públicas como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), que dispõem desses profissionais e atendem esse tipo de demanda.
Profissionais de saúde como médicos, enfermeiros e assistentes sociais também podem ajudar e encaminhar devidamente o jovem que está passando por dificuldades emocionais. Assim como outros espaços de escuta e acolhimento como grupos de apoio, algumas instituições religiosas e organizações como o Centro de Valorização da Vida (CVV). Ou até mesmo alguém de confiança do jovem, que seja sensível e empático o suficiente para acolhê-lo e entendê-lo.
É importante que alguém que esteja considerando a hipótese de se suicidar procure ajuda. Quando há muito sofrimento, nem sempre temos uma visão aguçada dos acontecimentos, das nossas potencialidades e do impacto das nossas ações. Por isso, é crucial compartilhar nossos problemas a fim de vermos com mais clareza outras saídas. Sempre há outras saídas possíveis.
Saiba mais
O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza atendimentos gratuitos, prestando apoio emocional para a prevenção do suicídio. As conversas podem ser por telefone (141), skype, email ou pelo chat online, no site http://www.cvv.org.br/