Publicado em 14/04/2014 e atualizado em 14/04/2014 - especial - Da Redação
Pressionados pela opinião pública, políticos investem em projetos que asseguram o bem-estar dos bichos. Na Câmara de BH, 11 iniciativas ampliam os direitos animais
Aos animais, no mínimo, a dignidade. A Constituição Brasileira de 1988 colaborou com a natureza ao reconhecer que os bichos são dotados de sensibilidade e impor aos cidadãos o dever de respeitar a vida, a liberdade corporal e a integridade física dos animais. Assim, ficam expressamente proibidas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou os submetam à crueldade. Dez anos depois, a Lei Federal nº 9.605/98 estabeleceu penas de prisão para quem maltrata os bichos. Nas três esferas do poder público, em atenção à demanda social, políticos das mais diversas siglas partidárias propõem normas de proteção e defesa dos bichos – só na Câmara Municipal de Belo Horizonte são 11 os projetos de lei pela causa animal, que vão do fim das carroças à criação de hospital veterinário público 24 horas. Entretanto, defensores e especialistas se unem em coro, dizendo que a lei é pouco. O que vale é a prática da presença ética e responsável.
Falta muito para que os bichos conquistem a dignidade sonhada por tantos. “O mundo seria maravilhoso se não precisássemos dessas tais leis para vivermos de forma harmoniosa e respeitosa, e mesmo regido por elas, o homem, ainda assim é capaz de destruir, matar, desrespeitar, entre tantas outras reticências noticiadas e vividas no nosso cotidiano”, diz Marina França Pellegrino, “desde sempre”, defensora da causa animal. Para a médica veterinária, a proteção e a defesa dos animais “via lei” são uma grande conquista no Brasil. Contudo, Marina entende que o melhor seria não haver a obrigação do que deveria ser natural. “Não adianta a lei se não aprendemos a amar e, acima de tudo, a respeitar os animais”, considera.
Casada com Carlos Augusto Gontijo Pellegrino, também médico veterinário, Marina tem em casa o labrador Tunico e a shih tzu Olivia, ambos tratados como sujeitos da família. Recentemente, o casal fez de tudo, sem poupar recursos, para salvar a yorkshire Mel, com problemas de saúde, “irmãs de coração” de Tunico e Olivia. Não teve jeito. Marina não segura as lágrimas ao relembrar as alegrias da pequena travessa e os tempos difíceis de idas e vindas nos melhores hospitais veterinários da cidade. “Era o mínimo que podíamos fazer por ela. Vivenciamos com esses bichinhos o verdadeiro amor. Amor que não pede ou espera nada em troca”, emociona-se.
A doutora vê com a alegria o movimento crescente de ativistas, que tem mobilizado políticos de partidos diversos pela causa. Marina, contudo, cobra das autoridades mais recursos para abrigos e atenção à necessidade urgente de um hospital veterinário público. “Muitas famílias carentes gostariam de oferecer aos seus bichinhos um atendimento adequado e não têm condição. Falta, ainda, a valorização do médico veterinário. Muitos profissionais abandonam a área por falta de suporte técnico e financeiro.” Marina também espera da justiça maior rigor contra maus-tratos e abusos de qualquer natureza. “Assusta a quantidade de animais abandonados .
E os cavalos, que são forçados a trabalhar exaustivamente?”, denuncia.
SUPORTE DA UFMG Marina elogia o suporte da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aos cavalos, mulas e burros dos carroceiros e o atendimento do Hospital Veterinário do câmpus da Pampulha. Entende que a oferta, porém, “é insuficiente” para a necessidade dos cidadãos. Duas das demandas listadas pela doutora estão na Câmara Municipal de Belo Horizonte. O Projeto de Lei nº 832/2013, de autoria do vereador Adriano Ventura (PT), cria o Programa BH de Bem com os Animais e propõe a redução gradativa do número de veículos de tração animal. Já o Projeto de Lei nº 0041/2013, de autoria do vereador Leo Burguês de Castro (PTdoB) “autoriza o poder executivo a criar o pronto-socorro veterinário gratuito 24 horas”.
Esperançosa com o encaminhamento dos assuntos, Marina França diz que gostaria de ver, além dos projetos de lei, medidas efetivas contra a venda de animais e investimento do poder público em campanha vacinal para leishmaniose. “Acho um absurdo o comércio de animais no Mercado Central.São urgentes, também, medidas contra a leishmaniose. BH é uma zona endêmica. Mesmo que as vacinas não garantam 100% de proteção, uma campanha do governo poderia diminuir muito a incidência”, ressalta.
Legislação em vigor em BH
» Lei nº 6.223,
de 5 de agosto de 1992
Dispõe sobre a criação e a manutenção de animais exóticos e alienígenas de alta periculosidade em residências e sítios.
» Lei nº 6.313,
de 11 de janeiro de 1993
Estabelece normas para abate de animais destinados ao consumo e dá outras providências.
» Lei nº 7.452,
de 9 de março de 1998
Estabelece normas sanitárias para abatedouros, criatórios comerciais de animais, micro e pequenas indústrias de embutidos e dá outras providências.
» Lei nº 9.830,
de 21 de janeiro de 2010
Dispõe sobre a manutenção, utilização e apresentação de animais em circos ou espetáculos e atividades e dá outras providências.
» Lei nº 10.148,
de 24 de março de 2011
Institui a política de estímulo à adoção de animais domésticos e dá outras providências.
Lei federal
No Brasil, os maus-tratos aos animais são crime previsto no artigo 32 da Lei Federal nº 9.605, chamada Lei de Crimes Ambientais. Para o infrator, a lei imputa multa ou pena de três meses a um ano de prisão. As denúncias podem (e devem) ser feitas em qualquer um dos seguintes órgãos competentes: Delegacia do Meio Ambiente, Ibama, Polícia Florestal, Ministério Público, Promotoria de Justiça do Meio Ambiente ou até mesmo na Corregedoria da Polícia Civil.
Declaração Universal dos Direitos dos Animais
» 1 - Todos os animais têm o mesmo direito à vida
» 2 - Todos os animais têm direito ao respeito e à proteção do homem
» 3 - Nenhum animal deve ser maltratado
» 4 - Todos os animais selvagens têm o direito de viver livres no seu hábitat
» 5 - O animal que o homem escolher para companheiro não deve ser abandonado nunca
» 6 - Nenhum animal deve ser usado em experiências que lhe causem dor
» 7 - Todo ato que põe em risco a vida de um animal é um crime contra a vida
» 8 - A poluição e a destruição do meio ambiente são considerados crimes contra os animais
» 9 - Os diretos dos animais devem ser defendidos por lei
» 10 - O homem deve ser educado desde a infância para observar, respeitar e compreender os animais
Conscientização é a melhor arma
Para ativistas da causa, os avanços na legislação de proteção aos animais são uma realidade, mas ainda há muito o que fazer. A responsabilidade deve ser de todos
Uma vida dedicada à natureza “pelos anseios de um mundo melhor e mais justo.” Em 1983, Edna Cardozo Dias fundou a Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal. Para a doutora, presidente da Comissão de Direito dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB/MG), o respeito aos bichos é uma questão de amor. “O amor é um só. Só existe um amor e uma crueldade.” A advogada defende a ampliação do sistema nacional de proteção ambiental e espera um empenho maior do poder público municipal. Edna acredita em conscientização e na parceria público/privada como efeito da boa vontade.
Para a doutora, desde a Constituição de 1988 houve grande mudança e evolução na legislação. “Estamos falando de direitos fundamentais. É o reconhecimento de que os animais têm direitos. A partir de 1988, os órgãos públicos passaram a ter obrigações com o direito dos animais”, ressalta. Edna chama a atenção para a importância da conscientização de responsabilidades do indivíduo. A professora cobra do poder público mais trabalho pela ética da proteção à natureza. “O brasileiro não está acostumado a exercer cidadania ambiental”, critica. De acordo com a defensora e especialista, é possível avançar com o direito dos animais, desde que haja “vontade e meta”.
Edna Cardozo, uma das criadora do site www.sosanimalmg.com.br, tem na internet ferramenta facilitadora na causa. “Hoje, com o acesso às redes sociais, as pessoas publicam fotos e denunciam, mas ainda falta mobilização de fato pela proteção dos animais. Não basta publicar e transferir as responsabilidades”, ressalta. Para a advogada, as lideranças de grupos ativistas estão sobrecarregadas, enquanto todo cidadão devia assumir o seu papel de responsabilidade com o meio ambiente. Dos projetos de lei em tramitação na Câmara Municipal, ela fala da importância da criação do pronto-socorro público 24 horas.
“O humano tem o Sistema Único de Saúde (SUS), os animais não têm nada. Com boa vontade, é possível viabilizar um projeto dessa importância. É importante considerar a questão da parceria público/privada”, defende. Edna ressalta a necessidade de uma coordenadoria junto à Secretaria Municipal de Meio Ambiente que trate da questão dos animais.
LAR TEMPORÁRIO No Bairro Nova Gameleira, na Região Oeste, Ana Carolina de Araújo Correia, a Carol, de 27 anos, acompanha com especial interesse os projetos de lei em defesa dos animais. Só na casa da formanda em direito são 22 bichinhos. Sete são dela – quatro cães e três gatos. Os outros 15, gatos, são residentes temporários. Carol é integrante do grupo Resgate de Animais Carentes e Abandonados (Raca). O casarão em que ela mora é um dos dez lares temporários do coletivo de defensores.
A voluntária diz que o abandono em Belo Horizonte é até moderado perto do que ocorre na Região Metropolitana. “Em Ribeirão das Neves, Betim e Contagem a situação é crítica”, denuncia. Carol, emocionada, relata histórias terríveis de abandono, envolvendo envenenamento, atropelamento e abuso sexual. Também fala do preconceito que dificulta as adoções. “Com os gatos, a rejeição é ainda pior”, lamenta.
Com o coração maior que o bolso, Carol não reclama. Mas revela que está no vermelho para dar conta das despesas atuais com ração, exames e medicação. “Nós, ativistas, estamos fazendo o serviço que é do poder público. Estado e município não dão conta, e nós acabamos assumindo a responsabilidade”, considera. Comprometimento que, muitas vezes, tem o preço da incompreensão. “As críticas não me atingem, mas muita gente já me bloqueou nas redes sociais porque só publico coisas de animais”, diz.
Com as gatinhas batizadas “gêmeas de pelúcia” no colo, Carol sorri. Ri da própria sorte de entrega e dedicação à causa. No cômodo de fundos – que já foi escritório, despensa e, agora, é lar temporário dos 15 felinos abrigados –, a voluntária conta a hora e meia diária de dedicação à limpeza, fora os dois turnos de estudo e estágio em escritório de advocacia. Prática, Carol lista dois sonhos que ela espera ver realizados: um SUS para animais e um centro de castração gratuita em todo o Brasil.
FONTE: ESTADO DE MINAS