Publicado em 22/03/2015 - especial - Redação
Leitor de 98 anos apresenta relato da morte de reitor e fechamento do Ginásio Mineiros. Em carta enviada à redação do jornal, Francisco Gonçalves Gameiro, que reside em Praia Grande/SP e estudou em Muzambinho, relatou fatos da época do fechamento do Ginásio. Confira o conteúdo do relato na íntegra.
“Li e reli a vossa reportagem sobre o desditoso encerramento das atividades educacionais do então famoso Ginásio Mineiro de Muzambinho; sabe-se que tais e trágicos acontecimentos foram resultados de uma incubada imparcialidade política, como de costume, objetivando objetivos subalternos, nem sempre visando motivos benéficos para um consenso participativo assediando a população; tais benesses, geralmente, sempre prometidas e, em geral, poucas são concretizadas.
Pois foi pela ignóbil imaturidade política de consenso mais degenerativo do que e associativo que também se desmoronou sobre nossa pacata Muzambinho; uma liderança irracional e vingativa atuando sobre uma irmanada coletividade que não soube se racionalizar pela supremacia da paz abençoada pelo amor ao próximo, e sim, pecou pela submissão a um assoberbado egoísmo de cunho político.
Também, assistente e protagonista de tais acontecimentos, peço licença para mais alguns esclarecimentos sobre todos os episódios que deflagraram o encerramento da nossa Atenas Sul Mineira.
Agosto de 1937 - Éramos eu e meus 24 colegas cursando a quinta e última série do curso ginasial que também veio a ser a última a encerrar suas atividades educacionais, quando nos veio a notícia da exoneração do nosso respeitado e querido reitor, Doutor Salathiel de Almeida, nosso excelentíssimo reitor o saudoso “Beca”, assim apelidado pelos alunos, cuja autoridade tinha total obediência por parte dos seus discípulos.
Nessa época éramos os últimos 25 alunos da 5ª série, incluindo Maria José Lopes e Olga Santos, todos maiores de idade; como de costume, recaiam entre nós solucionar quaisquer revanchismos entre as partes em litígios escolares.
De imediato lideramos uma greve de corpo presente suprimindo o nosso comparecimento às aulas como repúdio à exoneração do nosso benemérito reitor.
Obs. Cabe-me de boa-fé, afirmar que publicamente, nenhum dos professores, compartilharam como partidários ativos da paralisação questionada; apenas postavam-se em janelas, assistindo ao nosso movimento grevista.
Quanto aos cinco ou seis filhos dos pica-paus, amigavelmente, também mantiveram-se afastados dos nosso previstos intentos.
A princípio, os irmãos e colegas Valdir e Titio filhos de Vicente Cipriani e mais uma minoria ou filhos de famílias politicamente adversas, preferiram não se defrontarem sobre nossa barreira frente ao portão de entrada as aulas.
Enervado e ousado pai dos irmãos Cipriani, por pouco não provocou uma tragédia; após rápido bate-boca de baixo calão entre Armond e Cipriani, naturalmente ferrenhos inimigos de ideais políticos, talvez sentindo-se ofendido, Cipriani saca de uma arma apontando para Armond debruçado na janela fronteira atirando várias vezes, contudo, sem alveja-lo. Na sequência, preventivamente bem armados, vários tiros de arma de fogo também partiram das janelas da casa do Doutor José Januário visando demais janelas do ginásio.
A uma tentativa dos alunos para se apossarem dos fuzis e munições do tiro de guerra com entrada pelo portão principal, do ginásio, partimos em disparada pelo passeio do ginásio rumo ao nosso intento; éramos uns 15 a 20 todos maiores, (eu 21 anos); tivesse adiantado mais uns dois metros e provavelmente seria ferido com uma bala na altura da barriga, quando avistei uma das balas ricochetear sobre a parede do ginásio soltando um jato de areia; em seguida, aos trancos, arrombamos o ferrolho da porta do arsenal; com dificuldade, tentávamos abrir uma caixa de munição usando baionetas mas não nos deram tempo para tal ousadia. (Graças a Deus).
Em seguida, pela porta por onde também se adentrava na sala dos professores, surgiu o respeitado professor José Maria Armond, alias austero e carrancudo tenente da reserva, cujo, jamais o vi esboçar sequer um sorriso; agilmente ele se nos aproximou com empurrões e pontapés nos expulsou para fora do saguão de entrada sem qualquer reação dos alunos. (Graças a forças espirituais); em seguida queria saber o tutor daquela maluca ideia; ninguém dedou ninguém.
Com a avenida ainda repleta de curiosos, já pacificados os litigiosos, eis que surge em meio aos demais o conhecido barbeiro, senhor Eutímio portando uma carabina disposto a atirar no primeiro que se apresentasse nas janelas residenciais do indigitado causador dessa monstruosidade política, açodada pela vitória política do doutor Dr. José Januário.
Presente o senhor Horácio Rondinelli, este pacato delegado não conseguiu domar os intentos do aparentemente enlouquecido senhor Eutímio; a custo, com interferência de amigos, conseguiram leva-lo de volta a sua residência nas proximidades.
Por sua vez, o professor de francês, senhor Nestor Lacerda se aproxima pedindo fazermos uma cobertura para que carregasse sua potente garrucha preza na cintura.
Após suspensa as aulas por 15 dias, graças à nomeação do professor José Saint Clair como reitor interino, conscientemente, os alunos que restaram, (muitos deles conseguiram transferências) voltaram às aulas.
Uma silenciosa paz novamente parecia iluminar-se sobre as brancas paredes das salas de aulas; carteiras vazias simulavam fontes de saudades daqueles colegas que se transferiram; nossas alegrias, tediosamente perfilaram-se sobre os quadro-negro onde ia-se a palavra “saudade” subtendendo-se intimamente, folhearmos páginas íntimas no rol da nossas saudosas lembranças.
Contudo, em nossa casa de ensino, a faixa do espectro do mal ainda não havia se evadido totalmente; sarcásticas nuvens negras prenunciavam temporais lacrimejantes antepondo-se às suas reservas honoríficas que por quase 40 anos enobreceram centenas de velhos e destacados formandos, quais, naturalmente, também se calejaram sobre aquelas carteiras de madeira duplas onde se anotavam apontamentos das aulas molhando a pena sobre um tinteiro com tinta prezo no centro das carteiras; assim era nossa rotina naquele quase centenário estabelecimento de ensino.
Hoje, tais estrelas muzambinhenses cintilam na imensidão territorial brasileira semeando preciosas sementes colhidas no fértil horto denominado “Ginasio Mineiro de Muzambinho” destacando-se bem ao alto as máximas: o amor como princípio, a família como base, o progresso como finalidade e a cultua como luminescência da sabedoria.
Assassinato saudoso professor José Saint Clair - Tal e indignado acontecimento aconteceu quando normalmente, assistíamos a uma aula com o Doutor Antero; em dado momento um bedel compareceu correndo chamando pelo professor solicitando-lhe imediato atendimento ao professor José Saint Clair que havia sido baleado pelo também professor José Maria Armond; o Titio e eu também saímos correndo juntos ao professor Antero; subimos a escada da secretaria e ao adentrarmos; imediatamente o Dr. Antero ordenou-nos descermos a vítima pela escada mantendo-a imobilizada assentado na cadeira, lembro-me como se ouvisse hoje suas últimas palavras: Vamos rápido meus pupilos; estou com muita hemorragia interna; em seguida cuidadosamente o colocamos no carros do Dr. Fábio que o levou para a Santa Casa; posteriormente, como era previsto, naquela noite nosso indigitado professor veio a falecer. (Não faleceu imediatamente; conforme reportagem).
Também na Santa Casa, pouco ou nada poderia ser feito favoravelmente visto seu deficitário aparelhamento para casos de urgência.
Homem de pouca amizade, um solitário ermitão que só saía de casa para o trabalho, arguto professor na arte de sua maestria exigente disciplinar como poucos, amante das flores e plantas exóticas, criatura de poucas amizade, pouco conhecendo-se do seu reino familiar, tinha um casal de filhos jovens e obedientes À severidade do pai; contudo, era ótimo pedagogo, eminente conhecedor da língua portuguesa.
Sempre recomendava-nos boas leituras como melhor forma de aprendizado, visto à complexidade gramatical da língua pátria; ao encontrar corriqueiros erros em nossas dissertações acreditava no pouco interesse dos seus pupilos reafirmava-nos muita leitura de bons escritores.
Após essa tragédia colegial um batalhão das forças militar mineira apoderou-se das dependências do ginásio Mineiro de Muzambinho com que ensarilhando suas armas sobre a base literária daquela que foi tão frutuoso estabelecimento cultural de ensino. Pasmado dedem menosprezando o expressivo e luminoso potencial didático com centenas de sumidades que se estrelaram com suas medalhas de honra ao mérito, ostentando-as pelo Brasil afora.
Com a entrega das dependências do ginásio, logo mais ocupado por um batalhão das forças militares mineiras, nós, os alunos restantes terminamos o ano letivo assistindo aulas no período noturno usando dependências do grupo escolar Cesário Coimbra, improvisando-se novos professores no lugar dos demitidos.
De posse dos nossos certificados de aprovação encerrou-se em definitivo aquilo que foi o monumental esteio educacional por onde, entre milhares, também encontrei abrigo para ser o que sou hoje já aos 98 anos de idade sem sequer um diploma para ombrear-me entre milhares dos seus antecedentes diplomados financiados pelos pais enquanto que eu trabalhava para financiar meus próprios estudos em cursos noturnos.