
Para alguns, culpa-se o folião que soltou a serpentina metalizada; para outros, o fabricante da serpentina; outros ainda, culpam a CEMIG, a prefeitura, o trio elétrico e, até mesmo, o corpo de bombeiros. Afinal, de quem é a culpa?
As respostas para este simples questionamento não podem ser proferidas à luz do senso comum, como vem ocorrendo, atribuindo culpa a um ou outro agente envolvido no caso.
Este questionamento deve ser pensado sob um olhar crítico, de forma mais ampla, buscando a compreensão do sistema elétrico nacional como um todo, e sua submissão ao pernicioso sistema neoliberal capitalista, em pleno desenvolvimento no Brasil desde a década de 1990.
Esclarecendo, o neoliberalismo consiste, basicamente, no afastamento da interferência do Estado em relação à economia e à organização produtiva, deixando as empresas livres para operacionalizar seus lucros sem a obrigação da contrapartida social, ou seja, o Estado Mínimo, privatizado.
Com a privatização das concessionárias de energia elétrica, ou de parte das ações destas concessionárias, como no caso da CEMIG, o objetivo principal das empresas passou a ser regido pelo mercado, ou seja, visando o aumento constante da taxa de lucro acima de qualquer outra prerrogativa de desenvolvimento social, remetendo a maior parte deste lucro, na forma de dividendos, aos acionistas, a maioria estrangeiros. Assim, são aprimoradas as formas de gestão empresarial e de organização do trabalho, com reestruturações produtivas focadas na centralização das atividades administrativas e operacionais, na terceirização da mão-de-obra, na precarização das condições de trabalho nas empresas e na recusa de novos investimentos em manutenção e melhoramentos das redes elétricas, aprofundando a expropriação do trabalho na forma de mais-valia, conforme explicitado por Karl Marx. Novas tecnologias, tais como automação e informatização, são aplicadas apenas para proferir cada vez mais lucro, jamais são aplicadas no sentido de melhorar o sistema elétrico de forma a proporcionar mais segurança aos usuários e trabalhadores.
Desta forma, novas e velhas tecnologias, tais como rede protegidas, redes isoladas e redes subterrâneas, dentre outras há muito tempo existentes, não são aplicadas tão somente porque implicam em investimentos que não interessam diretamente às empresas, pois reduziria significativamente sua taxa de lucro a curto prazo. Estes são investimentos que só interessam a toda população, pois possibilitam a redução dos riscos inerentes à eletricidade e poderiam evitar acidentes da mesma natureza daquele ocorrido em Bandeira do Sul, bem como de outros tantos que ocorrem com os eletricitários, com trabalhadores da construção civil, e com a população em geral, porém, jamais interessam aos empresários do setor elétrico ou aos especuladores acionistas de plantão. Daí a importância da intervenção do Estado, através da agência reguladora ANEEL e do Ministério das Minas e Energia, pasta já ocupada pela atual presidente da república que, diga-se de passagem, também não tomou qualquer medida no sentido de aumentar o controle do Estado sobre as concessionárias.
Há muito tempo que o SINDSUL, a Federação dos Urbanitários de MG e a CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria) vêm alertando as autoridades sobre os riscos de permanência do atual estado de coisas no setor elétrico. Não foi à toa que organizamos inúmeras audiências públicas em todo Sul de Minas para discutir temas referentes à reestruturação produtiva e terceirização com os poderes legislativos e executivos de vários municípios, bem como com o Legislativo e o Executivo Estadual. E ainda, quando da ocorrência daquele blecaute, em novembro 2009, encaminhamos um documento assinado por 52 federações de trabalhadores de todo Brasil apontando todas essas mazelas para os deputados federais, senadores, para Dilma Roussef, o então Presidente Lula, enfim, ninguém deu importância ao que estávamos apontando ali.
Portanto, qualquer cobrança por uma investigação responsável e detalhada deste acidente apenas demonstra desconhecimento dos reais fatores que provocaram tamanha tragédia no sul de Minas. Não é necessário qualquer tipo de investigação para saber de quem é a culpa. Os fatores causais destes acidentes jamais serão explicitados em qualquer investigação, pois são fatores intrínsecos ao sistema capitalista, especialmente ao modelo neoliberal, implantado desde a década de 1990 e aprofundado pelos demais governos subseqüentes, inclusive os atuais. Qualquer que seja a investigação que se faça, ao final, a culpa será imputada a qualquer um dos atores, ou seja, ao coitado do folião que usou uma mercadoria simples disponível no mercado, ao fabricante de tal serpentina ou a quem permitiu a venda de tal produto, à Prefeitura de Bandeira do Sul, ao trio elétrico, ao corpo de bombeiros ou, até mesmo, à verdadeira co-responsável direta, que é a CEMIG, que expõe toda a população aos riscos de redes aéreas desprotegidas para obter o tão almejado lucro a qualquer custo, inclusive ao custo de milhares de vidas expostas ao risco elétrico, da mesma forma que fazem as demais companhias energéticas.
Não é necessário nenhum tipo de investigação para compreender quem são os culpados pelos inúmeros acidentes elétricos que ocorrem em todo território nacional. São eles a própria CEMIG, a COPEL, a ELETROBRÁS, enfim, todas as empresas que atuam no ramo, mas, esta culpa não se dá apenas de forma objetiva, pois é o próprio Estado quem permite a exploração da venda de energia elétrica sob tais condições inseguras.
Estas empresas têm sim que ser responsabilizadas por todos os acidentes, eu disse todos os acidentes provocados por seu produto vendido no mercado, mas cabe ao Estado sua parcela de culpa. A única forma de sensibilizar os donos do capital é o bolso. Apenas a sujeição a pesadas multas poderá fazer com que as empresas do setor elétrico mudem de postura e garantam, no mínimo, fornecimento de energia segura à população.
No entanto, os verdadeiros culpados serão sempre invisíveis aos olhos de qualquer investigação, pois são eles os gestores do funcionamento do capitalismo em seu atual estágio neoliberal no país, ou seja, gerentes, superintendentes e diretos das empresas, os governos municipais, estaduais e federal e os legislativos espalhados por esse rincão afora, que nada fazem para garantir um mínimo de regulação que garanta, ao menos, segurança à população. Enfim, a culpa é de qualquer um que não sinta indignação em viver sob um sistema social sustentado pela exploração do homem pelo homem, baseado na produção coletiva com apropriação privada, qualquer um que não tenha coragem de promover a subversão da ordem ou, no mínimo, contribuir com discussões sérias para a possível superação do capitalismo e o estabelecimento de uma nova ordem social fundada na produção com segurança, inclusive segurança ambiental, e na apropriação coletiva dos bens produzidos, ou seja, fundada na igualdade entre os homens e na condição destes com a natureza.
Everson de Alcântara Tardeli
Diretor Presidente do Sindicato dos Eletricitários do Sul de Minas Gerais – SINDSUL/MG