Publicado em 20/11/2013 - geral - Da Redação
Por: Luciano Marques
Envaidecido, o industrial tentava justificar o mérito de tal reconhecimento, enquanto fiscalizava a olhos rígidos dezenas de pessoas, através de uma imensa janela de vidro, que proporcionava uma ampla visão do pátio. – Por aqui – apontava o dono da fábrica para seus empregados - posso controlar toda a produção das peças que eu fabrico, de uma forma ampla e enérgica.
Após a visita do representante do Exército, o alemão, naturalizado brasileiro, Andersen Strauss, proprietário da fábrica, passou a fiscalizar ainda mais seus empregados. Nada passava-lhe despercebido: conversas paralelas e desnecessárias, risos e movimentações suspeitas, o cuidado com as máquinas e com os tecidos, a limpeza do pátio, e, principalmente, a velocidade da produção.
Certo dia, porém, através de suas observações panorâmicas, algo chamou a atenção do patrão: a lentidão do empregado responsável pelos arremates dos uniformes. Entendeu, Andersen, que aquele homem trabalhava num ritmo muito inferior ao dos outros empregados. Sem pestanejar, desceu rapidamente a escada que separava o escritório da linha de produção e foi diretamente ao empregado observado, advertindo-lhe severamente às suas costas: - mas que tipo de empregado é esse que mais parece uma lesma de uniforme? Queres, por acaso, que eu feche as portas por causa da sua lentidão? - esbravejava o patrão.
Indiferente às críticas, o homem repreendido não se movia. Diante da inércia do empregado, o patrão apoia uma das mãos em seu ombro e diz em alto em bom som: - Não escutas o que eu falo? Então, só depois de sentir o toque em seu ombro, vira-se o empregado e sorri. – Ainda tens a coragem de sorrir, empregado insolente?! Não vais falar nada? És mudo, por acaso? – insiste o industrial. - Surdo e mudo, - responde o chefe da produção. - Mas Como assim? -, questiona o patrão. – É isso mesmo: não fala e não escuta. Não tumultua e não reclama. Digo mais: talvez seja um dos seus melhores empregados, - responde o encarregado. - É lento demais! Aqui temos prazos a cumprir. Não serve para trabalhar na minha fábrica, - esbraveja o patrão. – Desculpe! Mas o senhor está enganado! Este homem, - bate o encarregado com uma das mãos no ombro do colega, - a quem chamas de lento, é um dos grandes responsáveis pelo certificado de excelência que recebestes há pouco. Se não fosse por ele, - continua o chefe de produção, - suas peças não teriam a mesma qualidade. Cabe a ele o acabamento dos uniformes. Com toda paciência, sempre retirou todas as linhas e retalhos e jamais criticou as falhas deixadas pelos seus colegas.
As justificativas daquele homem calaram o rico industrial. Pensou até em se desculpar, mas tal atitude comprometeria sua imagem de patrão Rigoroso. Visivelmente transtornado, virou as costas e subiu de volta ao seu escritório. Sentado em sua confortável cadeira, e escondido sob o seu temperamento hostil, abaixou a cabeça, escondendo uma lágrima que teimava em cair.
Observando a conversa entre o seu superior e o dono da fábrica, o humilde empregado não entendia o que estava acontecendo, e muito menos o porquê de todos os seus colegas estarem de pé, sem trabalhar, em silêncio e sorrindo para ele.
E aquele homem surdo e mudo, paciente e tolerante continuou a sorrir, como sempre fazia.