ARTIGO ESPECIAL: A paciência é surda

Publicado em 20/11/2013 - geral - Da Redação

Por: Luciano Marques

No início da internacionalização industrial no Brasil, em meados da década de 50, de origem alemã, um industrial do ramo de tecidos, recebe em seu escritório um General do Exército. O motivo da visita era para fazer um novo pedido de fardas e, ainda, entregar àquele rico homem de traços europeus, um certificado de excelência, expedido pelas Forças Armadas, motivado pela qualidade dos uniformes e, principalmente, pelo acabamento das peças: sem detalhes. 

Envaidecido, o industrial tentava justificar o mérito de tal reconhecimento,  enquanto fiscalizava a olhos rígidos dezenas de pessoas, através de uma imensa janela de vidro, que proporcionava uma ampla visão do pátio. – Por aqui – apontava o dono da fábrica para seus empregados - posso controlar toda a produção das peças que eu fabrico, de uma forma ampla e enérgica.

Após a visita do representante do Exército, o alemão, naturalizado brasileiro, Andersen Strauss, proprietário da fábrica, passou a fiscalizar ainda mais seus empregados. Nada passava-lhe despercebido: conversas paralelas e desnecessárias, risos e movimentações suspeitas, o cuidado com as máquinas e com os tecidos, a limpeza do pátio, e, principalmente, a velocidade da produção.

Certo dia, porém, através de suas observações panorâmicas, algo chamou a atenção do patrão: a lentidão do empregado responsável pelos arremates dos uniformes. Entendeu, Andersen, que aquele homem trabalhava num ritmo muito inferior ao dos outros empregados. Sem pestanejar, desceu rapidamente a escada que separava o escritório da linha de produção e foi diretamente ao empregado observado, advertindo-lhe severamente às suas costas: - mas que tipo de empregado é esse que mais parece uma lesma de uniforme? Queres, por acaso, que eu feche as portas por causa da sua lentidão? - esbravejava o patrão.

Indiferente às críticas, o homem repreendido não se movia. Diante da inércia do empregado, o patrão apoia uma das mãos em seu ombro e diz em alto em bom som: - Não escutas o que eu falo? Então, só depois de sentir o toque em seu ombro, vira-se o empregado e sorri. – Ainda tens a coragem de sorrir, empregado insolente?! Não vais falar nada? És mudo, por acaso? – insiste o industrial. - Surdo e mudo, - responde o chefe da produção. - Mas Como assim? -,  questiona o patrão. – É isso mesmo: não fala e não escuta. Não tumultua e não reclama. Digo mais: talvez seja um dos seus melhores empregados, - responde o encarregado. - É lento demais! Aqui temos prazos a cumprir. Não serve para trabalhar na minha fábrica, - esbraveja o patrão. – Desculpe! Mas o senhor está enganado! Este homem, - bate o encarregado com uma das mãos no ombro do colega, - a quem chamas de lento, é um dos grandes responsáveis pelo certificado de excelência que recebestes há pouco. Se não fosse por ele, - continua o chefe de produção, - suas peças não teriam a mesma qualidade. Cabe a ele o acabamento dos uniformes. Com toda paciência, sempre retirou todas as linhas e retalhos e jamais criticou as falhas deixadas pelos seus colegas.

As justificativas daquele homem calaram o rico industrial. Pensou até em se desculpar, mas tal atitude comprometeria sua imagem de patrão Rigoroso. Visivelmente transtornado, virou as costas e subiu de volta ao seu escritório. Sentado em sua confortável cadeira, e escondido sob o seu temperamento hostil, abaixou a cabeça, escondendo uma lágrima que teimava em cair.

Observando a conversa entre o seu superior e o dono da fábrica, o humilde empregado não entendia o que estava acontecendo, e muito menos o porquê de todos os seus colegas estarem de pé, sem trabalhar, em silêncio e sorrindo para ele.

E aquele homem surdo e mudo, paciente e tolerante continuou a sorrir, como sempre fazia.