ARTIGO ESPECIAL: Justiça garante 25% a mais para aposentado dependente de cuidador

Publicado em 01/11/2013 - geral - Da Redação

* Marco Antonio Vilas Boas

Em decisão histórica, a 4ª Região do Tribunal Regional Federal (Apelação Cível nº 0017373-51.2012.404.999\RS) concedeu o adicional de 25% sobre os benefícios previdenciários de aposentado dependente de acompanhante. A novidade consistiu em abranger todos os que conseguiram aposentar-se por estarem na situação de invalidez à época do seu pedido de aposentação. Como ficou estabelecido no julgado, teriam direito também todos aqueles que, no curso da aposentadoria, vierem a se tornar inválidos e necessitassem de acompanhante para suas básicas atividades de sobrevivência. Para melhor esclarecimento sobre a interpretação da norma legal em que foi baseada a decisão, vejamos o que diz o artigo de lei que versa sobre a matéria, especificamente o art. 45 da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991 (Planos de Benefícios da Previdência Social):

O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento).

No histórico do julgado, uma agência do INSS negou o adicional de 25% sobre o benefício percebido por uma aposentada por tempo de serviço, sob a alegação de que teriam direito somente aqueles que originariamente se aposentaram por invalidez e passaram a depender do auxílio de terceiras pessoas, então chamadas de cuidadores. Com o indeferimento em via administrativa, daí veio a necessidade de recorrer à Justiça para receber o benefício de que trata a lei.

Como foi visto, a peleja jurídica se deu porque uma aposentada por tempo de serviço, depois de muito tempo, veio a se tornar inválida e veio a depender do auxílio de acompanhante. O posto do INSS de sua circunscrição lhe negou o adicional de 25% de que fala o benevolente art. 45 da Lei citada, sob o argumento de que o fato gerador do benefício não se emoldura a aposentados em modalidades fora daquela faixa. Por conta do Instituto e de sua interpretação restritiva, só a aposentadoria motivada por invalidez poderia estar aquinhoada com os acréscimos legais à vista de despesas com pagamentos de eventuais acompanhantes. Exatamente desse modo navegou o voto vencido do juiz (desembargador) discordante que, na sua emenda, opinou no sentido de limitar a abrangência do art. 45, pois, se assim não fosse, dever-se-ia estender suas benesses para inúmeros outros departamentos, como o auxílio doença, a pensão do segurado, do acidente etc. Diante da diversidade de bases reais, o legislador não ficará sob a obrigação de tratar os casos de forma idêntica. Não se esqueceu ainda de mencionar o art. 201 da Constituição Federal nomeando-a como regra matriz de tudo o que dispõe a Lei 8.213\91.

Na verdade, lógica e humanamente, quem se apresenta como inválido para inaugurar sua aposentadoria não tem nenhuma diferença daquele que já se aposentou em condições normais e teve o infortúnio de mais tarde se prostrar como dependente de outros para gerir sua vida motora ou mental. Ambos se situam em idênticas posições. A previdência foi idealizada para propiciar a assistência de quem a necessita nas horas difíceis da vida. Não há previdência que não tenha seu cunho social e assim sendo, seus dispositivos devem ser aferidos de forma mais abrangente. Caso contrário, uma de suas metas mais francas e honestas, a sacrossanta universalidade, certamente responderia por letra morta e não guardaria outro destino a não ser o de cair por terra como meta imprestável.

Pela banda dos votos vencedores, o relator do recurso, o desembargador Rogério Favreto, asseverou que “a melhor exegese da norma orienta, ainda, a interpretação sistemática do princípio da isonomia, em que o fato de a invalidez ser decorrente ou episódio posterior à aposentadoria não pode excluir a proteção adicional ao segurado que passa a ser inválido e necessitante do auxílio de terceiro, como forma de garantir o direito à vida, à saúde e à dignidade humana”.

Realmente! O benfeitor “princípio da isonomia” consagra a igualdade de todos diante da lei, sem distinção de qualquer natureza. É o que fala o art. 5º da Carta Constitucional. Nesse mesmo diapasão, as regras mestras da Lei Maior foram inscritas no primeiro artigo, inc. III, ao nomear a dignidade da pessoa humana como fundamento principal. Assim posto, considerar um inválido como diferente de outro inválido, só por questão terminológica, seria levantar um momento solene à exclusão, pois inválido é inválido em qualquer lugar, em qualquer época, sob qualquer conjuntura. Diferenciá-lo por mera questão de nomenclatura seria prestar uma significativa homenagem ao odioso apartheid, pois não deixa de ser uma segregação social contra aqueles que contribuíram a vida inteira para a previdência e se vêem excluídos do sistema, uma vez impedidos de receber o valor complementar. Seria como trocar a substância pelo acessório, a forma pelo conteúdo, a gestão humana pelo quantitativo das estatísticas e palavras. A letra fria da lei desmorona os maiores pilares consagrados na lei maior do Brasil. Poderíamos perguntar: qual a diferença entre o aposentado por invalidez que se vale de ajuda permanente de um terceiro para o outro aposentado de diversa natureza que também necessita dos mesmos serviços de um ajudador?

Não há diferença nenhuma entre os dois quadros acima apontados. A resposta, bem descreve o art. 201, § 1º da Constituição Federal no que tange estar impositivamente vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social. Em reforço a essa abrangência de sistemas compatíveis, vem o princípio da isonomia proibir a exclusão de uns em relação a outros, pois, caso contrário, nem todos seriam iguais perante a lei, notada e principalmente, em típicas questões sociais. Aí está a monstruosidade das diferenças entre os iguais.

Até aqui ainda pouco se cogitou da analogia do direito no que se refere ao melhor critério de leitura e visualização. Aposentados que contribuíram para uma mesma fonte haverão que perceber similares tratamentos em suas respostas. Se tal fonte de custeio é a mesma para todas as denominações ora discutidas, ainda dentro do Regime Geral da Previdência, porque não encará-la de forma extensiva, pois a natureza de ambas as espécies não foge do caráter assistencial, razão primeira de qualquer estilo universalista de atendimento. Este é o dever a que deve se curvar um posto de serviço previdenciário.

O que mais causa estranheza é o tratamento mais vantajoso para o aposentado por invalidez do que para aquele que contribuiu a todo o tempo até atingir o ponto mais alto das exigências. É de se perguntar mais uma vez: porque aquele que pagou por período mais curto para se aposentar por invalidez teria mais direitos do que aquele que contribuiu uma vida inteira e tropeçou em mesmo quadro de dependência? Há uma mesma indignação no ponto de vista de Maurício Pallotta Rodrigues em “Da Natureza Assistencial do Acréscimo de 25% previsto no Artigo 45 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991” que também mostrou suas falas nessa direção, a evidenciar que o artigo 45 da Lei 8.213/91 tem natureza puramente assistencial e a aplicação deste dispositivo exclusivamente aos aposentados por invalidez viola não só os princípios da isonomia e o da dignidade da pessoa humana como também os princípios que regem a assistência social no Brasil, quais sejam, supremacia do atendimento das necessidades sociais, universalização dos direitos sociais, respeito à dignidade do cidadão e igualdade de direitos no acesso ao atendimento.

Se tudo isso não bastasse, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de que o Brasil faz parte por força do Decreto 6.949 de 25 de agosto de 2009, adotou inteiramente os critérios ali contidos. Todo seu conteúdo programático mantém a estatura similar de uma Emenda Constitucional. Portanto, seus artigos e números de leis responderão como se fossem cláusulas inderrogáveis e permanentes no nosso contexto maior. Muitos as chamam também de cláusulas pétreas. Pelo art. 5, cláusulas 1 e 2, os Estados (de que faz parte o Estado Brasileiro) reconhecem que todas as pessoas são iguais e fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei. Estes mesmos Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão a elas igual e efetiva proteção legal.

Como a invalidez não é simplesmente um fenômeno temporal de origem aritmética, não é também submissa à vontade ou ao caráter simplesmente deliberativo de pessoa ou instituição. Ela tem suas peculiaridades e acontece quando menos se espera. Será que o inválido para alcançar as bênçãos do art. 45 da lei sob comento tem que vir de seu berço já inválido ou adquirir antes esta incapacidade para se ver protagonista de um direito negado a outros? Onde andará a abordagem societária e universal da previdência que socorre a todos indistintamente? As interpretações mais justas e humanas poderão ser analisadas aí, enfileiradas à plena luz solar.

Em abordagem de outro curso, se a lei, precisamente o art. 45, não distinguiu com precisão a cobertura de seus contemplados, a ninguém seria lícito distinguir. Vale aqui a norma interpretativa do Direito Romano: Ubi lex non distinguit, nemo potest distinguere.

Por tudo que foi exposto, se as Agências do INSS não atenderem aos pedidos de aposentados, em quaisquer de suas modalidades, a solução viável será a via judicial. Cremos que, mais cedo ou mais tarde, todos aqueles que necessitarem de assistência permanente de outra pessoa estarão compreendidos no manto protetor do benefício adicional de vinte e cinco por cento. O futuro está aí e é um valioso momento para comemorá-lo.

* Marco Antonio Vilas Boas - Ex-Juiz de Direito, Professor e Advogado