Prosa Caipira

Publicado em 10/06/2014 e atualizado em 10/06/2014 - geral - Da Redação

A despedida

POR: Luciano Marques

- Dezfaz a trouxa! Descarrega os trem, Maria Muié! Agora é difinitivo: embora é que nóis num vai mais! Tô convencido! A vida já foi dura, outras vêz, nem por isso nóis disanimô; nóis cresceu! A vida é boa inté quando  é ruim; ela ensina! O pobrema é que nóis semo difícil de aceitá, que as coisa acontece porque precisa, num é pra castigá. Carece memo é de tê carma, numa hora dessa, num pode é precipitá!

- Mais o que deu nocê, Ozório? Tá intornano cachaça, uma hora dessa?! Ontem memo nóis margô chorá por causa da probremada... As terra tá vendida, faz quase mês já! Arrumemo inté casa na cidade. Num tem pra que ficá aqui mais! Aceita as coisa, homi! É mio! Num foi ocê memo que disse, que tem que aceitá? Dispois, quando ocê oiá pra trás, vai inté ficá aliviado. Confia na tua Maria, Ozório! Essa noite, garrei a rezá pra santinha e sei que ela já tá abrino os caminho pra nóis, tá passano na frente, pra mode mostrá o que fô mió. Ocê num tem mais Fé?! Num confia em Deus?! 

 

- Óia, Maria Muíe, pra começo de prosa, eu num intornei pinga, não; tomei foi corage: co – ra –ge! E esse trem de confiá, eu inté confio, maisi... Eu acho que... as coisa vai crareá! Essa noite, rezá eu num rezei não, mas num preguei os óio, tamém! Matutei demais! E, matutano, a gente vai vêno que as coisa num é do jeito que nóis pensa não, uai! Tem cabôco que tá muito pior que nóis! Num vê, cumpade Zé Quito? Inviuvô! Tá lá que num guenta de tanta tristeza! Ô homi bão aquele, viu! Bão inté pra sofrê: sofre quetim... Nóis inda é dois:  ocê mais eu. Num tá bão, Maria? Ocê queria sê o compade Zé Quito, Maria Muié, minha?!

- Nem cumpade Zé Quito, nem cumade Maria! Se bobo, sô! Cumade Maria tá morta, uai! Deus me livre, guarde! Discunjuro três vêz!! Mas,  Ozório, o que tem havê a viuvêz do cumpade Zé Quito com a nossa prosa, homi? Ficá pensano que tem gente pior que nóis, num vai miorá nossa situação. Vê lá, cumpade Tonho: homi de paciência, bão pra aconseiá, pra apaziguá briga; tá lá, esquicido, largado num asilo. Os fio nem vai visitá, Coitado! Perdeu tudo! Por quê? Porque num teve corage de vendê as terra na hora certa, antes dos homi tomá. Será que foi essa corage que ocê tomô, pra mode fica falano bobage desse jeito? Pode num parecê, mas eu tô sintida iguarzinha ocê! Tamém tenho coisa boa pra alembrá, mas, se os trem garra piorá, num sei cumé que nós vai fazê!

- Carma, Maria Muié! Carma! Deus é maior que os pobrema tudo! Há de ajudá nóis! Num vê, oce memo: única fia muié, dos Maria Ferrêra: Zé Maria, Nicolar Maria, Gimiro Maria, Bastião Maria e ocê, Maria Maria, a minha Maria Muié! Alembra, quando ocê era sortêra? Alembra não?! Dispois que dona Severina, tua mãe, aquela santa muié, morreu, e ocê, mininota ainda, cuidano dos trem tudo e daquele tanto de homi: teus irmão mais teu pai, enviuvado de pouco, coitado! Alembrô? Então, num tem muié nesse mundo que mereça sê feliz do que ocê, Maria! Inté entendo a gastura tua, mas as coisa há de miorá, e miorá pra mió!

- Ê, Osório, ocê num tem jeito memo! A casa pegano fogo e ocê, espirutiado, alembrano das coisa... da época do onça... Tenha dó, homi! Então ocê acha que o que tá ruim num pó piorá? Vai nessa tuada, vai! Já viu água de rio disviá de pedra? Água passa por cima do que tivé na frente; num escói mió lugar! Aqui, ó, ocê trata de fincá esses pé no chão! Vai lá, pega as trouxa no quarto e botá aqui, no arpendre, pra mode seu Roque, taxista, quando chegá, ponhá tudo no carro!

- Ó, Maria, eu num passei a noite intêra, disadurmido, à toa, não! Fiquei matutano até me duê os miolo da cabeça! Pra falá verdade, verdade memo, acho que num costumo mais fora daqui, não! A cidade inté cabe aqui, na roça, mas a roça num cabe lá não! Vô senti farta demais do que nóis tem, aqui! Onde é que nóis vai arrumá outro rio pra passá na nossa porta da cozinha, Maria?! E os passarinho, que vem, todo dia, comê com as galinha, as sobra que nóis faz sobrá, como é que vai ficá? Onde é que nóis vai ponhá os boi de carro, as vaca, o sor deitano o capim, o chêro das flor, de noite, o céu estrelado, que é mais bonito aqui, na roça? E a canturia dos sapo, o resto tudo... Cabe isso tudo lá, onde ocê qué morá?! É muito, muito memo pra guardá só na memória dos óio!

- Ô, Ozório! Assim eu garro chorá de novo, homi! Entendo, entendo memo, o que ocê falô, maisi... procura intendê: o mió que nóis faz, agora, é aceitá! Vamo começá uma vida nova, lá na cidade, onde inté já tem lugar pra nóis ficá. Eu sei que é um trem difícil a dispidida, mas nóis não semo mais criança! O sor, esse que deita o capim, já queimô muito nosso lombo tamém. O tempo passô e levô a mocidade que nóis tinha. Já tá na hora de discansá, meu veio! Vem, dá tua mão, vamo junto buscá as trouxa, que o taxi cabô de chegá...

Luciano Marques - Muzambinho/MG