Custos da Cafeicultura no país do Bolsa-Família

Publicado em 28/03/2012 - geral - Assessoria de Comunicação

A cafeicultura hoje passa por problemas bem distintos. Propriedades rurais que dependem praticamente de trabalho manual, com o mínimo de mecanização, sofrem os efeitos da falta de mão de obra, principalmente por conta do Bolsa-Família. Quando conseguem contratar, produtores  de regiões montanhosas, tem seus custos de produção aumentados violentamente em decorrência dos altos custos de mão de obra. Aproximadamente, 72% do segmento utiliza trabalhadores tanto para colheita quanto serviços gerais.  Calculamos a R$15,00/medida de 60 litros, que foi um valor praticamente corrente na colheita da última safra.  Valor esse, que eleva tremendamente os custos da produção de café.
Vivemos um enorme contra-senso: O Programa Bolsa Família, para 11.000.000 de pessoas, impende o registro de trabalhador. A consequência é que, infelizmente, muitos beneficiados preferem  não trabalhar e continuar no Programa.

Apagão de mão de obra não especializada
Conforme a lei do Bolsa Família, a partir do momento que o beneficiado for registrado, cessa-se imediatamente o vínculo com o projeto. Por outro lado, o empregador prefere registrar os funcionários porque é exigência legal, além de ser mais seguro para ambos os lados. Como resolver esse impasse? Há hoje um reposicionamento na pirâmide social do país. Representantes das classes C,D e E estão conquistando novas oportunidades de trabalho. No lugar dessas pessoas, trabalhadores de rendas mais baixas ocupam naturalmente esse espaço.  Essa é a dinâmica de mercado. A evolução ocorre para todos.  Entretanto, para estas famílias que recebem o benefício, o correto seria uma outra sistemática visando continuar com o apoio do programa, mas possibilitando o trabalho remunerado. Não é o que ocorre.  Fica um abismo entre essas duas classes impactando muitos empregadores, em especial produtores rurais, que utilizam trabalhadores não especializados.
Qual a consequência do apagão da mão de obra? A invasão de estrangeiros vindos de países onde as leis trabalhistas são amadoras, quando não nulas. Haitianos, paraguaios, bolivianos e outros trabalhadores vindos voluntariamente, ou não, para preencher esse vácuo.  Enquanto isso o Brasil cria um contingente de “bolsistas”,  dos quais muitos perfeitamente aptos ao trabalho, porque a conjuntura econômica permite sua inclusão profissional.
As 11 milhões de bolsas- família,  correspondem aproximadamente a 40 milhões de brasileiros vivendo na ociosidade. E para o empregador falta mão de obra.  É urgente rever os critérios do Programa. Corremos o risco de termos no futuro um sem número de estrangeiros se profissionalizando no país, enquanto os brasileiros permanecem estagnados.  Réplica do que vive a Europa hoje.
A falta de mão de obra mata a cafeicultura e outras atividades. E isso é oposto ao desenvolvimento. O programa Bolsa-Família deve continuar, mas com regras alinhadas ao crescimento não só de consumo, e sim de empregos. Uma ideia viável é suspender a proibição do registro e/ou do benefício em épocas de safra. O empregado tem um aumento da remuneração em 6 meses, e depois, não tendo a intenção de continuar trabalhando, tem seu benefício de volta assim que rescindido o contrato.  

Salário Máximo, Lucro Mínimo
A crescente valorização da mão de obra na cafeicultura,  impacta em até 60% no custo de produção.  A economia brasileira em franco crescimento, alavanca esses valores, inviabilizando diversos segmentos, entre os quais, o café. A cafeicultura é importante geradora de divisas e agente uma social.  O país responde por cerca de 50% do mercado de café arábica mundial. É, o mundo não fica sem o nosso café.
Portanto, traders e torrefadores internacionais precisam enxergar a nova economia nacional. O café brasileiro vale mais, porque tem qualidade e segue leis rígidas trabalhistas e ambientais.  Nossos custos aumentaram e precisamos do retorno desse investimento.  O preço da matéria prima é irrisório em comparação com o preço do produto preparado e industrializado.  
A tabela no final do artigo, apresenta o cálculo de uma produtividade de 22 sacas/ha que é aproximadamente o que produzimos. Se produzíssemos 40 a 50 sacas/ha, como alguns veículos divulgam, teríamos uma produção de 100.000.000 de sacas em média, o que não reflete a realidade.

Possíveis Soluções

É crítico que toda a cadeia cafeeira, como comerciantes, cooperativas, exportadores e importadores , além do Ministério da Agricultura,  enquanto gestor, precisam repensar essas práticas de mercado. Com um custo da saca de café apresentado acima de R$ 442, isso inviabiliza a cafeicultura nacional nos atuais patamares de preço. O produtor vendeu o café em mais de dez anos na faixa de R$ 250/saca. O discreto aumento para R$ 400 ou R$ 500/saca, não cobre as perdas desse período, sequer investimentos futuros.  Para “afundar” ainda mais o setor, o produtor não familiarizado com cálculos, aceita esse preço que está muito aquém do necessário para manter uma propriedade.  O empregado  precisa de uma política que estimule o trabalho, não a ociosidade. O empregador, estratégias de crescimento sólidas, não frágeis. O país, um planejamento de longo prazo sério e comprometido. Estamos dispostos ao diálogo. E vocês?

Tabela: Custo de Produção de café, nas condições de cafeicultura de montanha.
Lavoura : espaçamentos 3,8 x 0,5m, produtividade = 22 scs/ha


*HD = 35,00/Dia
*Nesses custos não levamos em consideração:
Remuneração do Capital Empatado, depreciação de veículos e semoventes e despesas ambientais.
AM/NL-03/2012
Referência: Cultura do Café no Brasil. Matiello, Santinato, Garcia, Almeida e Fernandes. Páginas 430 e 431. MAPA/PROCAFÉ.

Fonte: SINCAL
Armando Matielli - Presidente Executivo da SINCAL e Cafeicultor em Guapé - MG
Eng. Agrônomo com MBA em Marketing  na FGV.