OPINIÃO: Por que perdemos tantas sementes?

Publicado em 29/07/2013 - geral - Da Redação

Por Otonelson Eduardo Prado

Recebi um produtor rural, e indaguei acerca das sementes em nossa região, principalmente, o feijão. Falou-me muito sobre as cultivares que os agricultores trocavam entre si sem interesse financeiro algum, pois havia em abundância. Incluiu entre elas o abundante capim gordura, Melinis minuflora. Ouvi com atenção. Contudo, é bem verdade, lembrei-me do tempo em que o pastoreio era farto, com animais sadios nas várzeas e morros, sob frio intenso, sem as atuais modificações climáticas. Havia regularidade nas estações climáticas e a relva aparecia exuberante como um tapete roxo de sementes aveludadas sobre o manto verde do “gordura” nas nossas montanhas. Também virou escassez. O perdemos para brachiária, Bracharia decumbens que, originária da África, no Brasil, virou praga. Ponderei ensimesmado acerca da nossa biodiversidade regional e me perguntei: por que perdemos tantas sementes? Tudo se encaixava na sub-temática: meio ambiente, biodiversidade, marcas, patentes, segurança alimentar e a paz. Coisas que a princípio, defendo de forma intensa.

A produção de sementes cresceu mundialmente com ajuda da virtuosa indústria biotecnológica. Caímos em suas mãos e dependemos da produção mundial das suas controladas espalhadas no planeta. Um salto das seleções mais remotas para as híbridas e delas para novas cultivares obtidas por modificações de genes. Segundo estimativas, o mercado mundial de sementes chega a aproximadamente 30 bilhões de dólares. Somente o Feijão nhemba, Vigna unguiculata L., que chamamos “feijão frade”, originário da África ocidental talvez, responde por 10% da cifra mundial. O Algodão, de aplicação comparável a soja, chega a 25 milhões de toneladas por ano. Além de rico em tecnicidades o mercado de sementes é ganancioso e elevadamente concentrado nas grandes corporações empresariais do mundo. Em 2005 a Nidera comprou os programas de soja e milho que pertenciam a Bayer no Brasil. Dois anos depois a Dow AgroScience adquiriu a Agromem que detinha 11% do mercado de sementes de milho também aqui, estimado em 4 bilhões de reais e em franca expansão. Já a Monsanto comprou a Agroeste, também líder no setor de sementes de milho híbrido no Brasil. Estes dados foram obtidos a partir da Associação Brasileira de Tecnologias de Sementes. Em trabalho muito oportuno sobre o tema, Impactos potenciais da tecnologia “terminator” na produção agrícola: depoimentos de agricultores brasileiros, disponível em www.territoriosdacidadania.gov.br/o/900752, encontra-se algo muito esclarecedor. Trata-se de um mercado de gigantes em estratégias de abastecimento e segurança alimentar mundial onde o interesse não é de lobo devorando ovelhas, mas, potências rivalizando entre si sem qualquer generosidade, pela hegemonia mundial no setor. Comportam-se como leviatâs de grande soma de capital e refinada cultura empresarial.

Também, uma da boa análise está na leitura do consagrado clássico do ambientalismo mundial, Pat Roy Mooney, O escândalo das sementes: o domínio na produção de alimentos, Nobel: 1978 que afirma: “Menos de 10% das 30 mil categorias de plantas superiores da Terra passaram por exame científico, mesmo superficial. Menos de três mil foram estudadas detalhadamente. Noventa e cinco por cento da nutrição humana derivam-se de não mais que 30 plantas, oito das quais perfazem três quartas partes da contribuição do reino vegetal para a energia humana. Três culturas – trigo, arroz e milho – são responsáveis por 75% de nosso consumo de cereais. Complementando, ainda acrescenta: “Mas, não foi sempre assim. Os povos pré-históricos encontravam alimentos em mais de 1500 espécies de plantas silvestres e pelo menos 500 vegetais principais foram utilizados na agricultura antiga. No espaço de mil anos a diversidade dos nossos alimentos vegetais reduziu-se às 20 espécies cultivadas pelos pequenos horticultores e a 80 espécies preferidas pelos produtores comercias. Apenas 20 espécies vegetais são utilizadas em cultivo de campo. A moderna história agrícola é, ao menos em parte, uma história de redução de variedades alimentícias, porquanto, mais e mais pessoas são alimentadas cada vez menos por espécies vegetais.” Outra boa reflexão é da Professora Maria Rafaela Junqueira Bruno Rodrigues no livro Bio Direito: alimentos transgênicos, bioética, ética, vida, direito do consumidor, Lemos &Cruz: 2003, onde faz da sua tese um caminho acessível para entendimento da complexidade da segurança e do abastecimento alimentar em nossos dias. Uma análise profunda sob o ponto de vista da bioética com reflexos sobre a qualidade de vida, o consumo dos alimentos transgênicos, pensados a partir do direito. Vale a pena ser estudado e avaliado. A eminente cientista indiana Vandana Shiva reescreve a viagem de Colombo comparando-a com a Organização Mundial do Comércio- OMC que terá no seu comando a partir setembro próximo o brasileiro, embaixador Roberto Carvalho de Azevêdo. Na leitura de Vandana Shiva, Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento, Vozes: 2001, se percebe que não há diferença na “Bula de Doação” do Papa Alexandre VI para os monarcas Isabel de Castilha e Fernando de Aragão em 17 de abril de 1492, quando comparados com os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio - TRIPs gerados no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, para proteger as corporações mercantilistas e seus produtos, decorrentes que são de intensas pesquisas nos mais diferentes setores da vida humana. Seja como for, os interesses se estendem até onde os braços alcançam e a proteção gananciosa atinge. Mudou apenas o nome. E é tão voraz quanto nos tempos remotos, a tal ponto que me coube mais uma pergunta. E se acontecesse algo que reduzisse severamente o patrimônio genético mundial, freqüentemente agredido pelas atividades humanas contra o meio ambiente? Haveria estabilidade para a paz entre as nações? Seguramente, não. O nosso sistema alimentar é imensamente interdependente da natureza e das nossas ações. A obtenção de uma boa macarronada depende muito do que fazemos e pensamos contra a natureza e o meio ambiente até que ela chegue à nossa mesa. Por conseguinte, o abastecimento alimentar é uma questão de segurança para o alcance da paz entre os povos. Uma pena perdermos tantas sementes, em um país como o nosso em troca da dependência aos interesses econômicos das corporações mundiais. Pense nisto!