Publicado em 26/10/2018 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação
Diz o ditado: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Não
fica claro que há inumeráveis tipos de pedras ou rochas. Assim sendo a ação erosiva
da água vai depender da consistência rochosa. Imaginando-se a cabeça da gente como
uma formação rochosa, submetida à permanente ação manipuladora da informação, podemos
concluir que muitas cabeças são facilmente perfuradas e outras demandarão muito
tempo, talvez nem se perfurem apenas vão ser desgastadas.
Dentro
dessa carapaça resistente – embora sensível e vulnerável aos traumas físicos e
psicológicos – existe toda uma estrutura destinada a receber, processar, responder
e armazenar informações ou percepções. É a sede da nossa inteligência. É a sede
do “sistema humano”, tão diferente dos demais “sistemas” por aí existentes –
governamentais, financeiros, empresariais e outros que nos oprimem e aterrorizam
– pois estes são desprovidos de coração
e alma.
Incrustado no rígido invólucro rochoso, o tecido orgânico inteligente
vai amadurecendo através da sua utilização. São dois hemisférios distintos,
direito e esquerdo, devendo ser considerada a possibilidade de transmissão
genética dos conteúdos processados e armazenados em ambas as metades. Hipoteticamente,
diríamos que o lado direito permanece mais primitivo, sendo de lento
amadurecimento. Nele vão sendo estocadas percepções e ações condizentes com:
ganância, mercado, usura, luxúria, rancor, ódio, impiedade, supremacia racial e
sexual, belicismo, tortura, crueldade e aberrações comportamentais. Na porção
esquerda dessa semi-esfera poder-se-ia dizer da existência de tudo aquilo que
se traduziria por humanismo, englobando-se: despojamento, igualdade,
tolerância, respeito, solidariedade e sustentabilidade planetária. Vez por
outra os padrões de uma metade se confundem com a outra, No caso do lado
esquerdo, as aberrações humanas, a aplicação da violência, da tortura, da
crueldade e do extermínio foram amplamente usados nos regimes soviético, chinês
e cubano, não sendo peculiaridade de um lado ou de outro. Esta é a anatomia e
fisiologia da cabeça que imaginamos para explicarmos o comportamento humano de
se posicionar, política e socialmente, ora à direita ora à esquerda, coisa que
dizem estar ultrapassada, mas nunca enterrada.
A propósito, observam os historiadores que essa divisão política entre
direita e esquerda teria vindo da época da Revolução Francesa, na elaboração da
Constituição, quando os nobres não queriam sentar-se ao lado dos pobres em
plena Assembleia Constituinte, tomando, então, as cadeiras do lado direito,
enquanto aqueles do lado esquerdo. Uns dizem que o centro já seria um
posicionamento da época do Império Romano, consagrada pelo provérbio que diz:
“a virtude está no meio”. Por essa razão, parte dos constituintes franceses de
então, que preferiram ficar em cima do muro, tomaram os assentos centrais, separando
os ricos dos pobres, uma acomodação política sempre mais confortável diante das
escaramuças entre aqueles dotados de opinião.
Norberto Bobbio,
filósofo político italiano, autor de inúmeros livros faz uma síntese em seu
livro “Direita e Esquerda – Razões e significados de uma Distinção Política”: a
esquerda promove justiça social e a direita luta pela liberdade individual.
Porém, Bobbio faz diversas e profundas análises sobre o tema, como aqui:
“Esquerda e Direita indicam programas contrapostos com relação a diversos
problemas cuja solução pertence habitualmente à ação política, contrastes não
só de idéias, mas também de interesses e de valorações a respeito da direção a
ser seguida pela sociedade, contrastes que existem em toda sociedade e que não
vejo como simplesmente possam desaparecer. Pode-se naturalmente replicar que os
contrastes existem, mas não são mais do tempo em que nasceu a distinção”.
Se os conceitos
atuais para canhotos e destros podem ser os mais amplos possíveis, diferentemente
do significado do início, hoje, a Esquerda mundial estaria contida num espectro
de comunistas, socialistas, progressistas, ambientalistas e os
social-democratas europeus. Enquanto isso, à direita é composta de: democratas-cristãos,
liberais, conservadores, reacionários, neonazistas e fascistas. Aqui no Brasil,
a salada é indigesta com um pluripartidarismo esdrúxulo, muitas vezes
mercenário. O PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira – aqui tomou um
viés de centro-direita, enquanto o PPS – Partido Popular Socialista – ao qual
pertenci em quase oito anos de mandato parlamentar, passou a ser um aliado da
direita.
Finalmente, a
economia é questão fundamental nessa dicotomia direita e esquerda. Para os
esquerdistas, que pregam melhor distribuição da renda, deve haver maior
controle estatal na economia, ou o total controle dos meios de produção e a
coletivização, conforme a doutrina de Karl Marx e Engels. Enquanto os
direitistas advogam o livre mercado e sua maior bandeira a partir da década de
1980: o Estado Mínimo, caracterizando o neoliberalismo econômico e político,
receituário nascido nos governos da Primeira Ministra inglesa, Margareth
Thatcher, e do norte-americano, Ronald Reagan, que foi reproduzido no chamado
Consenso de Washington para ser imposto aos países periféricos,
subdesenvolvidos, que quisessem contar com a “ajuda” de organismos
internacionais tipo FMI – Fundo Monetário Internacional – e demais sistemas
financeiros capitalistas.
As grandes questões mundiais
da atualidade dizem respeito aos migrantes, recrudescendo a aversão pelos
estrangeiros – xenofobia – que vão ocupar postos de trabalhos dos nacionais ou
favorecer o terrorismo e, ainda, aos refugiados, que fogem das guerras, das
ameaças do crime organizado ou da intolerância religiosa, carregando o mesmo
estigma xenófobo. A Marcha dos Sete Mil, hondurenhos, salvadorenhos e
guatemaltecos que avança rumo aos Estados Unidos da América é o problema
humanitário mais grave dos últimos dias e não é muito diferente dos
acontecimentos dos sírios que invadiram a Europa; nem dos africanos magrebinos
ou subsaarianos, que se aventuram pelo mar para atingir Lampeduza ou Lesbos;
nem mesmo diferente dos migrantes ou refugiados da Venezuela, que cruzaram as
fronteiras brasileiras ou colombianas, que têm servido de falácia da direita
contra a esquerda brasileira como se representasse um mero fracasso do
socialismo bolivariano e não os efeitos do maléfico capitalismo mundial.
*Marco Regis de Almeida Lima é médico, foi
prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98;
1999/2003) - marco.regis@hotmail.com