Publicado em 19/02/2021 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação
Diante do motivo pandêmico do
CoViD-19 acabamos de passar pela supressão do carnaval brasileiro de 2021 – e
do antiquíssimo de Veneza, também. Algo de bombástico haveria de acontecer como
contraponto ao vazio, ao silencioso e ao fúnebre período em que temos vivido.
Eis que num rompante meio que carnavalesco surge, lá prás bandas cariocas da
Marquês de Sapucaí, um personagem controverso, sem máscara, supostamente do
lado da lei e da ordem, porque egresso da PMERJ – Polícia Militar do Estado do
Rio de Janeiro. Ele veio prá cena política em 2018 impulsionado pelos votos de
uma horda barulhenta, intransigente e agressiva como que emergente das
profundezas do inferno.
Em um dispositivo audiovisual
surge um desconhecido cavaleiro da discórdia, Daniel Silveira, se dizendo
policial militar e deputado federal, atacando em bloco o STF – Supremo Tribunal
Federal – e particularizando um a um, pelo menos metade dos componentes da
nossa mais alta Corte de Justiça. Não são polêmicas frases acobertadas pela
liberdade de pensamento e de expressão do artigo 5º da nossa Constituição
Federal. São manifestações que ultrapassam essas liberdades, transformando-se
em desrespeito e ataques inaceitáveis ao Estado Democrático de Direito,
apologia criminosa ao aniquilamento da nossa frágil democracia.
Entrementes, o desconhecido,
em que pese compor o seleto grupo de 513 deputados federais que compõem a
Câmara dos Deputados, pertencente ao PSL, pelo qual foi eleito o próprio
Presidente da República, que dele se debandou, é representante do Estado do Rio
de Janeiro. Sua folha corrida como policial, segundo o noticiário da imprensa,
registra dezenas de infrações e penalidades, até o cumprimento de 80 dias dias
de prisão, na PMERJ. Num dos vídeos que Silveira gravou e difundiu em redes
sociais, ele mesmo não se faz de rogado a fim de ostentar que é temível e
incorrigível, dizendo que já foi preso umas 90 vezes. Pois é um indivíduo de
tamanha agressividade como este, que serve de símbolo para certo grupo de
pessoas.
Os conflitos surgem dentro de suposta
democracia. Suposta, porque o Presidente da República, Capitão Jair Bolsonaro,
disse alto e bom som, recentemente, que só existe democracia tutelada pelas
Forças Armadas. Esse mesmo vídeo com ameaças de surra e de fechamento do STF
envolvem episódio antigo. Deu-se num julgamento de “habeas corpus” do
ex-Presidente Lula, que acabou preso em face ao mecanismo jurídico de
condenação em 2ª Instância. O vídeo do deputado Daniel Silveira, alude ao
acontecimento em que o Ministro Edson Fachin, Relator do processo, três anos
atrás, votou contra o “habeas corpus” de Lula, que ficaria preso mais de um
ano, surgindo comentários de que o Ministro “pipocou” diante de declarações do
então Comandante do Exército, General Eduardo Vilas Boas, no Governo Golpista
de Michel Temer. Tais declarações do general foram publicadas em redes sociais
e diziam que o Exército compartilhava “o repúdio à impunidade” e que restava
perguntar “às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do
país e das gerações futuras”. No livro recém lançado, de Celso Castro, “General
Vilas Boas: conversa com o Comandante”, existe a confirmação do referido
episódio com a frase: “redigido em conjunto com integrantes do Alto Comando”.
Agora, provocado pelo vídeo, o Ministro Fachin reagiu: “anoto ser intolerável e
inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder
Judiciário”. O General, portador de doença degenerativa, a ELA – esclerose
lateral amiotrófica – que se comunica por equipamentos de informática e respira
por tubo em traqueostomia, voltou a responder para Fachin em rede social: “Três
anos depois”.
Vou reproduzir o que penso disso
e que publiquei no “Facebook”, esta semana: “Nós, brasileiros, não podemos
ficar alheios e inertes neste episódio em que um parlamentar-policial,
DELINQUENTE, ataca o Judiciário, um dos pilares do Estado Democrático de
Direito. Nem que ele possa estar amparado por forças que SE sintam na condição
de feitores da Democracia. Que diabo de Democracia pensam alguns em tutelar?
Democracia que se submete à autoridade de um Judiciário que endossa um conluio
que condena, prende e humilha um ex-Presidente da República; ou Democracia que
é afrontada por um mequetrefe, tipo esse deputado Daniel Silveira, que se
imagina livre e poderoso [...] dando “carteiradas” em nome da imunidade
parlamentar e de um cargo policial do qual não está no exercício. Estamos a
exigir que essa Democracia funcione para todos e não apenas para um lado que
entende que a eles cabe tutela. Afinal de contas a Constituição Federal define
as balizas democráticas e todos os setores que por ela devem zelar SÃO PAGOS
PELOS CONTRIBUINTES DE TODOS OS LADOS, NÃO APENAS PELOS QUE TÊM MAIOR PODER
LEGAL OU ARMAMENTISTA”.
O que não se pode é usar das
leis para executar um enredo que foi urdido desde 2013, com a participação da
mesma Grande Imprensa, que hoje esperneia. Sobre isto vaticinei neste
Semanário, em 19-Fev-2016: Cassar Dilma, Caçar Lula: eis a questão. Mais à
frente aqui também denunciei, em 13-Abr-2018: Justiça acovardada e
partidarizada. A Lei era exaltada no afã de aniquilamento do petismo.
Ultimamente, desordeiros e golpistas foram presos a mando do STF por incitarem
violência e fechamento de instituições democráticas.
Agora, surge outro conflito
que é a prisão do deputado. Questiona-se não somente a sua prisão, também o
flagrante, assuntos que aqui não vou discutir por não ser um jurista. Também se
indaga, além da liberdade de expressão mencionada, da IMUNIDADE PARLAMENTAR,
que está contida no Artigo 53 da Constituição. Não é agora que se coloca em
cheque tal imunidade. Tenho experiência própria, após ter sido processado pela
minha atuação como deputado da CPI Mineira do Narcotráfico, lá nos idos de
2001. Nela não tratei de pessoas a não ser nas audiências da mesma. Mesmo assim
tive que me defender junto ao Tribunal de Justiça-MG, processado que fui por um
dos envolvidos nas investigações da CPI. Houve Desembargador que questionou meu
direito à imunidade, embora mencionado, rezando: “Os deputados e senadores são
invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e
votos”, tratando o §2º do mesmo artigo sobre a prisão de parlamentares em
flagrante delito. No meu caso fui vitorioso pela competência familiar, sendo
defendido oralmente no TJMG pela advogada Adalete Nunes Carvalho Lima, minha
mulher, e pelos meus filhos Lisandro e Cristiano, na época ainda estudantes de
Direito.
O que dizer no caso do
deputado Daniel Silveira (PSL/RJ), que foi muito além da minha discreta
intervenção numa CPI ? O senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), Presidente do Senado
e competente advogado assim se manifestou, conforme matéria do jornalista
Plínio Aguiar, no R7 Notícias desta 4ª feira, 17: “Atentar contra a Democracia
e suas instituições é gravíssimo, mas manter preso alguém antes do julgamento
deve ser tratado como exceção”, concluindo que “a questão deve ser decidida
pela Câmara dos Deputados e pelo STF”. Diante desse comentário eu pergunto: na
Lava Jato, com que direito o Juiz Sérgio Moro mantinha pessoas presas em intermináveis
“prisões temporárias?”.
O Prof. Rubens Glezer, da
Faculdade de Direito, da Fundação Getúlio Vargas/SP escreve na Folha de S.Paulo
/ Poder / Análise, neste 17 de fevereiro: “A complexidade em torno da prisão do
deputado Daniel Silveira expõe as vísceras da nossa crise democrática e suas
ambiguidades. O STF tem tomado as medidas que considera cabíveis para
sobreviver aos ataques que têm sido desferidos por um setor antidemocrático e
autoritário da política brasileira. Em tempos de normalidade institucional já
seria difícil para o STF dar conta dessa tarefa, impondo os limites
constitucionais sobre esses agentes”.
*Marco Regis
é médico, foi prefeito de Muzambinho-MG (1989/92; 2005/08) e deputado
estadual-MG (1995/98; 1999/2003)