Publicado em 25/01/2019 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação
Esse negócio de rotular o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, de usurpador não é tão clara e verdadeira como defendem os manipuladores de sempre. Por que não devolver na mesma medida a pecha de que o molecote deputado da oposição, Juan Guaidó, presidente do parlamento venezuelano, é o verdadeiro usurpador?
Devo reconhecer que desta feita o mandato presidencial de Maduro foi conquistado com o uso de artifícios e artimanhas constitucionais. Portanto, reconheço que, neste momento, poderíamos chamar o país bolivariano de uma democracia disfarçada, mas nem tanto cabível defini-lo como uma ditadura total. Contesto, todavia, que, sem nenhum procedimento devidamente eleitoral e legal, o outro, o oportunista Guaidó, se passe como presidente pelos aplausos oposicionistas em decorrência da sua autoproclamação como “presidente encarregado da Venezuela”.
Entretanto, não é de hoje, que a ‘direitona’ grande imprensa mundial, empresarial e manipuladora, define a Venezuela como uma ditadura. Principalmente aqui no Brasil, desde os tempos do saudoso Coronel Hugo Chávez, fundador e comandante do socialismo bolivariano, que governou esse país de 1999 até a sua morte em 2013. Todos sabem, mas não engolem, que Chávez foi eleito e reeleito em processos plenamente democráticos e incontestáveis aprovações populares. Estabeleceu uma nova Constituição e tomou diversas decisões através de consultas populares, ou seja, aprovações por meio de plebiscitos e referendos. Mas, para os defensores do liberalismo econômico e político, Chávez sempre foi um ditador.
A direita age sempre assim: cochilou cai o cachimbo da boca mole. Ou não foi o que se deu com Dilma Rousseff, deposta do poder por um conluio parlamentar e judicial e sob o arrimo do grande empresariado e da imprensa? Já escrevi, exaustivamente, o que fizeram com a presidente desde a sua vitória para um segundo mandato. Arquitetaram um abismo econômico, que gerou desemprego e outros retrocessos a fim de lhe retirar apoio popular, que já se perdia, com o envolvimento do petismo e seus aliados conservadores num grande esquema de corrupção.
Na Venezuela o golpismo tem fracassado porque o governo se sustenta no apoio das forças armadas. Claro que sempre há os dissidentes, mas em todas as tentativas de golpe militar ou político contra Chávez, no passado, e contra Nicolás Maduro, no presente, houve um abafamento por parte da FABN – Fuerza Armada Bolivariana Nacional. No período chavista, propriamente dito, o apoio popular ao governo foi maciço. Houve a bonança advinda com a valorização da sua principal “commodity” – o petróleo – que chegou a valer mais de cem dólares por barril nos idos de 2014. Ao contrário dos governantes do passado, o Cel. Hugo Chávez usou da prosperidade do petróleo e a sua PEDEVESA para distribuir benefícios sociais para a população, diminuindo a miséria no país. Sua falha foi a demora na industrialização na área de alimentos, acomodando-se com o poder de compra dos ‘petrodólares’, fartos o bastante para a aquisição de estoques alimentícios no estrangeiro, bem como de remédios.
Vitimado por um câncer, morreu Chávez, o fundador do bolivarianismo - uma homenagem a Simón Bolívar, que foi um dos Libertadores de parte da América espanhola, a Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador e Peru. Seu substituto, Maduro, herdou o poder mas não a sua envergadura e talento de líder. Para piorar, o preço do barril do petróleo despencou de cem dólares para pouco menos de trinta dólares. Os mais ricos e detentores de posições no alto empresariado do país articularam mecanismos de sabotagem à importação de alimentos, remédios e outros bens, o que veio a prejudicar os mais pobres, sobrevindo uma inflação avassaladora e desestabilização na economia. Esse tudo de ruim era o que desejava a oposição para a cooptação da pobreza e no consequente enfraquecimento do regime governante.
Entretanto, Nicolás Maduro recebe de novo os benefícios do preço do barril de petróleo, cotado em torno de 50 a 60 dólares. Enquanto vê seu regime fustigado pelos Estados Unidos da América (EEUU) e seus capachos organizados no tal Grupo de Lima, um conjunto de 14 países das Américas – Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia – com o objetivo declarado de “abordar a crítica situação da Venezuela e formas da sua restauração democrática”. Os EEUU não integram formalmente o grupo, mas participam das suas reuniões. Por outro lado, a Venezuela hoje tem o apoio militar da Rússia e comercial da China, driblando os famigerados bloqueios econômicos que os norte-americanos buscam sufocar quem se desalinha com eles, o que acontece há 50 anos com Cuba, além de progressivos embargos ao Irã, Rússia e Coreia do Norte.
Que moral tem esse grupelho de Lima para interferir em assuntos internos da Venezuela? Honduras e Guatemala não conseguem deter o banditismo em seus próprios territórios e vêm caravanas de migrantes fugindo rumo aos EEUU, via México. Os paraguaios e brasileiros articularam golpes de estado contra Lugo e contra Dilma. A Colômbia não consegue se pacificar diante de décadas de guerrilha e, ultimamente, cada vez mais tem se curvado aos interesses dos Estados Unidos, através de acordos militares e implantação de bases militares nos seus limites territoriais. Panamá e Peru são outros submissos aos interesses militares norte-americanos, deixando-os basear dentro das suas fronteiras.
O Brasil sempre foi um adepto da autodeterminação dos povos. Mas, vê agora no Itamaraty um desconhecido e um não-diplomata de trajetória, cujo nome não vou fazer questão de saber nem de divulgar, um ministro “meia-boca”, servil aos interesses dos EEUU, país onde serviu com gosto desmedido. Ao invés de paz com os nossos vizinhos quer esse ministro intrometer-se na vida dos vizinhos, induzindo a um presidente também “meia-boca” em relações internacionais, quem sabe nos metendo numa “guerrinha” com a Venezuela, que pode ter a interferência de gente mais preparada, quem sabe Israel e EEUU do nosso lado e China e Rússia do outro. Quero estar fora desse apocalipse, adeus.
*Marco Regis de Almeida Lima é médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003) - marco.regis@hotmail.com