Publicado em 29/11/2019 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação
Não se faz esconjuração de demônios sem alguns atributos, principalmente a aplicação da fé. Também fica evidente que os espíritos são invisíveis e não podem ser expulsos no tapa. Existe todo um ritual para a sua expulsão do corpo físico da pessoa em que ele está incorporado e atazanando a vida do sujeito de quem ele se apossou. Ao que parece, as profecias do final dos tempos estão sendo cumpridas, porque o nosso mundo está cada vez mais insuportável. Esse desconforto pode estar sendo observado e sentido do ponto de vista climático, pois os fenômenos da natureza estariam se exacerbando. Ou em outra perspectiva: estariam sendo mais notados e catastróficos devido à absurda carga populacional planetária? Os espíritas kardecistas previram todas essas alterações em decorrência de uma suposta verticalização do eixo da Terra, condição esta que não vemos reconhecida por parte de ambientalistas, meteorologistas, de outros cientistas, muito menos pelos habitantes do setentrião ou pelas expedições de estudos meridionais, no coração da Antárdida.
Não bastando todos esses transtornos, a desorientação das pessoas as tem tornado implacavelmente agitadas, ansiosas ou depressivas. O convívio humano vem se degradando, em grande parte pela tendência isolacionista das pessoas, que não desgrudam de seus celulares ou tablets, ou por ações deletérias no cérebro provocadas pelo uso de drogas ilícitas, que se disseminaram por todo o tecido social. Serão sopros demoníacos os incitadores e causadores de desagregação e agressividade nas famílias, nas comunidades e em toda a nossa sociedade?
Muitos dirão que nada melhor explicaria isso tudo do que o afastamento do Homem de Deus. Porém, em nome de Deus, judeus e muçulmanos se digladiam no Oriente Médio. Em nome de Deus se construiu o fundamentalismo religioso norte-americano, que se extrapolou mundo afora no afã de impor seus valores religiosos e culturais, resultando na destruição de outros povos como se viu no Iraque e na Síria. Na era medieval, em nome de Deus, não sei dizer se todas, pelo menos algumas das Cruzadas agiram com crueldade como consta do livro de Amim Maalouf, editado na França, em 1983, citado na Revista Fórum / Blog do Mouzar Benedito, em 30-7-2015. Reproduz o blogueiro que os cristãos das Cruzadas, ao tomarem Aleppo, na Síria, teriam feito uma carnificina, não poupando os soldados inimigos, nem mulheres e crianças. Entretanto, quando o maior herói do mundo árabe, Saladino, ou Salah Al-Din Yussuf ibn Ayub, um curdo nascido em Tikrit, no Iraque, que tornou-se Sultão do Egito e da Síria, recuperou Allepo, teria tratado os cristãos com generosidade, evitando matar os prisioneiros. Mesmo assim, em lutas posteriores, o Rei Ricardo, Coração de Leão, da Inglaterra, havido como bondoso no Ocidente, teria matado impiedosamente os muçulmanos, incluindo mulheres e crianças. Também, em nome de Deus, a Santa Inquisição Católica sacrificou cerca de 50 mil hereges entre o período medieval e o início da Era Moderna.
Apesar de toda a evolução civilizatória, apesar da marcha da Igreja Católica para o ecumenismo, apesar do Brasil estar inserido nessa rota evolutiva nos últimos 30 anos, eis que o nosso País se depara com ameaças institucionais. Está sob o perigo de disparos verbais do atual Presidente Jair Bolsonaro, de seus influentes filhos eleitos pelo povo do Rio e de São Paulo (Carlos, Flávio e Eduardo), de ministros como Paulo Guedes (Economia), Ernesto Araújo (Relações Extreriores), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), do próprio General Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e até de outros assessores de menor “status”. Envolvendo a todos eles, existe uma não menos agressiva bancada parlamentar, policialesca, composta de Delegados, Militares das Forças Armadas e Policiais Militares de diversos estados, alem de uma bancada evangélica fundamentalista, todos ruidosos parlamentares, intransigentes nas suas convicções, por sinal atrasadas e reacionárias. Palavras engendradas e engenhosas, sempre ameaçadoras à Democracia é o que não falta neste timaço efervescente. Há dias o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro (ex-PSL/SP) ameaçou a oposição esquerdista com a aplicação do AI-5, não muito diferente da ameaça de mandar fechar o Supremo Tribunal Federal apenas com um jipe, um cabo e um soldado. Nesta semana, o Ministro Guedes, em reunião nos Estados Unidos da América, se perdeu na mesma ameaça do AI-5. Entre suas idas e vindas entre essa advertência e defesa da Democracia, improvisou um inconvincente mini-discurso.
ATOS INSTITUCIONAIS (AI.s) foram dispositivos autoritários dos quais se serviu a Ditadura Civil-Militar de 1964/1985 para a consecução dos seus objetivos. Foram do AI-1 até o AI-17. No AI-1, de 9 de abril de 1964, editado pela Junta Militar Governativa que usurpou o Poder do Presidente João Goulart (General Costa e Silva, Almirante Augusto Rademaker e Brigadeiro Correia de Melo) foram convocadas eleições indiretas para eleger um militar Presidente da República, fixando-se seu mandato até 31-1-1966. Através dele foram cassados políticos e demitidos servidores públicos federais, num total de 102 atingidos, dentre eles altos oficiais militares; ex-presidentes da República como Jânio Quadros, João Goulart e Juscelino Kubitscheck; além de governadores como Miguel Arraes/PE, Leonel Brizola/RS e Mauro Borges/GO; dirigentes de órgãos do governo como o General Osvino Ferreira Alves, presidente da Petrobrás; João Pinheiro Neto, presidente da Superintendência da Reforma Agrária. Foi esse mesmo que legalizou a posse do “eleito Presidente”, pelo intimidado Congresso, Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. No preâmbulo do AI-1, a Junta se conceitua como um “movimento civil e militar”. A preservação do Congresso Nacional era para dar ares de governo democrático fora do Brasil.
Os atos institucionais, do AI-2 ao AI-4 foram baixados no mandato provisório de Castelo Branco. No de Nº2 são extintos os antigos e bem consolidados partidos políticos, como PSD, PTB, UDN, PSB, PSP, PRP, PST e outros, criando-se um partido situacionista, que podia ser dividido até em três, cuja finalidade era abrigar os antigos adversários nos municípios e nos estados dentro do mesmo guarda-chuva da Ditadura. Foi assim em todo o País, não sendo diferente em Muzambinho onde ferozes adversários do antigo PSD (pica-paus) e da UDN (tucanos) se filiaram no Partido da Ditadura, a ARENA - Aliança Renovadora Nacional - ficando uma minoria no MDB, partido criado pelo Sistema para abrigar a Oposição, dando ao Brasil a falsa imagem de democracia. Pelo AI-2 ainda foram cassados mais 40 deputados federais e senadores e expulsos 122 oficiais das Forças Armadas. O de Nº 3 tornou indiretas também as eleições para governadores, prefeitos de capitais estaduais e de cidades turísticas ou estâncias hidrominerais. O de Nº 4 convocou o Congresso Nacional para votar e promulgar a Constituição de 1967, elaborada por juristas escolhidos a dedo.
Enfim, o AI-5, onde o Regime tirou a máscara democrática, assumindo de vez a excepcionalidade. Em 13 de dezembro de 1968, na minha “república estudantil”, na Av. Brasil, bairro de Sta. Efigênia, na capital mineira, onde morávamos em dez universitários, ouvimos pelo rádio, n’A Voz do Brasil, todo o teor desse Ato das Trevas, que fechou a Câmara Federal, o Senado e as Assembleias Legislativas estaduais, dando fim ao instituto do “habeas corpus’, acabando com o direito de reunião, impondo o toque de recolher quando fosse necessário. Interessante ressaltar que um punhado de parlamentares corajosos, do partido governista da ARENA, se rebelou em contrário ao AI-5, na defesa da democracia. Vale a pena a citação dos que assinaram o Manifesto dos Senadores Dissidentes: o gaúcho e Presidente Nacional da ARENA, senador Daniel Krüger, acompanhado de OUTROS SENADORES como MILTON CAMPOS, ex-governador de Minas Gerais, pela UDN (partido articulador do Golpe Civil-Militar através do governador Magalhães Pinto-MG); CARVALHO PINTO, ex-governador de SP; Major NEY BRAGA, ex-governador /PR; Rui Palmeira/AL; ARNON DE MELLO, ex-governador / AL, pai do ex-Presidente Collor de Mello; KONDER REIS, ex-governador / SC ; Tte-Cel Gilberto Marinho/RJ, ex-presidente do Senado; EURICO REZENDE, mineiro de Ubá e ex-governador / ES; o médico e ex-Ministro da Saúde de Jango Goulart, MANUEL CORDEIRO VILAÇA /RN; o advogado e ex-Vice Governador / CE, WILSON GONÇALVES; o ex-Vice governador de AL, TEOTÔNIO VILELA; o jornalista, VITORINO FREIRE / MA; o médico e jornalista, CLODOMIR MILLET / MA; o médico e ex-governador CE, VALDEMAR ALCÂNTARA; o médico JOSÉ CÂNDIDO FERRAZ / PI; o militar e ex-governador / AC, JOSÉ GUIOMARD; o engenheiro e ex-governador de Sergipe, LEANDRO MACIEL.
A defesa dessa imundície é que está na boca de gente anti-democrática, autoritária, no exercício da Política ou fora dela. Os perseguidos, presos, torturados, mortos ou desaparecidos nem sempre eram gente esquerdista ou comunista, como gostam de forçar a barra. Pode o leitor observar a qualidade dos dissidentes que relacionamos; pode observar que nem todos cassados e perseguidos políticos eram de esquerda. Tal como Juscelino Kubitscheck, um presidente otimista, carismático, desenvolvimentista, que por duas vezes perdoou / anistiou militares que fizeram rebeliões contra o seu Governo - as famosas rebeliões de Jacaré-Acanga e Aragarças - nem assim ele escapou da humilhação de ser ouvido em inquéritos militares, um deles por quase 12 horas seguidas, até morrer num desastre de automóvel não bem esclarecido na Rodovia Dutra. Enquanto isso, o Presidente deposto, João Belchior Marques Goulart morria de “doença do coração” na sua fazenda na Argentina, onde estava exilado, mas, sob suspeita de envenenamento; outro líder que participou do golpe, como governador do antigo Estado da Guanabara, o jornalista Carlos Lacerda / UDN, teria morrido “do coração”. Coincidência ou não eles articulavam no Exterior uma Frente Ampla para combater o regime ditatorial. Os três morreram num intervalo de 10 meses, entre 1976/77, época em que florescia a Operação Condor, em que ditaduras da Argentina, Brasil, Chile e Uruguai colaboravam entre si na detenção e extermínio de presos políticos, que fugiam de um desses países para outros.
Eduardo Bolsonaro era bebê de hum ano quando findou nossa ditadura. Criado dentro das narrativas esquizofrênicas do pai, de perseguido ao invés de perseguidor, deveria ele ser mais sensível, medindo o sofrimento de quem foi vítima do AI-5. Existe abundância de livros e depoimentos a respeito de quem passou pelas sevícias em prisões escabrosas. O Presidente é um inarredável defensor da tortura, dando essa crua demonstração de crueldade no dia em que a maioria golpista da Câmara dos Deputados votou pela abertura do processo de “impeachment” de Dilma Rousseff. Seu voto foi recheado de homenagens a um repugnante torturador, o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Outro destacado torturador foi o paulista Delegado Fleury. Mas, existiam fascínoras com essa índole por todos os cantos do Brasil. Até hoje há resquícios daquele obscuro período. Esses e outros espíritos maus devem, vez por outra, se incorporarem em todos aqueles desalmados, mesquinhos e ignóbeis simpatizantes do AI-5.
O AI-5 é um defunto fétido e decomposto, mal enterrado. Não tem a menor valia, pois um Presidente cristão, luterano, Ernesto Geisel, o penúltimo do Ciclo Militar, que, em nome “de abertura lenta, gradual e progressiva”, deu fim a todos atos institucionais e complementares, dando destinação à revogação desse lixo autoritário, através do Art.3º da Emenda Complementar Nº 11, de 13 de outubro de 1978, assim escrita: “ EC nº11, de 13/10/1978 - Altera dispositivos da Constituição Federal de 1967 - Art. 3º - São revogados os Atos Institucionais e Complementares, no que contrarie a Constituição Federal, ressalvados os efeitos praticados com base neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial”. Para aqueles ainda possuídos pelo maligno do AI-5, rogamos Fé, autoridade e perseverança para o seu exorcismo, porque pelos verdadeiros cristãos foi decretado que DITADURA NUNCA MAIS.
*Marco Regis é médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003)