Publicado em 16/04/2021 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação
Pessoas néopolitizadas, que discutem política pelas redes sociais com
muita veemência, carentes do beabá da Democracia, clamam pelo afastamento de
ministros ou pelo fim do nosso STF – Supremo Tribunal Federal – bem como pelo
fechamento do nosso Congresso Nacional, em manifestações de rua com esse matiz
antidemocrático. São tão entendedores de política que catalogam o Governador
João Dória, o Governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witsel, o
ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e tanta gente mais da
Direita como comunistas. Não têm a menor noção do que seja a diversidade de
pensamento e o que pode representar um espectro de agremiações partidárias, se
bem que haja um exagero delas no Brasil. Nem percebem eles que nesse seu
fanatismo, junto com parte das suas lideranças no atual Governo da República,
propensos a uma ditadura, são sem sombra de dúvida uma extrema-direita que
vivia camuflada. Engalanados pelo verde-amarelo se acham os únicos patriotas e
detentores do monopólio dos símbolos nacionais. Talvez seja para esses que
tenhamos que explicar o que é uma CPI e suas finalidades, pois, deve estar
sendo traumático para eles a ora instalada CPI para apurar ações e omissões do
Governo Federal na pandemia da CoViD-19, bem como a destinação dos recursos
federais a Estados e Municípios.
CPI é uma sigla genuinamente brasileira, significando Comissão Parlamentar de Inquérito, muito embora o instituto jurídico-político tenha nascedouro na Inglaterra. Na monografia apresentada como requisito final para a conclusão do Curso de Direito do Centro Universitário de Belo Horizonte, UNI-BH, em 2005, Cristiano Carvalho de Almeida Lima, consultando e citando extensa bibliografia a respeito das CPIs, apresenta histórico, conceitos, análises e conclusões de diversos autores, da qual lhe pedi permissão para inserir neste artigo. Neste sentido, acima afirma ele ser a Inglaterra o berço das CPIs, ficando dúvida qual foi a data desse nascimento. Continua, na monografia, que autores como Plínio Salgado e Medina Rúbio, citando F. Santaolalla falam dessa origem no século XIV, nos reinados de Eduardo II e Eduardo III, o que viria subsidiar a Carta dos Direitos, a “Bill of Rights” do século XVIII. Em livro de Francisco Rodrigues da Silva “a criação e instalação formal da primeira CPI datam de 1571, na Inglaterra”.
Da mesma monografia se extrai que tanto a Constituição do Império do
Brasil, de 1824, como a primeira Constituição da República, de 1891, não
introduziram nenhum dispositivo sobre CPIs. Esse instituto vai aparecer somente
no Art.36 da Constituição brasileira de 1934, na Era Vargas, mas como
prerrogativa somente da Câmara dos Deputados. Na Lei Maior do Estado Novo, de
1937, Agnaldo Costa Pereira, pesquisando os Anais do Congresso Nacional,
detectou meia dúzia de CPIs naquele período. Na Carta Magna da redemocratização
do País, de 1946, segundo Cristiano, a atribuição de CPI é estendida também ao
Senado Federal.
Não posso deixar de mencionar que dentre os 35 deputados federais
mineiros eleitos no pleito de 1945, que elaboraram a Lei Suprema pós-Estado
Novo, em 1946, estavam o muzambinhense Licurgo Leite Filho (UDN, eleito com
8.444 votos) e Carlos Coimbra da Luz, com ligações familiares com Muzambinho,
referenciado como sendo de Três Corações (PSD, eleito com 24.855 votos).
Na Carta Constitucional do Ciclo Militar, de 1967, o Art.37 rezava a
formação de comissões de inquérito pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal, em conjunto ou separadamente, “sobre fato determinado e por prazo
certo, mediante requerimento de um terço dos seus membros”. Finalmente, na
Constituição Cidadã vigente, promulgada em 5 de Outubro de 1988, está escrito
no Art. 58 :
§ 3º -
As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das
respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço dos
seus membros para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas
conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova
a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
Em resumo, as CPIs são comissões temporárias, isto é, com prazo
determinado para a conclusão dos trabalhos, podendo ser prorrogadas por igual
período caso necessário. Devem ser formadas mediante requerimento da terça
parte dos seus membros, devendo apurar determinado fato. Muitas vezes são elas
formas constitucionais de manifestação das minorias oposicionistas.
Um
despropósito e hilário foi a CPI aberta contra mim, ao final do meu 1º mandato
de Prefeito, ou seja, na semana seguinte em deixei o cargo, portanto, no início
de 1993, que dizia mais ou menos assim: “Fica aberta CPI para apurar no prazo
de hum ano denúncias contra a administração do Prefeito Marco Regis”. Percebam
a gafe: não havia um fato determinado para ser apurado e o período extrapolou a
razoabilidade. Não me consta que tenha havido alguma denúncia, pois a CPI nasceu
morta. É bom lembrar que dois advogados compunham o Legislativo muzambinhense
de 1993/96.
No ano passado, correu CPI na Câmara Municipal de Muzambinho contra a
gestão do Prefeito Sérgio Esquilo cuja finalidade foi a apuração de aterramento
e elevação da Rua Capitão Heliodoro Mariano, que causou danos aos moradores de
um dos segmentos dessa via pública e supostos danos à administração
municipal. O Relatório Final foi
encaminhado ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas do Estado
(TCMG), porquanto as CPIs não têm o poder de julgamento, apenas de
investigação, passando suas conclusões para a Promotoria de Justiça e os
respectivos tribunais de contas.
Em determinadas situações, pode o Legislativo, numa decisão como um
todo, não a CPI, pedir o afastamento de um prefeito, governador, até do
Presidente da República, enquanto se desenrolam os trabalhos da comissão
sindicante. Por essa razão, falamos antes nesse instituto como jurídico e
político, porquanto pesa muito a composição partidária do Legislativo, tanto na
composição de uma CPI como num processo de cassação de um Executivo.
Nem sempre uma comissão de inquérito se forma para a fiscalização e
investigação de uma administração. Eu mesmo, num dos meus mandatos de deputado
estadual, fiz parte da CPI do Narcotráfico de Minas Gerais. Foi uma época de
muito trabalho, muita tensão e de muito aprendizado, inclusive pela nossa
convivência com delegados da Polícia Federal, com o acompanhamento do nosso
trabalho por parte de um promotor de justiça estadual, além de reuniões com
especialistas no tema das drogas. Em algumas das nossas audiências até prisões
foram decretadas pela nossa CPI, nas mais diversas que realizamos na Capital e
no interior do Estado. Nela conseguimos a proeza de obter o afastamento do
Secretário de Estado da Segurança Pública, acusado que era pela CPI de estar
associado à chamada banda podre policial do Estado.
No caso da CPI ora instalada em Brasília, oxalá ela venha aclarar muitos
boatos e denúncias que correm não somente pelas redes sociais, mas, no próprio
Congresso Nacional, acusando governadores e prefeitos de praticarem corrupção
com dinheiro enviado a eles pelo Governo Federal, bem como de colocar pingos
nos “is” sobre questões como as disputas entre o governo central e os de alguns
estados, sobre vacinas e o desabastecimento de oxigênio e remédios. Apesar
disso, tal CPI não tem a prerrogativa de intimar ou convidar governadores e
prefeitos, porque, pelo princípio federativa essa atribuição é das Assembleias Legislativas ou das Câmaras Municipais.
(1995/98; 1999/2003) *marco.regis@hotmail.com*