Tributo ao tribuno Adônis Galileu

Publicado em 14/08/2020 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação

Tributo ao tribuno Adônis Galileu

Adônis, segundo o Dicionário de Nomes Próprios, vem da palavra semita Adonai, “meu senhor”, embora seja mais conhecida da mitologia grega como “jovem belo”, que despertou paixão em Afrodite, a deusa do Amor. Já Galileu, segundo explicações contidas no blog cristão “estiloadoracao.com”, ou, no sítio eletrônico da 6ª Região Eclesiástica da Igreja Metodista, ou, ainda na “wikipédia”, é um adjetivo gentílico ou pátrio, relativo às pessoas oriundas da Galileia, uma região do Oriente Médio, norte da Palestina. Distava uns 100 km da antiga Judeia. “Galileus não eram somente os habitantes de determinada região geográfica, mas, pessoas simples, generosas, piedosas, nacionalistas e intempestivas”. Segundo a Bíblia Sagrada, José e Maria viviam em Nazaré, cidade da Galiléia, onde Jesus foi criado, embora ele tenha nascido em Belém na Judéia, para onde José e Maria se deslocaram para o Recenseamento decretado pelo Imperador Romano César Augusto. As pessoas participavam do Censo nas suas cidades de origem. Belém era da Casa e Família de Davi, da qual José era descendente. Tudo a ver com o significado do nome composto recebido pelo nosso personagem por parte de seus pais, o saudoso casal muzambinhense, Geraldo Magela dos Santos, conhecido por Geraldo Cassiano, e Ana Teixeira dos Santos, Dna. Donica.

Adônis Galileu dos Santos era o primeiro da chamada nominal nos nossos bons e velhos tempos de ginasianos no Colégio Estadual de Muzambinho. Com tanta gente compondo a turma, com nomes começados pela primeira letra do nosso alfabeto, foi o “pole position” do primeiro ao quarto ano ginasial. Uma condição difícil estar à frente de Almerinda Vieira, Ana Mercês Pereira, Anésio de Souza e Silva, Antero Costa Filho, Antonio Siqueira Viana, Antonio Zoroastro de Matos e Aparecida Benjamim, embora   próximo de Bernadete Maria Pereira, de Brasilino Tito Pereira, de Darnley José Campedelli e de Delze Aparecida Viana. Porém o meu nome e de outros iam ficando um pouco mais distantes do dele, dando tempo para que calibrássemos a entonação do “presente” cobrada pelos fulgurantes e severos mestres, das décadas de 1950/60, um áureo período do ensino muzambinhense. O prenome Adônis transpunha, dentre outros, Heloisa Helena de Souza, José Antonio Araújo, Jordelina da Silva, José Carlos Riboli, José Vilela Pinto, Luiz Carlos Santos Neves, Luiz Gonzaga del Gáudio, Maria Luiza Ribeiro, Marco Regis de Almeida Lima, Maria Aparecida Batista, Maria de Lourdes Ferreira Carvalho, Maria Santina Rossi, Messias Gomes de Melo Júnior, Nélio Américo Anderson, Neuza Maria de Magalhães, Nívea Terezinha Cerávolo Rezende, Pedro Pioli Neto até os extremos finais com Stela Maris de Magalhães e Ubirajara de Melo.

Depois da formatura dessa turma, veio a primeira encruzilhada a nos separar: a escolha entre o Curso Clássico, o Magistério e o Curso Científico. Particularmente, segui os três anos seguintes no Científico, junto e apenas com o Darnley, o Zé Riboli e o Santos Neves. Adônis optou pelo Clássico, que o levaria para uma carreira profissional de humanidades. Certamente que o Direito já o empolgava, pois, um acontecimento nos Estados Unidos tornou-se mundial, contagiando até a nós, jovens estudantes muzambinhenses: no Estado da Califórnia havia um condenado, Caryl Chessman, no corredor da morte desde a sua condenação em 1948, por supostos crimes de roubo, sequestro e estupro na região de Hollywood. Sua execução vinha sendo adiada por dezenas de recursos feitos junto a juizados inferiores, ao Superior Tribunal da Califórnia e à Suprema Corte dos U.S.A., até ao Governador daquele Estado, quando tudo se esgotara na Justiça.  O assunto ganhou notoriedade porque nunca houve provas cabais da autoria dos delitos, sendo que Chessman cursou Direito dentro da prisão de San Quentin, chegando a fazer sua própria defesa, além de ter escrito livros a esse respeito. Havia estudantes muzambinhenses, dentre eles Adônis, que defendíamos nem tanto o bandido, mas, sim, a extinção mundial da Pena de Morte justamente pelo seu caráter primitivista, bem como pela possibilidade de erro judicial, matando alguém que pudesse ser inocente e que, no caso, nem assassino era. Depois de anos de batalhas nos tribunais, sob forte comoção mundial, Chessman foi morto na câmara de gás. Grande parte do nosso Colégio, incentivado pelo nosso grupo, usou uma tarja preta na manga esquerda da camisa do uniforme escolar, durante três dias, em sinal de luto. Este é um caso emblemático contra a Pena de Morte e tema ainda atual nos estudos do Direito. Sugiro um artigo para releitura deste assunto, de 19 de dezembro de 2005, no “site”: jus.com.br/artigos/7732/a-execucao-de-caryl-whittier-chesman. Nesse artigo existe extensa bibliografia sobre o caso, inclusive do livro Casos Criminais Célebres, de DOTTI, René Ariel; ou de artigos de juristas como Nelson Hungria, Clemente Hungria e D’URSO, Luiz Flávio Borges. 

Embora a televisão não tivesse chegado a Muzambinho, o rádio e os jornais impressos eram nossa fonte de informação. A juventude daquela época era antenada nos acontecimentos nacionais e internacionais, num mundo então dividido entre duas potências: Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Não somente éramos bem informados, tínhamos convicções políticas, religiosas e sociais. Adônis, por exemplo, já idealizava um mundo multipolar e fora da polarização de então, que nos mergulhava em permanente tensão, principalmente o medo de uma guerra nuclear. Sua pregação era “nem rublo nem dólar”, em alusão às moedas russa e norte-americana, por conseguinte a construção de uma terceira via que fosse mais benéfica à humanidade.

Repetindo, conforme o parágrafo anterior, que, sem que a TV tivesse chegado a Muzambinho, era o cinema nossa grande fonte de lazer e de cultura. Mas, era pago, nem todos podiam frequentá-lo quase todos os dias. Então, havia outro grande espaço de diversão que era a Quadra de Esportes do Colégio, no coração da Avenida Américo Luz, a mesma que ainda hoje sobrevive. Ali, não se praticava só a Educação Física da grade escolar, mas, eventos culturais ou esportivos, tipo o futsal, o handebol, o voleibol e até o basquetebol. Pois bem, desde 1962, Adônis Galileu dos Santos tinha sido eleito e reeleito, em eleições colegiais amplas e secretas, para o cargo de Orador do Grêmio SALCEM – Social, Artístico e Literário do Colégio Estadual de Muzambinho. Em meados do ano seguinte, o da nossa despedida como alunos do Colégio, fomos eleitos para um mandato que não se completaria, sob contrariedade do então Diretor, Prof. Reinaldo Benassi, justamente, porque iríamos concluir nossos cursos em definitivo no fim do ano. Comigo na Presidência do Grêmio, com outros companheiros, mas, sobretudo com o entusiasmo e o assíduo trabalho de Adônis junto à comunidade muzambinhense, construímos uma obra que o Estado de Minas Gerais foi incapaz de fazê-la: dotar a Quadra do Estadual com moderna iluminação, que fizesse jus à importância que ela então representava para o ensino, o esporte, à cultura e o lazer de Muzambinho. Com apoio da Prefeitura, de contribuições de cidadãos e do comércio local e de arrecadações com jogos e festas, concretizamos o nosso intento, inaugurando esse feito em novembro de 1963. Segundo o escritor Amir Álem Aquino, no seu livro Personalidades, Histórias de Vidas, Editora Legis Summa, 2010, pgs. 136/37 “A iluminação, ou melhor, a ‘escuridão’ anterior foi jogada ao chão; nem mesmo os postes antigos (de canos de ferro) foram utilizados. Tudo novo em folha. (((com a permissão do Amir vou fazer um adendo: com postes de cimento construídos pelos alunos e colocados em moldes de madeira no antigo almoxarifado da Prefeitura, onde hoje funciona o Supermercado São João, ex-Lojas Irmãos Santini de Materiais de Construção. Durante alguns dias, a fim de não trincarem, eles teriam que ser regados com água de manhã e à tardinha, quase sempre missão para Adônis e Marco Regis))).  E, assim, em aproximadamente cinco meses, a quadra passou a ter uma iluminação decente. Esta iluminação durou quase trinta anos, até o dia em que a quadra foi coberta e teve de ser substituída por outra que se adequasse ao formato da sua cobertura”.

Somente voltaria a ter contato com o antigo colega de Ginásio e companheiro de atividades no Grêmio SALCEM numa passagem por Curitiba, dois anos depois, aonde ele já cursava Direito na Universidade Federal do Paraná e eu prestava um dos meus inumeráveis concursos vestibulares em escolas federais de medicina.  Aliás, não foi mero contato, ele me hospedou por cerca de uma semana, com toda lhaneza e alegria que nele transbordava. Sua casa em Curitiba, na Rua Duque de Caxias, 47, era uma verdadeira Embaixada de Muzambinho, que recebia, abrigava e encaminhava os emigrantes muzambinhenses. Meu irmão, Milton Vânius de Almeida Lima, radicado em Curitiba há mais de 50 anos, foi ajudado por Adônis em todos os sentidos. Melhor seria o leitor deste semanário acessar o “Facebook” e clicar naquela “lupinha” que aparece quando você abre o começo da sua página nessa rede social, digitar publicação do Milton (nome completo) sobre Adônis Galileu dos Santos, de 22 de julho de 2020, a qual contém o depoimento pessoal do meu mano, com dezenas de variados comentários acerca de tão notável personalidade, e quase duas centenas de curtidas. Posso acrescentar que não fomos somente eu e meu irmão os beneficiários de Adônis. Com a ajuda do Milton lembro: os irmãos Moraci (nosso companheiro de Grêmio, já falecido), José Sobrinho (economista) e Bolívar; o Iran Vieira (odontólogo, que é irmão de Vonzico, Ivan e Dr.Ivonaldo); o apresentador esportivo de TV, Milton Neves; os irmãos Gonçalves, tios do nosso pré-candidato a Prefeito, Murilo Bueno Gonçalves, especificamente, o Nélio (hj em MZB), o Luís Alberto (advogado) e João “Rato” (economista); além de Laércio (de Sta. Rita de Caldas, agrônomo). Como se vê o nosso amigo Adônis foi de fato um benfeitor, não somente neste sentido, mas em obras sociais desenvolvidas na religião Espírita e na Loja Maçônica Apóstolos da Caridade, de Curitiba, da qual era integrante e que lhe prestou homenagem póstuma em 28/7/2020, cujo texto foi publicado à página 8 d’A Folha Regional, de 31 do mês passado.

MUZAMBINHO e ESTE JORNAL não poderiam lhe faltar com algumas destas lembranças nem com o sentido abraço de consternação a todos seus familiares, neste momento de luto pela morte de Adônis, especialmente aos irmãos que lhe sobrevivem: o Dr. Adjahyr dos Santos (Grande Curitiba), Dr.Ailton (São Paulo), Anilce, Armando Santos e Dr.Arnaldo Wágner, estes três em Muzambinho.

A todos os leitores, conclamo-os à realidade, utilizando os versos finais da poesia Vida e Morte, de Adalete Nunes Carvalho Lima, minha mulher: “Cá no topo bem aqui na divisa / A vida e a morte quase se resvalam / A morte fica na espreita da vida / Enquanto a vida os sonhos embala.

Sinto muito, Adônis, que o tumulto da vida e os caminhos divergentes dos nossos destinos e atividades, não me tenham podido lhe dizer tudo aquilo que aqui expressei nem que pudéssemos ter nos comunicado com uma frequência ao menos razoável. Perdão.


Marco Regis de Almeida Lima é médico, foi prefeito 

de Muzambinho (1989/92; e 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003)