Publicado em 01/02/2019 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação
Até quando vamos aceitar a lógica do
progresso e da prosperidade humana diante das imagens chocantes e pungentes
produzidas pelo recente desastre ambiental e humano ocorrido no município de
Brumadinho, na área metropolitana da capital de Minas Gerais?
Não quero ideologizar a tragédia como fruto da
ganância capitalista, pois, em 1986, um catastrófico acidente na usina nuclear
de Chernobyl, na Ucrânia, então território integrante da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, matou de pronto algumas dezenas de pessoas e, mais à
frente, causou mais mortes por câncer em estimativas sempre controvertidas.
Além disso, muitos descendentes dos vitimados nasceram com doenças congênitas e
genéticas. Um procedimento técnico malsucedido, uma falha humana, gerou um
superaquecimento de um reator e, em consequência, sua explosão. A
radioatividade espalhou-se por uma vastidão do leste da Europa.
Um outro acidente nuclear, em 2011,
certamente fruto do progresso combinado com um tsunami, decorrente de um terremoto,
atingiu a usina de Fukushima, no Japão, com funestos danos humanos e
ambientais.
Acima das ideologias, pretendo
destacar que o progresso humano tem sido fator de tragédias. O progresso sim,
tem negligenciado a vida humana, colocando a nossa espécie em permanente risco.
Ou não tem sido assim com os veículos automotores de transporte, quer sejam automóveis
de passeio, caminhões ou motocicletas? Sem falar nos grandes acidentes aéreos
que nunca pouparam países ou reinos, democracias ou ditaduras, capitalistas ou
comunistas.
A necessidade do emprego leva
as pessoas a se exporem às mais variadas atividades de risco. Muitas vezes sem
terem a percepção do perigo por acreditarem naqueles dotados de capacidade
técnica. Os equívocos cometidos pelos doutores da ciência têm levado
contingentes de trabalhadores ao morticínio e ludibriado os próprios gestores
das mais variadas iniciativas, particulares ou governamentais.
Entretanto, o trágico estouro
da barragem de rejeitos de Brumadinho não pode ser aceito como uma simples
fatalidade. De antemão, o progresso precisa estar apoiado em meticulosos
detalhes. Poder-se-ia até aceitar como improvável a ruptura da barragem, tê-la
como segura e resistente. Mas, nunca poderia o homem subestimar as
surpreendentes forças da natureza. Como ignorar a possibilidade de uma tromba
d’água, ou de um terremoto, capazes de transbordar a sua capacidade ou de provocar-lhe
rachaduras? Não foi este o caso. Mesmo
assim, como foi permitida a construção de prédios administrativos,
restaurantes, residências e hospedaria na rota de um provável e inevitável
estouro das águas ou dos rejeitos de minério? Pior, ainda, a inexistência ou
ineficácia de um sistema de alarme, que pudesse ao menos dar uma chance de
alerta aos funcionários, moradores e turistas? Pois tudo isso aconteceu sob o
precedente do rompimento da barragem de Fundão, não muito longe dali, em
Mariana, três anos antes. Ambas durante o dia. Lá se fazia presente a mesma
empresa mineradora de agora – a Vale – além da sua parceira australiana, a BHP
Bilinton, ambas tidas como o “top 4” das maiores mineradoras do planeta, ambas
controladoras da principal empresa responsável por Fundão, a Samarco.
Lamentável sob todos os
aspectos tem sido a atuação de alguns parlamentares, tanto na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais como na Câmara Federal, que detonaram ou
engavetaram o andamento de projetos de lei tratando do aprimoramento da
prevenção de acidentes com barragens, ou da autorização para a sua construção
ou desativação. Este tem sido um entrave no funcionamento dos nossos
parlamentos, ou vinha sendo, o financiamento empresarial de políticos oportunistas
e desonestos, neste caso daqueles a serviço das mineradoras. Muito eleitor que
se julga consciente e exigente tem sido conivente com essa corja.
Também lamentável é a
movimentação dos acionistas estrangeiros da Vale, nos Estados Unidos, que já se
mobilizam para o processamento de ações judiciais indenizatórias, sem respeito
algum pelas vítimas, neste período de resgate, verdadeiros abutres do dinheiro.
Tenho acompanhado dia e noite
o noticiário de Brumadinho. Aliás, no início da minha vida profissional convivi
com aquele povo humilde e trabalhador da cidade, dando plantões médicos no
único hospital da localidade. Tem me doído as constantes cenas de corpos
passeando pelo céu, içados nas redes dos helicópteros. Vidas, sonhos e
histórias interrompidas por um desastre que poderia ter sido evitado, ao menos
amenizado.
Porém, a vida que se esvai
atinge incontáveis espécies de animais e vegetais, ainda mais indefesos do que
o próprio homem. Nosso planeta estará sempre sujeito ao questionável progresso.
O crescimento da população humana, uma procriação irresponsável e incompatível
com as condições planetárias atuais, induz mais e mais a exploração dos nossos
recursos minerais, em todos os continentes. Crescimento demográfico que aumenta
os abismos sociais, que gera os conflitos migratórios da atualidade. Basta
desse falso progresso que não beneficia a humanidade no seu todo, apenas
parcela dela. Mas, que produz catástrofes dolorosas, que dizima vidas
traumaticamente, afetando a própria vida na Terra. Na fauna e na flora são
vidas sacrificadas pelo progresso.
*O autor é médico, foi prefeito de Muzambinho
(1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003) - marco.regis@hotmail.com