Publicado em 12/12/2019 - nilson-bortoloti - Da Redação
Um amigo, ao me ver no Banco com o meu traje habitual:
camiseta, bermuda e sandália, perguntou-me se eu me sentia bem usando tal
indumentária.
Senti na sua pergunta uma certa ironia, com ar de reprovação.
Afirmei-lhe que não só me sentia ótimo, como era o traje que passei a
usar, desde que me aposentei, sempre que o clima o permitisse (aliás, felizmente,
quase sempre é possível no país tropical em que vivemos).
Um outro amigo, este sem nenhuma malícia, quis
saber o que eu faria depois que me aposentasse. Xinguei-o de brincadeira: “Meu
amigo, trabalhei durante quarenta e cinco anos nas atividades mais difíceis que
os desafios da vida me impôs e você quer me arrumar mais trabalho?!”
Efetivamente, trabalho, para mim, quase sempre, teve o sentido latino original da palavra, que
é “tripalium”, nome dado ao instrumento
de suplício, composto de três paus a que eram submetidos os escravos romanos,
que não produziam a contento as suas tarefas.
É claro que nem sempre foi assim. Muitas vezes, senti um grande
contentamento nas realizações das atribuições a mim acometidas.
Porém, uma das ojerizas que tinha era o de ter que utilizar roupas
completamente em desacordo com o nosso clima.
Invejava pessoas que, mesmo nas canículas, desfilavam engravatados, como
se tivessem acabado de sair do banho. Sr. Joaquim Teixeira era um exemplo. Por
nada tirava o seu terno de linho branco, impecavelmente passado e engomado.
Eu não era assim. Sofria
terrivelmente desde os tempos do ginásio, em que tinha que usar calça e camisa
de manga comprida cáqui com galões nos ombros e, ainda, para maior suplício,
gravata preta.
Mudei-me para São Paulo. A empresa em que trabalhava exigia terno e a
inescapável gravata. É bem verdade que ao chegar na empresa, pendurávamos o
paletó na cadeira. Alguns usavam do expediente como artifício para dar algumas
escapadinhas: “onde está fulano? “, indagava o chefe. “Não sei. Talvez no
banheiro. Mas ele já veio porque o paletó está pendurado na cadeira” (o colega
defendia o negligente empregado).Era o clássico exemplo do paletó substituir o
homem.
Algumas
vezes, o tal paletó ficava pendurado por dias a fio para camuflar a falsa
presença do funcionário.
Na
rápida passagem pela presidência, em 1961, Jânio Quadros, também adepto de uma
pauta de costumes- como o atual presidente- dentre as excentricidades
produzidas, proibiu as rinhas de briga de galo, o lança- perfumes e o biquíni
na praia. As duas primeiras “pegaram” porque eram medidas acertadas, a última
não, para gáudio das banhistas e dos voyeurs de praia.
Uma das
propostas do exótico presidente era de que a alta cúpula do governo, recém
instalada em Brasília, passasse a usar, ao invés dos costumeiros ternos e
gravatas, uma espécie de terninho safari, que consistia em uma camisa de manga
curta mais alongada com quatro bolsos e dois galões nos ombros. Não sei porque
os galões. Parecia coisa de militar. A calça era da mesma cor da camisa. Não
sei de ninguém, além do próprio presidente que passasse a se vestir assim.
Quando
estava na prefeitura , por necessidade do ofício, tinha que acompanhar da
tribuna, nas festas cívicas- como o dia da independência- vestido como pede o
formalismo do cargo, muitas vezes sob um sol escaldante.
De lá de
cima, via muitas pessoas de chinelão, bermuda e camiseta, passeando com suas
famílias. Pensava com os meus botões: este é o meu sonho de consumo. Algum dia
ainda hei de merecer isto.
Com este relato, não quero dizer que viva na vadiagem. Faço muita coisa porque entendo que o homem não foi feito para o sábado, mas sim, o sábado foi feito para o homem. As tarefas que executo, no entanto, não exigem trajes formais. Considero que tenha adquirido o direito, nas palavras de Rita Lee, de viver livre, leve e solto.
por: NILSON BORTOLOTI