Publicado em 09/03/2020 - paulo-botelho - Da Redação
Lucas, leitor desse Semanário reside, acho, que em Guaxupé.
Ele me endereça um E-mail de condolências pela morte recente de Isabel, minha
filha. - Sugere que eu continue escrevendo enquanto recupero o ânimo. Fico
muito grato pela consideração.
Há iluminações que proporcionam uma forma de pensar - e de
sentir.
Foi o escritor americano William Faulkner quem disse que
acender um fósforo, no meio da noite, em um acampamento, não permite ver nada
claro, apenas a escuridão em volta. A literatura faz isso mais que qualquer
coisa. Não ilumina mas, como o fósforo, permite ver o tamanho da escuridão.
Julio Cortázar, escritor argentino, procurava escrever sobre
coisas iluminadas, não obstante o tamanho da escuridão causada pela ditadura
militar que desabou sobre o seu país. Ele conta que, certa noite, ao caminhar
pelas ruas do bairro de Palermo, em Buenos Aires, viu uma moça sentada no chão
tocando violão e a cantar; certamente para fazer algum dinheiro. Um grupo de
rapazes escutava em silêncio. A certa altura, um deles se aproxima de Cortázar,
que também ouvia a moça. O rapaz tem um bolo na mão e diz: Julio, pegue um
pedaço para você. O escritor pega um pedaço e come. Agradece e fala: Muito
obrigado por me dar um pedaço de bolo. E o rapaz diz: Mas, escute, estou lhe
dando tão pouco em comparação com o que você já me deu! Cortázar, emocionado,
diz apenas: Não diga isso; abraça o rapaz e segue sua caminhada constatando que
foi a melhor recompensa que já tinha recebido pelo seu trabalho de
escritor.
E o meu cérebro, cansado computador, registra que somos
mesmo um país que continua a viver na escuridão; agora por conta de Bolsonaro e
seus serviçais. - É a demência estabelecida em forma de governo.
Paulo Augusto de Podestá Botelho é professor e escritor.
E-mail: papbotelho5@gmail.com