O CINZA DA DOR E DA MORTE

Publicado em 21/01/2011 - paulo-botelho - Paulo Botelho

Mais de 5.000 mortes e 25.025 incapacitados permanentes. Não é o saldo de uma guerra civil, mas o resultado de 428.072 acidentes de trabalho ocorridos em 2006 no Brasil, gerando custos da ordem de R$ 4 bilhões, conforme dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social. Os números dos anos seguintes não são nada melhores.
O que torna o trabalho tantas e continuadas vezes nocivo, perigoso e mortal? O trabalho em si não é nocivo, perigoso e muito menos mortal. O que o torna assim é a forma como ele é organizado pelas empresas, provocando fadiga, exaustão e doenças ocupacionais em seus funcionários. A maneira como os empreendimentos empresariais tratam os recursos naturais e o trabalho humano provoca uma série de efeitos indesejáveis no ambiente e na saúde das pessoas. Funcionários, moradores e consumidores são os principais prejudicados. Expostos a atmosferas contaminadas e a acidentes, os funcionários é que sabem como as empresas poderiam evitar os processos poluidores; as saídas ocultas de poluentes não tratados; a disposição clandestina de lixos tóxicos. As comunidades são as que mais sentem as consequências do uso de agrotóxicos, lixo químico, poluição da água, resíduos industriais, poluição do ar e contaminação dos alimentos. As enchentes anuais de janeiro e fevereiro mostram esse horror! 
Casos e mais casos de doenças ocupacionais aumentam o trânsito dos corredores hospitalares e Varas da Justiça do Trabalho.
Caso pungente e tragicômico ocorreu na cidade mineira de Nova Lima lá pelos anos 70. Existe em Nova Lima uma mina de ouro - a mina de Morro Velho - que viveu o seu período dito áureo e era propriedade de uma empresa inglesa. Os operários, nas entranhas da terra, perfuravam a rocha com suas brocas e picaretas e, dessa forma, respiravam durante anos nas galerias fundas a poeira de pedra que a operação de trabalho levantava. Sem nenhuma proteção, os mineiros, ao fim de algum tempo contraiam a silicose, causada pelo depósito do pó de pedra em seus pulmões desprotegidos. E a silicose, além de encurtar  a vida e a capacidade de trabalho, provocava uma tosse crônica, ôca, asfixiante e ressoante. Nas noites de Nova Lima, quando buscava repouso, a cidade era sacudida por uma trovoada surda e cavernosa que, vinda dos casebres operários, rolava em ondas recorrentes até ao redor da Serra do Curral, em Belo Horizonte! Era a tosse dos pobres, sintoma e denúncia da silicose que os roía. Os ingleses, perturbados em seu sono, ao invés de adotarem medidas eficazes contra a silicose, resolveram enfrentar o problema pelo ataque direto ao sintoma. Montaram lá uma fábrica de xarope contra tosse e que, ao mesmo tempo, produzia para o consumo dos colonizadores matéria prima para um guaraná. A fábrica andou de vento em popa, produzindo tonéis de xarope, vendido a preço baixo, mas não tanto que impedisse uma boa margem de lucro. Eles, dessa forma, uniram o útil ao agradável. O abrandamento da grande trovoada dos brônquios foi transformada em fonte de renda - e de sossego - permitindo aos súditos de Sua Majestade Britânica a possibilidade de um sono reparador!
Foi a silicose, intocada, de Nova Lima, trabalhando em silêncio. O silencioso destino de todos os pobres trabalhadores inconvenientes, doentes, mortos, cremados ou não. Não é ser branco ou preto, mas cinza. O cinza da dor e da morte!