Isolado em um tempo quase que interminável, por conta do Coronavirus, fico a lembrar de esquecimentos importantes que atribuo à desordem das rua da minha memória.
"Os meus pulmões estão endurecendo, mas preciso continuar com o trabalho: tenho fregueses para acudir". - Foi o que me disse Ildefonso, o dono de uma marmoraria situada na Freguesia do Ó - Cidade de São Paulo. Portador de Silicose irreversível, contaminou-se com Sílica, matéria prima utilizada em marmorarias e em siderúrgicas.
Orientei Ildefonso para que isolasse as fontes de poeiras emitidas pelas operações, umedecendo com bastante água todo o ambiente de trabalho, inclusive o ferramental utilizado. Todos os dias.
Quando lá voltei para checar o resultado, Ildefonso só faltou me beijar ao dizer que a orientação dada solucionou o problema. Entretanto, poucos meses depois, tomei conhecimento da sua morte aos 48 anos, vítima de Silicose.
Silicose é uma das tantas doenças do trabalho cada vez mais frequentes. É causadora da degeneração progressiva dos pulmões e do organismo como um todo.
Desde a Revolução Industrial, até poucas décadas passadas, apenas alguns cientistas, que não foram respeitados, alertaram sobre os perigos de contaminação e de desequilíbrio ambiental. - E a resposta, até hoje, é aquela surrada: "Temos que pagar o preço do progresso". - O preço inaceitável é o do risco de contaminação que consiste na difusão dos fatores patogênicos de produção. - Esse risco ocorre pelo emprego de materiais perigosos como Sílica ou Asbestos: contaminadores do ar, da água, do solo e dos seres vivos.
Milhares de trabalhadores têm sido contaminados e mortos. - Eles estão espalhados pelas ruas da minha memória. - É isso.
Paulo Augusto de Podestá Botelho é Professor e Escritor. Associado-Docente da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.