Publicado em 28/06/2018 - politica - Da Redação
Gestão estadual articula políticas
públicas contra o preconceito, com garantia de utilização do nome social, ações
sociais, de saúde, segurança pública, educação e outras
Aos
quatro anos de idade, Arthur, que nasceu menina, já não se sentia como tal.
Gostava de usar sunga, pegar sua prancha e ir para a praia. Aos seis, dizia que
seria um ótimo marido quando crescesse. Homem trans, hoje com 17 anos e
realizando a transição há dois, Arthur Banhato, que mora em Campo Belo, no
Território Oeste, conta que o processo foi difícil. “Não é fácil acordar todos
os dias, se olhar no espelho e perceber que este não é o corpo em que você
queria estar. É uma luta interna. Sofri muita humilhação e ainda luto para ser
aceito na minha família”, diz.
Na
véspera do 28 de junho, data em que se comemora o Dia do Orgulho LGBT, são
celebrados avanços em políticas públicas. Em Minas Gerais, a criação da Secretaria de
Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac), em
2015, foi uma iniciativa para reforçar o compromisso com as políticas de
promoção e proteção de direitos humanos. Desde que foi criada, a Sedpac articula
políticas públicas e ações educativas contra o preconceito ao público LGBT,
muitas delas em parceria com outras secretarias e órgãos estaduais.
Ainda
assim, o preconceito, a discriminação e o desconhecimento são algumas das
barreiras ainda enfrentadas pela população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, mulheres transexuais e homens trans). Dados da Secretaria
Especial de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos provam que a
população LGBT continua vítima da violência. O Disque 100, serviço da
secretaria destinado a receber demandas relativas a violações de direitos
humanos, recebeu 1.720 denúncias de LGBT em 2017, número 41% maior se comparado
a 2014, por exemplo.
Na
Sedpac, há um trabalho permanente para enfrentar essa realidade. Dentro da
secretaria, a Coordenadoria Especial de Políticas de Diversidade Sexual
tem por finalidade incentivar, apoiar, coordenar, acompanhar e articular as
ações de promoção e proteção dos direitos LGBT no Estado.
“Queremos
mostrar para todos como podemos vencer esse preconceito. Nosso objetivo é
trazer visibilidade para essa população e construir políticas públicas
afirmativas. A pauta é transversal e intersetorial no Governo. Ela está
centrada na Sedpac, mas é responsabilidade de todos”, destaca o coordenador de
Políticas de Diversidade Sexual da Secretaria, Douglas Miranda.
Um
importante passo tomado pelo Governo de Minas Gerais contra a discriminação foi
a garantia, por meio da Resolução SEE nº 3.423, publicada em maio de 2017, da
utilização do nome social por estudantes da rede estadual pública de ensino.
Antes da publicação, nos anos de 2015 e 2016, a Secretaria de Estado de
Educação (SEE) havia registrado apenas oito solicitações de uso de nome
social nas escolas estaduais. Entre 2017 e 2018, até o momento, já foram
registrados 94 pedidos.
“A
Resolução dá autonomia para a escola registrar os alunos no sistema utilizando
o nome social. As escolas devem reconhecer e garantir a adoção do nome social
àquelas pessoas cuja identificação civil não reflita sua identidade de gênero”,
explica a coordenadora de Educação em Direitos Humanos e Cidadania da SEE,
Kessiane Goulart Silva.
Arthur,
que utiliza o nome social na Escola Estadual Padre Alberto Fuger, em Campo
Belo, onde cursa o 3º ano, diz que conta com a compreensão dos amigos da escola
e dos professores. “Sou o único transexual da escola, mas sou muito respeitado.
Todos me chamam pelo meu nome”, acrescenta. Ele diz que há dois anos vive os
melhores dias de sua vida. “Aprendi a viver com autonomia. Hoje tenho uma
escola em que ofereço aulas de inglês e reforço escolar. E tenho orgulho de
quem sou”, finaliza.
Entre
as ações de governo, destaque ainda para a publicação do Decreto nº 47.306,
pelo Governo do Estado, em dezembro do ano passado, que institui a Carteira de
Nome Social para travestis, mulheres transexuais e homens trans em todo o
território mineiro.
O
documento, que será usado para acessar os serviços públicos, será emitido pela
Polícia Civil de Minas Gerais por meio do Instituto de Identificação. A
iniciativa está em processo de implantação, e a expectativa é que os primeiros
documentos sejam emitidos no próximo semestre.
Segurança
No
contexto da proteção à população LGBT, uma das conquistas foi a viabilização,
em Minas Gerais, no âmbito da segurança pública, dos campos predefinidos para
anotação do nome social, orientação sexual e de identidade de gênero nos
formulários do Registro de Eventos de Defesa Social (Reds), nome atual para os
antigos Boletins de Ocorrência.
A
reestruturação das alas específicas para travestis, mulheres transexuais, gays
e homens bissexuais da Penitenciária Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de
Bicas, e do Presídio de Vespasiano, em 2016, também foi outra ação na área.
Desde 2013, uma resolução prevê que os presos que se autodeclarem têm direito a
ser transferidos para as unidades com ala especial.
Por
sua vez, o Núcleo de Atendimento e Cidadania à População de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (NAC/LGBT), criado em 2011, está sendo
reformulado e absorvido pela Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de
Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas (Decrin), de acordo
com a resolução 8004, publicada pela Polícia Civilem
março deste ano.
“É
um marco para a conquista e garantia dos direitos LGBT. A partir do momento que
há uma delegacia especializada neste tipo de ocorrência policial, aumentamos os
recursos humanos e financeiros para a questão”, explica o subinspetor do Núcleo
de Direitos Humanos da PC, José Neto. A nova delegacia está em processo de
implantação.
Saúde
Visando
a implementação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT em Minas Gerais,
a Secretaria de
Estado de Saúde (SES)criou, em novembro de 2016, o Comitê Técnico de Saúde
Integral da População LGBT, responsável por formular e propor diretrizes de
ação governamental voltadas para o enfrentamento à discriminação, promoção da
saúde integral e defesa dos direitos da população LGBT.
O
comitê é composto por 40 integrantes, entre titulares e suplentes da SES,
Sedpac, SEE, do Conselho Estadual de Saúde, das instituições de ensino, além de
14 integrantes titulares e suplentes da sociedade civil.
“A
pauta LGBT precisa ser debatida, porque é uma população que historicamente
sofre com o preconceito. Enquanto a expectativa de vida no Brasil é de 74 anos,
a da população trans é de 35 anos. E isso se deve principalmente à violência,
ou seja, é uma questão de saúde. Precisamos quebrar esse preconceito para que a
população LGBT consiga acessar os serviços de saúde. É fundamental que o SUS
garanta o princípio da equidade, acolhendo sem discriminação”, frisa a coordenadora
de Políticas de Promoção da Equidade em Saúde da SES-MG, Lorena Luiza Lemos.
Dentre
as ações encaminhadas pelo Comitê, destacam-se as articulações direcionadas
para a capacitação dos profissionais de saúde em todo o estado. Foram feitas
diversas web conferências, rodas de conversa e qualificações para promover o
acolhimento da população LGBT e a humanização do atendimento.
Minas
Gerais possui atualmente dois serviços em funcionamento na modalidade
ambulatorial do Processo Transexualizador, que oferecem hormonioterapia e o
acompanhamento pré e pós-operatório. Um deles no Hospital Eduardo de Menezes,
da Fundação
Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), em Belo Horizonte, e o outro
no Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Uberlândia, habilitado
pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria MS nº3.128 de 28 de dezembro de
2016. “O Comitê teve papel fundamental para ampliação da oferta do Processo
Transexualizador no Estado”, completa Lorena.
Defensoria
Em
julho do ano passado, a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) realizou em
Belo Horizonte um mutirão para a retificação de nomes para pessoas transexuais
e travestis. A transexual Liz Maria Alves de Freitas, 30 anos, veio de
Cláudio, no Território Oeste, para dar entrada na documentação. “Quero ter o
reconhecimento público do meu nome”, diz.
Liz,
que já foi Miss Trans Prisional em 2014, saiu do presídio de Vespasiano em 2015
e começou a fazer faculdade de estética. “A universidade teve um olhar de
carinho para mim, com a utilização do meu nome social, mas os alunos não. Me
senti deslocada, eu era a diferente no intervalo. Infelizmente isso me
atrapalhou muito e influenciou na decisão de largar o curso”, conta. Hoje, Liz
é atendente de posto de saúde.
“Já
tive muita resistência no meu trabalho e sempre que a gente tem que mostrar
documento, as pessoas já te olham com preconceito. Se preciso comprar passagem
de ônibus, de avião, ou entrar em uma festa. Um exemplo: quero tirar carteira
de motorista, mas estou desgastada de passar constrangimentos. Então eu vou
esperar o meu nome ser retificado para começar. A retificação é muito
importante pra mim. Significa respeito”, enfatiza.
A
retificação de nome e gênero contribui para a construção da cidadania de
travestis, mulheres e homens transexuais, destaca o coordenador especial
de Políticas de Diversidade Sexual da Sedpac, Douglas Miranda.
"O
nome social desta população é o primeiro contato na sociedade e a atenção a
este direito é uma conquista ímpar. Neste sentido, o governador
Fernando Pimentel, em janeiro de 2017, assinou o Decreto de Nome Social na
administração pública estadual, mostrando a importância do poder público em
combater a discriminação e o preconceito”, enfatiza.
Conselho
Outro
grande desafio é a criação do Conselho Estadual de Cidadania de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (CEC LGBT), câmara que será
responsável pela elaboração e condução das políticas públicas voltadas para
esses segmentos da população. O projeto de Lei nº 4.398/2017, que cria o
conselho, foi enviado no ano passado pelo governador Fernando Pimentel para a
Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e aguarda parecer das comissões.
Douglas
Miranda recorda que a criação desse espaço é demanda histórica dos
movimentos sociais e foi um dos encaminhamentos da 3ª Conferência Estadual de Políticas
Públicas e Direitos Humanos LGBT, realizada em 2015.
“A
criação do conselho é de suma importância. É um espaço de escuta, fiscalização,
monitoramento e construção de políticas públicas para essa população. Desde
2015 estamos nessa luta junto à Assembleia Legislativa para conseguirmos
aprovar o conselho, para dar visibilidade à pauta no estado e, inclusive,
estimular a criação de Conselhos Municipais de Cidadania LGBT”, diz.
Emprego
A
Sedpac, em parceria com a Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social
(Sedese), também articula mobilizações para discutir e ampliar a
empregabilidade para a população LGBT em Minas Gerais.
Em
abril de 2017, as cidades de Uberaba e Uberlândia sediaram oficinas que
precederam a criação de uma rede de empregabilidade à comunidade transexual e
travesti. A iniciativa, inédita em Minas Gerais, ofereceu cursos gratuitos e
teve como objetivo promover a inclusão social do público no mercado de trabalho,
resgatando a dignidade por meio da qualificação profissional. Foram 25 pessoas
certificadas.
Como
parte das ações, será realizado, no dia 4 de julho o “Seminário Estadual
de Empregabilidade Trans e Travestis”, em Belo Horizonte. O evento tem parceria
também da Companhia de
Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e do Banco de Desenvolvimento de
Minas Gerais (BDMG), com apoio da Rede Cidadã.
O
objetivo é debater a discriminação e o preconceito institucional nas empresas
públicas e privadas, buscar o respeito à identidade de gênero desta população,
historicamente marginalizada no mundo do trabalho, e criar estratégias para
combater a transfobia social e empresarial.
O
superintendente de Gestão e Fomento ao Emprego da Sedese, Márcio Luiz
Guglielmoni, explica que o produto do seminário será a abertura do Fórum LGBT
de Empresas em Minas Gerais. “O fórum nacional já existe, e busca empresas que,
ao serem signatárias, passam a assumir dez compromissos de ações afirmativas
internas, de forma a incluir em seus quadros funcionais profissionais LGBTs,
promovendo a cidadania e combatendo a homofobia”, afirma.
A ideia é que, durante o seminário, o Estado consiga as primeiras empresas signatárias, públicas e privadas. “Queremos despertar essa sensibilidade para isso. A diferença será que, em Minas Gerais, vamos olhar com mais atenção ainda para a população trans e travesti, que é mais excluída do mercado de trabalho”, destaca.