Publicado em 09/07/2018 - politica - Da Redação
A educação
pública estadual de Minas Gerais inova ao institucionalizar o Programa de
Convivência Democrática para a promoção do reconhecimento e valorização da
diversidade no ambiente escolar.
Dentro do programa está em
funcionamento o Sistema de Registro de Situações de Violências, parceria
da Secretaria de Estado de Educação
(SEE) e Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas
Gerais (Prodemge).
Trata-se de uma plataforma eletrônica, online, onde as escolas podem registrar
ocorrências diversas, acessível à SEE.
O programa, que havia sido lançado em
2017 para as 47 superintendências regionais de ensino, foi regulamentado pela
Resolução 3.685, em janeiro de 2018. Além do Sistema de Registro, uma série de
outras iniciativas envolvem toda a comunidade escolar no enfrentamento de
comportamentos indesejáveis.
“Na prática, as escolas estão
desenvolvendo seus planos e trabalhando a abertura de espaços de diálogo e
convivência para prevenir a violência, tomando medidas para ter um ambiente
mais harmonioso, respeitoso e de maior tolerância”, afirma a coordenadora de
Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Estado de Educação, Kessiane
Goulart Silva.
O trabalho passa pela promoção dos
direitos humanos e construção da paz nas escolas e no seu entorno. De acordo
com o Kessiane, o Sistema de Registro de Situações de Violência, que está no
artigo 5º da Resolução, será uma importante ferramenta da política pública a
ser direcionada para onde forem registradas violências diversas como machismo,
racismo, bullying e LGBTfobia.
A partir do registro, a escola vai
traçar um mapa das diversas situações e planejar a prevenção e redução das
violências, por meio de ações pedagógicas como a solidariedade, reconhecimento
e valorização da escuta, das diferenças e diversidades, assim como a aplicação
de metodologias para resolução de conflitos e formação continuada.
“Não tínhamos uma coleta sistemática
de dados com as situações mais frequentes. Temos uma compreensão mais ampla,
inclusive da violência simbólica que ocorre nas relações de poder. Quanto menos
democrática uma gestão, você pode percebê-la como mais violenta para o grupo. A
coisa de cima para baixo não combina com o ambiente escolar”, revela Kessiane.
A expectativa é de que haja apoio dos
outros serviços públicos, como assistência social, saúde e segurança. O
trabalho conjunto deverá ocorrer não apenas nos casos registrados de violência,
mas também na prevenção, interagindo com a comunidade escolar inserida numa
região. A ideia é fazer com que o programa extrapole os muros da escola.
“Na prática, as escolas estão
desenvolvendo seus planos e trabalhando a abertura de espaços de diálogo e
convivência para prevenir a violência, tomando medidas para ter um ambiente
mais harmonioso, respeitoso e de maior tolerância”
Kessiane Goulart
Silva, coordenadora de Direitos Humanos e Cidadania da SEE
No
entendimento da Coordenação dos Direitos Humanos da SEE, o problema da
intolerância na sociedade sempre existiu, entretanto, nos últimos tempos houve
crescimento da dificuldade em não respeitar a opinião do outro. Minorias como
negros e LGBTs, entre outras, são as principais vítimas.
“Existe um padrão a ser seguido e, se
a pessoa não se reconhece ali, passa a ser desprezada e, muitas vezes,
agredida”, diz a especialista. Kessiane aposta na educação e na conscientização
para que todos entendam que ser homossexual faz parte da sociedade e que é
preciso respeitar a diferença.
Engajamento
no Norte de Minas
A participação da comunidade escolar é
considerada fundamental para o sucesso do Programa de Convivência Democrática.
Em Janaúba, na Escola Estadual Joaquim Maurício, o então aluno do 3º ano do
ensino médio João Marcos Pereira Pimentel de 18 anos, integrava o programa
Conexão Jovem (rádio interna da instituição), quando a Superintendência
Regional de Ensino da SEE promoveu o seminário “Programa de Convivência
Democrática”.
O programa de
rádio era apresentado três vezes por semana, durante os intervalos, com
programação musical e de serviços. “Naquela ocasião, lemos trechos da
Constituição Federal sobre os direitos fundamentais. A gente se envolveu com o
programa, apresentações e debates sobre igualdade. Para a convivência
democrática e respeito às minorias, o caminho é o da educação. Outro ponto: não
adianta debater o assunto se ele não for colocado em prática”, diz o estudante.
João Marcos, que hoje faz o curso de
Direito em Nova Porteirinha, lembra que na sua escola as agressões não eram
comuns e o sentimento de solidariedade era fortalecido, todas as vezes que
alguém precisava de apoio, como ocorreu com uma professora e uma aluna quando
foram diagnosticadas com câncer.
A SRE de Janaúba integra 17 municípios
e 92 escolas estaduais na região e todas participaram do seminário, que recebeu
os palestrantes Daniel Librelon (promotor de Justiça) e Andrey de Souza Lopes
(professor universitário). Violência, Ato Infracional e Indisciplina no
Ambiente Escolar; Direitos Humanos e Violência no Contexto Escolar estiveram
entre os temas tratados.
"A gente se envolveu com o
programa, apresentações e debates sobre igualdade. Para a convivência
democrática e respeito às minorias, o caminho é o da educação"
João Marcos Pimentel,
estudante
Para a assessora pedagógica da SRE de
Janaúba, Suely Pereira Nascimento, a mobilização foi fundamental para passar às
escolas a política que vai inibir a violência de qualquer natureza que ocorre
nas escolas.
“Os palestrantes que conseguimos
trazer foram de altíssimo nível, preparados com os assuntos que vão ao encontro
dessa iniciativa do Estado para conter a violência nas escolas, por meio da
conscientização dos estudantes, professores e comunidades”, diz Suely.
De acordo com Suely, o evento serviu
para despertar interesse dos alunos e estimular as escolas a elaborar seus
planos e coloca-los em prática. As ações de combate à violência já eram
contempladas, mas não como agora, com a institucionalização da política.
“Há um envolvimento dos alunos para
encontrar saídas para os diversos tipos de violência e as escolas podem
refletir sobre o que ocorre no seu interior e tomar as medidas cabíveis, com
mais segurança”, reforça a assessora.
Conteúdo ampliado em Jaíba
Enquanto isso, em Jaíba, também no
Território Norte - polo de produção irrigada de hortifrutigranjeiros -, a
Escola Estadual Professora Clara Menezes, com 30 anos de existência, viveu
períodos de violência e discriminação. Contudo, conseguiu dar a volta por cima
com um trabalho que envolveu alunos, profissionais da educação e comunidade.
A professora
Eliana Alves Camargo Melo relata que assumiu a direção em 2012. Naquela ocasião
existia apenas o ensino fundamental ofertado a cerca de 700 alunos. A
comunidade escolar estava cansada dos problemas de indisciplina, depredação do
patrimônio, entre outros.
“As escolas, no geral, são frágeis e
vulneráveis, pois recebem alunos de diferentes realidades socioeconômicas. O
direito à educação está consagrado, mas os deveres nem sempre são praticados”,
observa Eliana.
Com o enorme desafio a ser enfrentado,
a diretora e os professores acreditaram que era possível tentar uma
transformação com o apoio de todos. Por ser a escola atual um espaço mais
democrático do que no passado, a gestão lançou mão de estratégias para diminuir
a distância entre o social e o conhecimento.
“Chamamos os alunos e a comunidade
para participar de tudo, ocupar a escola e despertar neles a sensação de
pertencimento. Em pouco tempo, percebemos a mudança, mas os nossos alunos que
saíam para o segundo grau eram discriminados em outras escolas”, afirma.
A direção sentiu que era o momento de
“brigar” pela implantação do segundo grau para que os alunos continuassem ali
os seus estudos. Em 2016 o ensino médio começou a funcionar e a direção
reivindicou também o EJA (Educação de Jovens e Adultos).
As conquistas levantaram a autoestima
de todos os que acreditavam em mais possibilidades e, logo em seguida, o curso
profissionalizante de Normal Médio também começou a ser ofertado na Escola
Estadual Professora Clara Menezes Dias.
O número de alunos cresceu e chegou a
1.070, conforme a diretora Eliana Melo, que correu atrás e em breve vai
implantar os cursos Mediotec Administração de Empresas, Técnico em Serviços
Judiciais e Técnico em Comércio Exterior com o objetivo de favorecer a
empregabilidade local.
“Há um envolvimento
dos alunos para encontrar saídas para os diversos tipos de violência e as
escolas podem refletir sobre o que ocorre no seu interior e tomar as medidas
cabíveis, com mais segurança”
Suely Nascimento,
assessora pedagófica da SRE, em Janaúba
Modelo na periferia de Uberlândia
Numa área carente de Uberlândia
(Triângulo Norte), a Escola Estadual João Rezende, no bairro Custódio Pereira,
se destaca pelo trabalho de educação inclusiva. A diretora Abadia Lemos de
Sousa Costa, que recebe alunos de outros bairros, diz com orgulho que são 1.495
estudantes nos três turnos.
“Trabalhamos com a diversidade: alunos
esquizofrênicos, de baixa visão, surdo-mudo, homossexuais, transgêneros,
imigrantes, sobretudo, haitianos. Posso assegurar que a experiência e os
resultados são muito gratificantes”, revela Abadia.
A institucionalização do Programa de
Convivência Democrática, segundo a diretora, aumenta a credibilidade para
tratar os diversos temas vulneráveis à violência. Quando os assuntos entram em
pauta, ela diz que a aceitação dos estudantes é boa, facilitando o trabalho dos
profissionais da escola, que contam com a participação do Poder Judiciário,
Conselho Tutelar, Superintendência Regional de Ensino, entre outras
instituições.
A diretora da escola de Uberlândia
relata que o prédio da instituição tem pouca segurança e proteção, mesmo assim
não registra, nos últimos anos, quebradeira nem pichação. Ela aposta numa
relação de respeito e confiança permanente com a comunidade do entorno. A
escola oferece ensino fundamental e médio, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e
o curso normal, que profissionaliza jovens para atuar na educação infantil.
SEGOV