Publicado em 15/01/2021 - raul-dias-filho - Da Redação
Certa vez, em Belém do Pará, liguei para marcar uma entrevista e a pessoa, do outro lado, respondeu: “a gente grava antes ou depois da chuva? ” Na hora achei engraçado mas depois entendi que a pergunta era séria e, lá, faz todo sentido durante a longa estação do inverno. Longa estação porque, na região Norte, o inverno dura seis meses e não tem nada a ver com frio, pelo contrário. Faz calor, tem mormaço e chove TODOS os dias, várias vezes ao dia. Nos outros seis meses, chamados de verão, continua fazendo calor, o mormaço é mais intenso e não chove todos os dias. Simples assim. E no inverno a chuva é tão certeira que as pessoas marcam os compromissos para antes ou depois dela. Algumas, de tão infalíveis, têm até hora marcada: “Ei, nós vamos tomar uma antes ou depois da chuva das 16h?” Me lembrei da história porque, nessas primeiras semanas do ano, a chuva tem abençoado todos os dias a terrinha boa do São Bartolomeu. E ela deixa a paisagem exuberante. O verde toma conta de tudo! As matas, pastos, plantações, tudo é tomado pelo verde. E não é uma cor monótona, que se repete, são muitos tons diferentes. Alguns mais claros, outros mais escuros, existem ainda aqueles brilhantes e também os opacos. As cores e seus infinitos tons estão à nossa frente o tempo todo e, no entanto, passam despercebidos pela nossa pressa ou desatenção. Quantas vezes olhamos rapidamente para o céu e, por mais maravilhoso que ele esteja, voltamos nossa atenção para alguma coisa muito menos importante e corriqueira, como o celular, por exemplo? E raramente paramos para contemplá-lo longamente, como deveria ser. Nesse sentido, é exemplar uma passagem contada por Amyr Klink, navegador brasileiro que se tornou conhecido por suas expedições marítimas. A viagem mais famosa aconteceu em 1989, quando Amyr navegou rumo à Antártica em um veleiro especialmente construído para a viagem. Foi uma prova de resistência física e mental porque, além dos perigos do mar ainda enfrentou um longo período de absoluta solidão. A viagem durou um ano, sendo que, já na Antártica, durante sete meses o veleiro ficou preso pelo gelo numa baía especialmente perigosa. Amyr conta que, enquanto esperava o gelo derreter, fazia pequenas incursões perto do veleiro. Numa dessas saídas, encontrou uma espécie de caverna formada pelo gelo e, dentro dela, certa tarde, viu o que ele chama de imagem mais linda jamais vista por alguém. A luz do sol penetrava por uma fresta e refletia nas paredes de gelo e numa poça de agua, gerando prismas e reflexos coloridos que se espalhavam e iluminavam toda a caverna. Maravilhado, ele pensou: “preciso registrar isso” mas então percebeu que havia esquecido a câmera no veleiro. Amyr até avaliou buscar a câmera mas imaginou que seria melhor e mais fácil voltar com ela no dia seguinte, no mesmo horário, para fazer as fotos e filmagens. Então, no dia seguinte, ele voltou. E aquele estranho e maravilhoso fenômeno não se repetiu. Ele, porém, não desistiu. Voltou outro dia, e outro, e outro. E durante meses ele voltou no mesmo horário e, embora as condições de luz fossem as mesmas, o gelo estivesse intacto e a poça de água no mesmo lugar, nunca mais aquela imagem tão maravilhosa se repetiu da mesma maneira. Qual a lição que fica? Aquela, básica, de nunca deixar para depois o que temos condições de fazer na hora. Parece clichê, mas a lição é valiosa. Algumas oportunidades nunca mais se repetem. Por isso, devemos enfrentar todas as situações de frente e não adiar decisões. Por isso também, quando tiver oportunidade de parar para contemplar uma paisagem, um céu azul, um amanhecer ou pôr do sol, não pense duas vezes para fazê-lo. Não podemos nem devemos permitir que nossos olhos se acostumem com o belo, sem apreciá-lo, sob pena de perder a referência de beleza. Assim como não podemos nos acostumar com o inusitado, com o diferente ou mesmo com as tragédias. Me lembro que, no começo da pandemia, ficávamos horrorizados com as notícias que chegavam da Europa e falavam em centenas de pessoas morrendo diariamente. Hoje assistimos, alguns com naturalidade, outros indiferentes, as estatísticas que mostram milhares de brasileiros morrendo todos os dias. O que mudou de lá para cá? Será que nos tornamos indiferentes à dor alheia? Será que perdemos a empatia? Será que o horror nos anestesiou? É importante buscar respostas. Se perdermos a capacidade de chorar, também perderemos o dom de sorrir.
Por hoje é isso. Semana que vem tem mais. Até lá.
Raul Dias Filho - O autor é jornalista e repórter especial da Record TV
E-mail: rauldiasfilho@hotmail.com