ÁGUA

Publicado em 09/05/2013 - ze-nario - Zé Nário

 

Já faz algum tempo que este fato aconteceu. Alguns anos, não sei quantos. E os breves acontecimentos nunca me saíram da mente. Hoje mesmo, pela manhã, eu os rememorei. E agora vou contá-los a vocês. 

No comecinho da tarde, por volta das catorze horas, a campainha tocou. Abri a porta e um homem com sotaque nordestino cumprimentou-me com um sorriso no rosto. Em um carrinho ele trazia várias caixas. Depois de alguns rodeios ele me ofereceu o conteúdo das caixas: eram livros, vendidos por ele de porta em porta.

Eu disse que os livros não me interessavam, no momento. Mas o sujeito tinha uma conversa tão boa que eu me atrevi a perguntar a ele se livros, nos dias atuais, ainda são produtos vendáveis. Ele disse que está cada vez mais difícil, mas que ainda vende.

Admirado pela disposição do rapaz, comentei que ele havia escolhido uma profissão muito difícil. Aí ele respondeu que difícil mesmo era viver no nordeste, de onde ele havia vindo. Esclareceu que, atualmente, vivia na cidade de Lavras. Sendo natural da Paraíba, havia saído de lá há dez anos.

Continuou a falar das dificuldades de sua terra natal, onde, segundo ele, havia cidades do sertão em que as crianças de dez anos nunca haviam visto chuva. Nem mesmo um chuvisqueiro.

Disse que isso aconteceu com seus irmãos mais novos que, com essa idade, jamais haviam presenciado uma chuva. No dia em que isso aconteceu, os dois, mortos de medo daquela coisa comprida que caía do céu, se esconderam debaixo da cama e só saíram de lá depois que a chuva parou.

O vendedor de livros se disse admirado com o desperdício de água que via por todos os lados aqui na região. Em todas as cidades pelas quais passara ultimamente ele presenciara várias situações de desperdício. Tanto na área urbana, quanto na zona rural.

Ele se dizia indignado com essas ações. Em sua opinião, essas pessoas deveriam ser punidas por isso. E uma boa maneira de punir os desperdiçadores deveria ser fazê-los passar uns tempos no sertão nordestino, onde o povo sobrevive com alguns poucos litros de água por dia.

Dessa maneira, esses desperdiçadores poderiam ver e sentir as agruras pelas quais passam os nordestinos e valorizar a abundância água que temos aqui.

Sabe-se que o consumo médio aqui no sudeste chega a cento e cinquenta litros por pessoa, por dia. E, em alguns casos, pode chegar a duzentos litros. Esta é a razão da indignação do vendedor de livros.

Ele encerrou a conversa concluindo que aqui nós vivemos no paraíso. Para todos os lados que olhamos, há uma nascente. No fundo de cada vale, sem exceção, há um curso d’água. As chuvas raramente faltam e a vegetação exuberante se espalha pelas colinas, em todas as direções.

Naquela tarde, eu fiquei a pensar nas palavras do nordestino vendedor de livros. Acho que ele tem razão. A melhor forma de punir os desperdiçadores de água seria privá-los do uso indiscriminado dela.

Gostei muito da sugestão dele de mandar os desperdiçadores para o sertão nordestino, como forma de educação para o consumo de água. O efeito seria imediato e duradouro.

E o que você acha da proposição do vendedor de livros nordestino, caro leitor?

José Nário F. Silva - Muzambinho/MG