Publicado em 01/09/2017 e atualizado em 08/01/2018 - cesar-vanucci - Da Redação
“Na Amazônia, tudo é espetacular: a floresta, a biodiversidade e as riquezas do subsolo.”
(Heráclides Leite Ferreira, educador)
A Amazônia que nos incumbe proteger, com toda força de nosso ardor cívico, são duas. Quem afirmou isso, sob aplausos, em pronunciamento anos atrás no Sindicato dos Jornalistas MG, foi José Alencar, aquele vice-presidente de inteligência aguda, arrojo empreendedor e irretocável comportamento ético em sintonia com o genuíno sentimento nacional, dons tão valiosos nesta hora desoladora em matéria de lideranças e ideias.
Repetindo: A Amazônia então são duas. A primeira delas de um verde esmeraldino ofuscante. A outra de um azul sempiterno. A verde corresponde a mais da metade de nosso território. A azul, avançando oceano adentro, estende-se por duzentas milhas marítimas além das costas litorâneas. Costas essas, fale-se de passagem, onde se alojam, pra embevecimento dos turistas, as mais belas paisagens praieiras do mundo.
Tanto uma quanto outra – como lembrado naquela ocasião - se fazem depositárias, em dadivosos projetos da Natureza, de riquezas fabulosas. Dá mesmo pra garantir, sem receio de resvalar em exagero: de riquezas incomparáveis. A verde é a Amazônia da floresta infinita. A maior deste conturbado planeta. A Amazônia do rio de maior extensão e maior volume d"água. Da biodiversidade que assombra. Das riquezas minerais inexauríveis. Azul é a Amazônia oceânica, de imensuráveis riquezas. Riquezas brotadas do “mar de medusas que ninguém semeia, criadas com mistério e com areia, perfeitas de beleza e de sentido, sobre um casto jardim adormecido”, dos líricos versos de Miguel Torga. Nesta porção de mar específica as reservas petrolíferas são colossais. Vem daí a condição privilegiada que o país ostenta no rol das potências energéticas.
Como resistir à tentação de encaixar, aqui, à guisa de parêntese, um registro histórico puxado das ladeiras da memória? Décadas atrás, o Brasil não somente não explorava petróleo, na terra ou no mar, como também não “possuía” petróleo, nem na terra, nem no mar. Pelo menos era o que, confiados na suprema ingenuidade das ruas, ousavam alardear por aí, em tom irretorquível, certos dirigentes políticos de proa. Um pessoal que se aprestava, docilmente, a render vassalagem a poderosos grupos estrangeiros. Encastelado em postos relevantes, fazia uso, costumeiramente, dos aparelhos de repressão policial para conter e desestimular vozes contestatórias. Técnicos estrangeiros de currículo reluzente, vinculados a manjadíssimos cartéis, punham-se de plantão para fornecer, a esses cidadãos “acima de qualquer suspeita”, solícita assessoria. Aviavam “pareceres” para uma opinião pública desinformada, atestando a certeza “científica” da inexistência, por aqui, do mais leve indício, de uma nesgazinha promissora que fosse, do chamado “ouro negro”. O nunca assaz reverenciado Monteiro Lobato apelidava esse “ouro negro” de “sangue da terra”, “alma da indústria”. “Tê-lo – assegurava o notável escritor – é ter o sésamo abridor de todas as portas. Não tê-lo é ser escravo.” Por emitir conceitos que tais, contrariando doutos figurões, o autor de “Urupês” foi convidado, um sem número de vezes, a ver o sol nascer quadrado, como era de costume dizer-se em tempos de antanho. Homem prevenido, deixava arrumada, toda noite, uma trouxa com pertences, incluindo pijama, chinelo, escova de dentes e demais utensílios de higiene pessoal. Punha-se no desagradável aguardo de convocação para desfrutar, por algum tempo, da hospitalidade do cárcere.
Parêntese desfeito, retornemos às Amazônias verde e azul. Ambas nossas, brasileiras. Que nem o samba, o carnaval, o futebol, as estátuas de Mestre Aleijadinho. Pertencem-nos e a mais ninguém. Lá fora, há quem, paranoicamente, não pense assim. Livros escolares mostram a Amazônia verde como protetorado internacional. O Capitão Marvel é chamado a empregar seus formidáveis poderes, nos sugestivos traços dos quadrinhos, mode que combater “pilantras brasileiros” que só querem saber da Amazônia pra devastar floresta e traficar droga... Tribunas e jornais trombeteiam pronunciamentos bombásticos reveladores da frenética cobiça assestada sobre a região.
A Amazônia azul é também alvo de ameaças. As descobertas de imensas reservas de óleo no fundo submarino suscitam grande alvoroço, despertam apetites insaciáveis. As 200 milhas marítimas do prolongamento territorial brasileiro continuam sendo questionadas. Nos Estados Unidos, quando as potencialidades do pre-sal vieram à tona, chegou-se a aventar a possibilidade da criação de uma frota naval bem equipada para operar em águas próximas aos países sul-americanos, com o “louvável propósito” de colocá-los a salvo de eventuais perigos externos. Me engana, que eu gosto...
Isso aí: os indícios de olho gordo” são abundantes. Fácil deduzir que crescem no momento em que o Brasil começa a extrair mais petróleo do mar do que dos poços terrestres. Salta aos olhos a necessidade de uma política de defesa dos interesses nacionais mais vigorosa, atenta a tudo quanto rola nesses mares encapelados das ambições humanas desenfreadas.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)