Publicado em 25/06/2018 - cesar-vanucci - Da Redação
“Se a alegria popular definhou a culpa cabe, por inteiro, à desastrosa condução dos negócios políticos e administrativos.” (Domingos Justino Pinto, educador)
Cadê aquele festival colorido das bandeiras freneticamente agitadas nas ruas, praças e outros inesperados recantos? Cadê aquele mar de gente dos desfiles saudavelmente contaminados de ardor carnavalesco e de inspiração pode-se também dizer cívica?
As camisas verde-amarelas por que largadas em cabides ou gaveteiros nos
guarda-roupas? Qual o motivo de as janelas das moradias e as fachadas de
prédios deixarem de receber os adornos coloridos típicos de instantes
celebrativos de forte emoção popular? Como explicar o silêncio ensurdecedor do
foguetório e buzinaço que não está sendo ouvido? Que negócio estranho é esse de
não mais conseguir-se escutar, pelo menos como pálida amostra da retumbância dos
registros de antigamente, a envolvente cadência do batuque, o ronco resfolegante
da cuíca, o brado vibrante do torcedor apaixonado, o silvo cortante do apito, o
coral desafinado, mas soberbo, das interpretações de refrãos musicais que todo
mundo aprendeu a entoar, outros ruídos pensantes variados, à guisa de
celebração de qualquer coisa marcante sucedida durante as refregas
futebolísticas? Por que não mais está sendo captado, com a intensidade de
outros estrondosos momentos, aquele formidável alarido que a gente do povo espontaneamente
compunha, em tempos de copa, e que era visto como uma saudável e inédita
inclinação peculiarmente brasileira para democrática confraternidade social,
deixando as pessoas de outras plagas espantadas e embevecidas?
Afinal de contas, o que andou pintando no pedaço para que, de uma hora
pra outra, contrariando hábitos tradicionais arraigados e contendo impulso
cultural poderoso, o País resolvesse manter-se neste instante, de um modo
geral, na comparação com ocasiões pregressas marcadas por celebrações coletivas
grandiosas, mudo e quedo que nem penedo?
Tem-se por certo que os 7 X 1 da Copa de 2014, por mais aguda que tenha
sido a decepção cravada no espírito popular, não explicam por si só o
arrefecimento do interesse com relação a um evento esportivo que, ao longo dos
anos, sempre suscitou empolgação invulgar. Estudiosos do comportamento humano
devem estar cuidando de inserir, em seus trabalhos de pesquisa, investigações
sobre o que terá desencadeado certas reações agora detectadas na alma das ruas.
Até algum tempo atrás, ninguém por certo imaginaria pudéssemos nos deparar com a
circunstância de muitos torcedores de futebol serem capazes de escalar a
composição dos ministros da Suprema Corte, embora confessando alguma
dificuldade em declinar os nomes dos titulares do escrete brasileiro no torneio
mundial.
Pode ser que aconteça, daqui a pouco, no correr dos jogos em andamento
na Rússia, na almejada hipótese de que a seleção se mostre capaz de desfazer a
impressão deixada na estreia, que essa perspectiva de quase apatia, ou de interesse
limitado por uma competição que teve sempre o condão de galvanizar pra valer as
atenções, venha a ser revertida. A chama do entusiasmo seria, assim, de repente,
reacesa, prevalecendo até - quem sabe? - um epílogo que anunciasse a recuperação
da hegemonia brasileira nos domínios do esporte das multidões. Oxalá “sesse” assim,
como se diria no saboroso linguajar roceiro.
De qualquer modo, uma conclusão deflui implacavelmente de todos esses acontecimentos.
A causa das características bizarras, escalafobéticas com as quais a opinião
pública encara nossa participação na copa não é outra além dos desacertos
políticos e administrativos oriundos do gerenciamento incompetente da coisa
pública, sensivelmente agravados ultimamente, os malfeitos decorrentes da ação
inescrupulosa de graduados com mandato, agentes públicos e empreiteiros
inidôneos. Todos estes ingredientes indigestos são encontrados na raiz dessa desagradável
alteração no estado de espírito da sociedade. A ganância do time do colarinho
branco, com excesso de jogadas desarmoniosas no gramado político, andou roubando
a alegria das arquibancadas.
Cesar Vanucci - Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)