Hugo Chaves morre, a utopia sobrevive

Publicado em 07/03/2013 - marco-regis-de-almeida-lima - Marco Regis

* por Marco Regis

Se cansamos a paciência dos nossos caros leitores, tratando de assuntos ideológicos à exaustão, é porque certos meios de comunicação vivem a agredir a nossa inteligência, também à exaustão. Neste sentido, temos de render agradecimentos e homenagens a este e a outros jornais, de suma importância regional, que abrem espaço para as nossas manifestações contestatórias sem que elas possam significar a opinião dos mesmos. Eis aí a verdadeira liberdade de expressão e de imprensa, o que é uma falácia nos grandes meios de comunicação, onde nossos posicionamentos são barrados, por menores e mais caprichados que sejam, até nas colunas tradicionais de opiniões ou cartas dos leitores. Entretanto, tais meios não se prestam a bem informar a população, transformando suas noticias em indutoras de opinião e fazendo verdadeira lavagem cerebral nos seus leitores ou telespectadores.

Assim, muitos tem se comportado a respeito do Presidente da Venezuela, morto nesta semana. Fica aí, a primeira observação: não engolem que Hugo Chávez tenha sido investido legal e constitucionalmente como Presidente do seu país e a ele se referem como ditador. Nesta atitude,  demonstram desprezo pelo povo venezuelano que o elegeu e reelegeu pelo voto livre,  secreto e majoritário,  para o cargo presidencial e, consequentemente,  Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, da qual era Tenente-Coronel reformado.  Foram quatro eleições vitoriosamente disputadas: com 56% em 1998 ;  com 57% em 2000; com 62% em 2006: e, nesta última de 2012, para cujo mandato não tomou posse em virtude da sua enfermidade. Convocou, realizou e venceu referendos e plebiscitos, inclusive de uma nova Constituição, em 1999. Submeteu-se a essa mesma Carta Magna, em 2004, vencendo um referendo popular convocado pela oposição para tirá-lo do poder. Mas, tanto lá como aqui, a imprensa golpista desqualifica essas vitórias nas urnas, democráticas, devido a maioria dos votos ter saído dos mais pobres e humildes. Para esse pessoal, talvez só devesse valer o voto  das elites e dos ricaços. Dentro deste percurso eleitoral, não podemos esquecer o golpe de estado por ele sofrido em 2002, com o habitual e descarado apoio USA – United States of America -, ocasião em que, por todo o mundo, os falsos defensores da democracia – os adeptos do capitalismo selvagem, dominador e manipulador -, comemoravam a sua prisão e a tomada do poder pelo empresário Pedro Carmona. Tais festividades duraram apenas dois dias, pois as forças armadas venezuelanas foram fieis à Constituição e recolocaram Chávez na Presidência, chutando os traseiros dos rebeldes. Se reeleição, no voto, significa ditadura, vamos rotular o ex-presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, nessa categoria, porque aprovou uma emenda constitucional de reeleição, agravada por denúncias de compra de votos de congressistas para conseguir o seu intento.

Há procedência nas críticas de que Chávez tenha sido centralizador, personalista e até populista. Mas, foi com esse estilo e na crença cega em sua Revolução Bolivariana “rumo ao socialismo” que ele “inscreveu a Venezuela no mapa geopolítico mundial”, conforme destaca o diário ‘Folha de S.Paulo, na página 3 do Caderno Especial, de 6 do corrente.  Também é acusado por tutelar o  Poder Judiciário do seu país, mas os seus componentes foram referendados pelo Parlamento, onde a maioria também lhe é favorável por escolha do povo. Mas o que dizer dos governadores atuais, onde 20 dos 23 foram eleitos sob a sua bênção? Há erro nisso? Não vale aqui a consagrada assertiva de que na democracia governa a maioria? Dizem que ele retirou o dinheiro da grande riqueza nacional da Venezuela, estatizada através da PDVSA – Petróleo de Venezuela S.A. -, para injetar em programas sociais. Todavia, segundo a mesma fonte desse jornal paulistano, acima citado, no Governo chavista “os índices de pobreza e de desigualdade caíram –  mais do que no Brasil de Lula, comparativamente -, mas o governo jamais se livrou da alta da inflação”. Fica de bom tamanho, acrescentamos, porque antes dele a taxa inflacionária era de 35%, agora, divulgam, 23%.

Foi com o uso desses petrodólares que a Venezuela viu diminuir a pobreza, sendo a miséria e o analfabetismo quase que erradicados. Deve-se perguntar: antes disso aonde ia parar a riqueza do petróleo? Defesa dessas reais melhorias, também fez o jornalista Luiz Carlos Azenha em publicações e numa mesa-redonda na TV Record News, comandada por Heródoto Barbeiro, na noite de terça feira desta semana. Vale lembrar que Azenha esteve na Venezuela, antes da morte de Chávez, durante dias, cobrindo a situação do país, inclusive revelando o sistema de transporte por teleféricos, implantado nos muitos morros que cercam Caracas, que veio a ser copiado com êxito nas favelas do Rio de Janeiro. Por falar em programas de TV, ainda gostaríamos de citar a lisura, a competência e a boa informação com o que o Jornal do SBT, comandado e apresentado por Carlos Nascimento, abordou a morte de Hugo Chávez, em que pese a opinião que temos dele, por certo, anti-chavista. Por outro lado, classificamos como extremista, inverídico e desrespeitoso o Jornal da Globo, de William Waack, Cristiane Pelajo e Arnaldo Jabour, nessa mesma noite.

Não poderíamos deixar de enfrentar o enfoque que os adversários sempre deram a Chávez, lá e cá, o da perseguição à imprensa. É a mesma crítica feita à Presidente Cristina Kirchner, da Argentina, com a sua “lei dos medios”, no afã da derrubada  do monopólio do Grupo Clarín, bem semelhante a um grupo existente no Brasil.  Não se trata de regime ditatorial, de censura à liberdade de imprensa, mas de regulamentar as atividades de redes televisivas, que, na verdade, são concessões do poder público ao particular e sujeitas à cassação da concessão em qualquer país considerado estado democrático de direito. Por acaso, alguém teria impingido aos Estados Unidos, depois do 11 de Setembro, a pecha de ditadura, porque retrocederam em sua alardeada defesa dos direitos humanos, torturando presos no Iraque, no Afeganistão, ou em Guantánamo ? Ou porque barraram ou detiveram imigrantes ou turistas nos aeroportos ? Ou porque Bush filho foi reeleito em processo eleitoral viciado, dizem mesmo, por uma fraude eleitoral, ratificada pela sua Suprema Corte de Justiça ?

Hugo Chávez Frias morreu dentro de um embate que tem sido desigual na longa caminhada da humanidade, do lado do mais fraco contra o mais forte.  Plasmado em ideais socialistas do Século XXI, onde continua a existir espaço para o enfrentamento às desigualdades e injustiças sociais, ao capitalismo consumista e selvagem, do desrespeito à Natureza deste minúsculo, solitário e aconchegante planeta em que vivemos. Ele exaltava um herói da América hispânica, Simón Bolívar.  Nenhuma ode ao marxismo. Nem de minha parte, que nunca li Karl Marx. Aliás, devo confessar que a mim o Muro de Berlim não deixou saudades. Mas os seus críticos defendem outro tão atroz como ele, o Muro de Israel, segregando os palestinos. Sem falar em outro destinado a conter imigrantes clandestinos na fronteira dos Estados Unidos com o México.

Faz bem pensar. Melhor é agir. A ação no poder é mais concreta e ampla.  Disso soube fazer uso o nosso saudoso Chávez. Ele foi mais um a jogar pá de cal no pensamento único, que outros teimam em defender. Mais um a por na cova a ideia de que o capitalismo venceu com a ruína do comunismo soviético e que chegava ali o Fim da História, conforme decretou o nipoamericano Francis Fukuyama no livro “The End of History and the Last Man”. O socialismo do século XXI posto em prática na Venezuela foi uma prova que sempre vai haver alternativas para os seres humanos. Morreu o líder venezuelano mas a utopia sobrevive.

**Marco Regis de Almeida Lima é medico, tendo sido prefeito de Muzambinho-MG (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003)