‘INTERVENÇÃO MILITAR’ PELO VOTO

Publicado em 01/11/2018 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação

‘INTERVENÇÃO MILITAR’ PELO VOTO

Jair Messias Bolsonaro, 64 anos, recém-eleito em dois turnos como Presidente da República Federativa do Brasil, foi exímio estrategista na sua carreira militar e política. Sua biografia e entrevistas, depois do pleito vitorioso, nos permitem essa pronta verificação. É um dos seis filhos do dentista prático Perci Geraldo Bolsonaro, falecido, e da dona de casa Olinda Bonturi Bolsonaro. Nasceu em Glicério-SP, região de Araçatuba/Tupã/Birigüi, embora tenha sido registrado em Campinas-SP. Ainda era criança quando a família mudou-se para a cidade de Eldorado, no Vale do Ribeira, que fica na bacia hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape, ao sul do estado de São Paulo e leste do Paraná, onde se conserva a maior área de Mata Atlântica ainda existente no Brasil, também produtora de erva-mate e bananas, às margens da Rodovia Regis Bitencourt, que liga ambos os estados. Ele foi casado desde 1979 com Rogéria Nantes Nunes Braga com quem teve os filhos Flávio, Carlos e Eduardo. Depois, teve um período de união estável com Ana Cristina Siqueira Valle, de cujo casamento teve o filho Jair Renan, em 1998. Em 2007 se casa com Michelle de Paula Firmo Reinaldo, cujo enlace religioso foi celebrado posteriormente pelo pastor Silas Malafaia. Desta união nasceu a filha Laura.

                  A inclinação do jovem Jair para a carreira militar deve ter sido influenciada pela grande presença de tropas do exército no Vale do Ribeira, na década de 1970, quando ali se formou um núcleo guerrilheiro com o objetivo de combater a ditadura militar sob o comando de um desertor do nosso exército, o Capitão Lamarca. Conhecedor da mata, de onde extraía palmitos, ele afirmou, em entrevista à TV, que serviu como guia para soldados e oficiais que combatiam a guerrilha. Imagino que, também, aí tenha se esculpido a sua personalidade de ódio às esquerdas. Fez estudos de oficialato na AMAN – Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende-RJ, o curso de paraquedismo militar na Brigada Paraquedista do Rio de Janeiro, além de bacharelar-se pela Escola de Educação Física do Exército.

                    Em 1986, o irrequieto oficial Jair Bolsonaro publica artigo na revista ‘Veja’ pelo qual é punido com a prisão por 15 dias por transgressão às leis militares. No artigo ele afirmava que o desligamento de cadetes da AMAN se deu em razão dos baixos salários e não por indisciplina como o Exército buscava explicar. No ano seguinte, também a mesma revista divulga que o Capitão Bolsonaro e um outro colega de tropa elaboraram um plano de atentados à bomba em unidades militares do Rio como forma de pressão aos seus superiores. Perante o Superior Tribunal Militar ele alegou que teve a sua defesa cerceada junto ao Conselho de Justificação, negando as acusações e sendo inocentado.

                      Nesses posicionamentos polêmicos Bolsonaro pavimentou seu caminho para a política. Primeiramente, em 1988, foi eleito vereador no Rio de Janeiro pelo PDC – Partido Democrata Cristão, obtendo em torno de 11.000 votos. Em 1989, consegue eleger-se deputado federal pelo Rio, com pouco mais de 17.000 votos, pelo mesmo partido e apoiando Fernando Collor de Mello para presidente. Contudo, em 29 de setembro de 1992 votou e foi um dos responsáveis pelo “impeachment” de Collor. Na defesa dos interesses da classe militar permaneceu durante 7 mandatos na Câmara Federal, onde se sobressaiu através expressões altamente polêmicas, muitas delas consideradas discriminatórias às mulheres, aos negros, aos homossexuais e à esquerda. Porém, constrangedora foi sua manifestação no voto que deu no “impeachment” da Presidente Dilma Rousseff, homenageando uma atitude desumana que é a tortura e um dos seus mais vis e comprovados praticantes, o Coronel Ustra.

                         Então vem a nossa indagação: DE ONDE VEIO A FORÇA DE UM DEPUTADO FEDERAL ACOMODADO DURANTE SETE MANDATOS, DE ATUAÇÃO DISCRETA E NA DEFESA DE INTERESSES CORPORATIVOS DOS MILITARES, CAPAZ DE GERAR UMA ONDA ELEITORAL VERDE-AMARELA E GUINDÁ-LO À PRESIDÊNCIA DO BRASIL?

                          No meu entendimento, o povo brasileiro vivia anestesiado pela corrupção havia décadas. Então, em 2002, decide sublevar-se e apoiar a esquerda, crendo na ética e no moralismo apregoados pelo PT – Partido dos Trabalhadores. Ao mesmo tempo que o País ganha notoriedade internacional, realiza proezas internas em programas como “Luz para Todos”, “Mais Médicos”, “Fome Zero”, “Minha Casa, Minha Vida”, “Próuni”, “Ciência sem Fronteiras” e PACs. Entretanto, surgem denúncias de desvio de dinheiro na Petrobrás para a compra de votos de parlamentares e partidos de sustentação do governo Lula, redundando num longo e desgastante julgamento que foi o “Mensalão”. A despeito disso Lula é reeleito. As investigações adentram o lamaçal da Lava Jato, enquanto Lula ainda consegue eleger e reeleger Dilma Rousseff na presidência. Em 2013 começam os protestos de rua contra a corrupção e contra o PT, convocados por neolideranças de direita nas redes sociais. Em 2014, Dilma conquista a reeleição por uma pequena margem de votos e, antes mesmo da sua posse, recrudescem os protestos populares por todo o país. Eles são permanentemente alimentados pelas denúncias de corrupção, que, de fato, envolveram os governos esquerdistas, gerando tremenda frustração nas camadas populares. Mas, a direita vai se utilizando de todos os meios para conseguir o intento dela, que seria a deposição de Dilma Rousseff. Vai jogando todo tipo de combustível nessa fogueira: fraude na eleição de 2014, estelionato eleitoral, “intervenção militar” para o saneamento do Brasil, crimes eleitorais de caixa 2, que geram uma ação junto ao TSE – Tribunal Superior Eleitoral – pedaladas fiscais, que redundaram no processo de cassação e a concretização de um “golpe constitucional”, com o afastamento da Presidente, enquanto a economia do Brasil rolava para o abismo em dois anos praticamente acéfalo.

                          Foi então que surgiu um estrategista, ao mesmo tempo, um predestinado, pois, lá atrás, nos seus primeiros contatos de informante do Exército, Jair Bolsonaro já falava que um dia seria presidente. Em entrevistas e na propaganda eleitoral deste ano, Bolsonaro deixa claro que em 2014 começou a amadurecer a ideia de candidatar-se a Presidente da República, mesmo sem possuir qualquer estrutura partidária. Tanto é que procurou vincular-se a um partido menor, onde tivesse a garantia da candidatura. Foi assim que trocou o PSC – Partido Social Cristão – pelo PSL – Partido Social Liberal – da mesma forma que lá atrás deixara o PDC, o PPR, o PPB, o PTB, o PFL e o PP. Desde 2013 ele percebera o início da onda verde-amarela e conservadora e deve ter imaginado: vou surfar essa onda, vou dominá-la. Com a sua autoridade de militar, com os seus arroubos e bravatas, com a sua integridade como deputado por 28 anos – a despeito de ter convivido durante anos no mesmo partido de um notório corrupto, Paulo Maluf – convergiu para si sentimentos de brasilidade e de anti-petismo, que impulsionaram a onda verde-amarela e conservadora até a vitória nas urnas, apesar dos riscos de morte e do sofrimento pelo qual passou após o deplorável atentado de Juiz de Fora.

                          Essa onda conservadora está encimada pelo Capitão Bolsonaro (PSL) e seu vice, o General Hamilton Mourão (PRTB). Trouxe no seu forte movimento governadores militares como o Comandante Moisés (PSL), de Santa Catarina; o Coronel Marcos Rocha (PSL), de Rondônia; o Juiz Wilson Witzel (PSC), do Rio de Janeiro. Deverá ter inúmeros outros militares nos ministérios: o General Heleno Augusto como Ministro da Defesa, o astronauta e Tenente Coronel da Força Aérea Brasileira, Marcos Pontes, como Ministro da Ciência e Tecnologia, e outros.

                          Democracia pressupõe alternância de poder. Outras ondas a democracia brasileira já experimentou com eleições avassaladoras como esta: a onda da vassoura de Jânio Quadros e a onda do caçador de marajás, com Collor de Mello. Agora, chegamos a uma “intervenção militar”, pedida nos movimentos de rua, mas, conquistada nas urnas, pelo voto da maioria dos brasileiros. Uma conquista legítima acatada pelos democratas. Restarão os embates parlamentares, essenciais para a sobrevivência democrática.

 

*Marco Regis de Almeida Lima é médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003) – marco.regis@hotmail.com