IUGOSLÁVIA PODE, UCRÂNIA NÃO PODE

Publicado em 27/02/2015 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação

IUGOSLÁVIA PODE, UCRÂNIA NÃO PODE

Enquanto acompanhava as recentes negociações de cessar-fogo na luta fratricida entre os ucranianos, lembrei-me da personagem vivida pela humorista e atriz da constelação global, Karla Fabiana, no Programa ”Zorra Total”, aonde a hilária ensinava a respeito de emagrecimento, apontando para os mais diversos alimentos ou iguarias: “isto póóde, aquilo não póóde”, enquanto enchia a boca e o bucho com os mais apetitosos e calóricos deles.
Os pretensos donos do mundo, em escala de poder a seguir elencados: Estados Unidos da América (EUA), a “mãe” Inglaterra, outros aliados europeus, como Alemanha e França; asiáticos, como Japão e Coreia do Sul; a filhote inglesa, Austrália, sempre estão a selecionar conflitos para a sua intervenção, à maneira humorada da fofinha da TV Globo.
À época da “glasnost” e da “perestroika”, do equivocado Mihail Gorbachev, os supostos proprietários terráqueos – os capitalistas – não só aplaudiram, como também estimularam, a desintegração da antiga Jugoslavia, comemorando, em 1991, as declarações de independência da Eslovênia, da Croácia e da Macedônia. Naquele mesmo ano, a Bosnia Herzegovina deu o grito de independência, que foi abafado pelas armas da federação iugoslava, sob o comando de Slobodan Milosevic e então circunscrita a uma reduzida união com a República de Montenegro, além das províncias autônomas de Kosovo – de maioria albanesa – e de Voivódina – de maioria húngara. A Bosnia só veio a obter o seu intento em 1993, com a intervenção militar da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte – , que agiu também no Kosovo, tornando-o um protetorado da ONU – Organização das Nações Unidas. Mais tarde Milosevic foi preso por ordem do faccioso TPI - Tribunal Penal Internacional – morrendo nos seus cárceres enquanto era julgado “por crimes de guerra”. Entretanto, o “carniceiro” George W. Bush, como a ele se refere o radialista muzambinhense, Regis Policarpo, que levou os EUA a invadir e a destroçar o Iraque, contra decisões da ONU, pasmem os leitores, permanece impune, porque seu País não ratificou o tratado que criou o espúrio TPI, apenas é signatário do mesmo, como assim fez com o Tratado de Kyoto, no caso das emissões do dióxido de carbono, causadoras do efeito estufa e das alterações do clima.
Este conjunto de seis repúblicas federadas, independentes, junto com as também mencionadas províncias autônomas, fora constituído após o final da II Guerra Mundial. Era uma diversidade de nacionalidades, etnias e religiões, que se manteve unida sob o nome de República Socialista da Sérvia, a maior e a mais influente delas, graças ao carisma e à inflexível liderança do Marechal Josip Broz Tito, pois, unidos, expulsaram as forças de ocupação nazista desses territórios sob a corajosa ação de guerrilheiros, chamados partizans. O exímio líder, durante a Guerra Fria, não somente manteve o País na neutralidade, como ajudou a criar o Bloco dos Países Não-Alinhados – uma espécie de movimento de países do chamado Terceiro Mundo. Sua morte, em 1980, criou um vazio de poder, o afloramento de nacionalismos, em meio a uma severa crise na economia, com desemprego e greves, redundando no separatismo.
Na Ucrânia atual, claro que não se trata de um genuíno processo separatista como aquele ocorrido nos Balcãs, nos anos 1990. A maioria da população da Crimeia e do leste ucraniano é constituída de descendentes russos e que falam russo, desejando a separação e preferindo sua anexação à Federação Russa, como já aconteceu na península da Crimeia, ou então, invibializada a anexação, a região de Donestk, de Luhansky e de Dnipropetrovsky quer tornar-se uma região autônoma, enfim um protetorado russo. Na verdade, a Crimeia pertencia à Rússia e foi cedido à Ucrânia em 1954 por Nikita Kruschev, quando ambas eram repúblicas da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
A Ucrânia é o segundo maior país do continente europeu em extensão territorial, com 603.700 km2. Ao contrário, as repúblicas balcânicas que abandonaram a Jugoslavia são pequenos países de 10/20 /até 55 mil km2 (Bosnia, 51.ooo e a própria Sérvia tem 55.oookm2). A Ucrânia tem 45 milhões de habitantes: os balcânicos de 2 a 4 milhões de habitantes, sendo maior a Sérvia com 6,6 milhões de habitantes, Croácia e Bosnia em torno de 4 milhões.
A Ucrânia é, também, um país importante. Suas terras foram povoadas muito antes da Era Cristã. Sofreu invasões de Godos, Hunos, Búlgaros e Magiares. Emergiu no século IX com o Principado de Kiev. Pertenceu à Comunidade Polaco-Lituana entre os séculos XIV e XVII. Em 1796, parte oeste da região do rio Dniepre passou a pertencer ao Império Russo, ocasião em que eram reprimidos pelo uso do idioma ucraniano por parte dos nacionalistas. Nessa época, a região ficou conhecida como a Nova Rússia, termo que muito veio à baila nos últimos tempos. Após a Revolução Russa de 1917, a Ucrânia proclamou sua independência, mas houve luta com os bolcheviques sendo derrotada e passando a ser, em 1924, a República Socialista Soviética da Ucrânia, integrando a URSS, até recobrar a independência em 1991 com a extinção da URSS. Entretanto, seus vínculos com a Rússia se mantiveram, pois, em 8-DEZ-91 é constituída a CEI – Comunidade de Estados Independentes, entre Ucrânia, Belarus e Rússia, tamanho eram os vínculos remanescentes dos tempos de URSS, principalmente grande parte do arsenal nuclear sediado na Ucrânia, além de celeiro de alimentos pela fertilidade do seu solo.
Por que tanta celeuma com essa desintegração da Ucrânia ? Claro, aqui os interesses geopolíticos da OTAN, da Europa e dos Estados Unidos estão sendo contrariados. Aqui, há a presença da Rússia, outrora a cabeça da antiga URSS. Neste embrulho está a Rússia que, nos primeiros momentos do colapso da União Soviética, deu tímidos passos em direção ao Ocidente, mas que recuou em tempo hábil, porque é um país que tem envergadura para caminhar sobre as próprias pernas, pois, dispõe de um bom exército, de armamento próprio, de avançada Ciência e Tecnologia, que dominou o Cosmos antes dos EUA e que tem sido sustentáculo da Estação Espacial Internacional e, principalmente, tem bombas atômicas, aqui estando o diferencial maior.
Em razão de todos esses interesses geopolíticos, o mundo ocidental recrimina a Rússia pelo seu posicionamento atual em relação à Ucrânia. No entanto, a Rússia defende ou reivindica territórios e populações que têm a ver com sua história, sua geografia e sua economia. A Ucrânia depende e deve em dinheiro o gás natural que a Rússia lhe fornece. Até recebe pagamento pelos gasodutos que também atravessam o país para incrementar uma vizinha, a Alemanha, uma das maiores economias mundiais.
O cerne da questão, no que se refere ao apoio dos EUA e seus aliados ao desmembramento da Iugoslávia, mas hoje, contrários ao desmembramento da Ucrânia, encontra-se na inserção mundial do país em discussão, ao qual lado ele pertence. Por tudo isso, Iugoslávia pode e Ucrânia não pode.

*marco.regis@hotmail.com – O autor é médico; 
foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) 
e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003)