Publicado em 06/04/2018 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação
Não perco meu espírito cívico mesmo
que prevendo marchar para um abismo. Neste, esfacelar-se-iam pedaços do meu
corpo, jamais a minha mente. Nessa marcha inexorável dispenso uma conversa com
um amigo, o convívio com a família ou minhas distrações e diversões. Pois, foi
exatamente isso que aconteceu comigo nesta quarta-feira, 4, dia em que me
preparei para marchar com os acontecimentos da nossa História, dia em que
assistiria ao sacrifício de um líder da política brasileira diante do píncaro
da nossa justiça, através de um ardil teatral com mais de três anos de
encenação. Isolado, plugado e concentrado, nada me arredou de canais de TV que
fizeram a transmissão simultânea e contínua, por horas e horas. Dispensei
comida, ignorei o jogo da copa europeia, Barcelona contra a Roma e, em seguida
o do Galo belorizontino na Copa do Brasil e, mais ainda, vários prélios da
Libertadores da América, inclusive o Cruzeiro versus Vasco da Gama, portanto um
sacrifício de paixões em prol de um ato de civismo, de aprendizado jurídico, de
melhor conhecimento político, a fim de que não fique a dar palpites descabidos
nas redes sociais, ou, pior, escreva asneiras para leitores qualificados deste
semanário.
Apesar do meu entusiasmo juvenil, dos
meus arroubos pelas ruas, não sou um otário que acredita em ‘papai noel’ nem
nas muletas invisíveis que são o sustentáculo de muita gente. Por isso prego a
minha fé do meu jeito sem superiores hierárquicos a quem dar ouvidos ou me
submeter. Assim sendo, acomodei-me na minha sala para acompanhar o Julgamento
do “Habeas Corpus” (HC) preventivo do ex-Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula
da Silva, certa feita chamado de “o Cara”, pelo então colega e dirigente de um
país poderoso, Barack Obama.
Enfim, “abrem-se as cortinas do
espetáculo”, no STF – Supremo Tribunal Federal – em Brasília, Distrito Federal,
como narraria com sonoridade e emoção o antigo locutor esportivo, Fiori
Gigliotti. A Ministra-Presidente apregoa e passa a palavra para o
Ministro-Relator, o carrancudo e “caxias” Edson Fachin, que dando e desatando
nós, conclui pela ‘denegação’ do pedido do HC (não seria menos complicado e
soberbo os juízes usarem simplesmente “negação”?).
Daí em diante, seguir-se-ia a
palavra, ou melhor, o voto de cada um dos demais dez ministros, dos mais novos
para os mais velhos e, finalmente, o da Presidente. Entretanto, o Ministro Gilmar
Mendes, que participava de um congresso em Portugal e veio exclusivamente para
esta sessão do HC, pediu e obteve a permissão regimental para dar seu voto
antecipadamente. Sob a justificativa de “pegar” vôo de volta às terras
lusitanas, ele deu um voto divergente do Relator como se fosse um incentivador
para os demais que estivessem “pipocando” diante de pressões da grande imprensa
e dessa gente poderosa – militares que voltam a se julgarem os ‘salvadores da
pátria’; o grande empresariado, a imprensa empresarial e os políticos
oportunistas, todos democratas por conveniência, na realidade uns golpistas, muitos
deles ladrões disfarçados ou sonegadores de impostos; as classes média-média e
média-alta, e “marias-que-vão-com-as-outras”, todos de mal com a vida, além de
pretensos líderes desprovidos de conhecimentos políticos, de senso humanitário,
ou a serviço de organizações nacionais ou internacionais, que arrebanham
adeptos incautos pelas redes sociais.
Os seguintes, Ministro Alexandre de
Moraes, o novato e ex-integrante do governo de Michel Temer, mais Ministro Luís
Roberto Barroso acrescentaram pouco ao debate, negando o HC, sendo o voto deles
tangenciado para problemas sociais e estatísticas, verdadeiros discursos para
agradarem o grande público “sedento de justiça”. A Ministra Rosa Weber veio com
um voto oculto, que foi comparado aos votos de suspense do ex-Ministro
Sepúlveda Pertence. Mas, era o voto decisivo do dia. Ela seguiria uma das duas
vertentes: retornaria à sua posição primitiva de defesa do encarceramento
somente após o trânsito em julgado da sentença e não após a condenação em 2ª
instância – ocasião em que foi firmada a jurisprudência do STF e ela foi voto
vencido – ou votaria como tem feito desde então, pela prisão após a condenação
em 2ª instância, pois, afirma ela ser disciplinada cumpridora das decisões
colegiadas. Foi assim que ela votou pela negação do HC a Lula. Na sequência, o
Ministro Dias Tóffoli votou meio dividido pela concessão do HC, enquanto o
Ministro Luiz Fux o fez em contrário.
Com o placar de 5x2 contra o HC para
Lula vieram três votos que levaram ao empate de 5x5. Ministros Ricardo
Lewandowski, Marco Aurélio Mello e do decano Celso de Mello. Três zelosos
defensores da Constituição Federal (CF), sem subterfúgios ou flexibilizações.
Foram três votos brilhantes na defesa do Art.5º, inciso LVII (57) da CF. Mais
sucinto, Lewandowski afirmou que “o dia será paradigmático, pois evidenciará o
sagrado direito à liberdade abaixo do direito à propriedade, pois vida e
liberdade não podem ser devolvidas como o podem os bens materiais”. Ele ainda
alertou para o cometimento de erros judiciais, que deverão piorar quando dos
atuais 100 milhões de processos existentes no Brasil, passarmos para 150 ou 200
milhões. Lembrou, também, que a corrupção em nosso meio vem dos tempos coloniais
e que os juízes se calam diante de tantos problemas e, por isso, não faz
sentido flexibilizar esta questão. Marco
Aurélio Mello se disse “longe do populismo judicial, longe de mim a
hipocrisia”, referindo-se aos que julgam para satisfazer a “sanha punitivista”
da população. Desfez os argumentos de que o “cumprimento da pena após trânsito
em julgado seja invenção brasileira, citando inumeráveis constituições
europeias e convenções internacionais que isto adotam. Se há atraso na
condenação final “a culpa é do Estado que deveria se aparelhar para isso”. O
paulista e decano, Ministro Celso de Mello deu um cala-boca no Plenário, mesmo
antevendo-se derrotado, pois todos sabiam de como desempataria como desempatou
a Presidente, Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, negando o HC para Lula,
consequentemente, deixando que as decisões do Juiz Moro e do TRF-4, de Porto
Alegre, não fossem alteradas no sentido da prisão em 2ª instância. Celso de Mello
chamou a atenção sobre tergiversações com a Constituição, que podem desembocar
em regimes ditatoriais, alertando para decisões pretorianas e castrenses, as
quais causam danos irreversíveis no regime democrático. Ele afirmou: “É preciso
que fique bem claro que esta Côrte não julga em função de pessoas, de nomes
[...] nossos julgamentos não podem ser contaminados por opiniões paralelas da
população”.
Assim é a vida, tantas omissões e
tantas impunidades. As elites poderosas roubam e deixam roubar. Porém, quem
tanto lutou e melhorou a vida dos pobres é punido por “possuir” um apartamento
que nunca foi seu, por uma falcatrua inventada pelos seus algozes da
promotoria, da Polícia Federal e dos juízes sulistas, a parte rica do Brasil. O
tríplex nunca foi do Lula. Também a tese da sua condenação pelo TRF-4 foi por
atos de gestão, isto é ter recebido vantagens através da Petrobrás, por
determinados contratos, o que não foi provado, responsabilizando-o, inclusive,
pela gestão fraudulenta de dirigentes que fora ele quem nomeara como Presidente
da República. Assim é a vida, quem,
finalmente, negou o “habeas corpus”, condenando Lula às grades de uma prisão
foram ministros que Lula e Dilma escolheram para o STF – em quem opositores
ignorantes colocavam “suspeição” (Fachin, Barroso, Rosa Weber, Fux, até Toffoli,
que vacilou na sua decisão “kelseniana”).
*Marco Regis - O autor é médico, foi prefeito de
Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003) -
marco.regis@hotmail.com