Publicado em 02/02/2018 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação
Na madrugada desta 3ª feira, horário
de Brasília, tive a oportunidade de acompanhar, através de transmissão ao vivo
do canal Globo News, o primeiro discurso do Presidente dos Estados Unidos da
América – EUA – Donald Trump, no tradicional discurso do “Estado da União”, uma
espécie de prestação anual de contas mais a formulação de novas prioridades
legislativas para o governo. O acontecimento é uma imposição da Constituição
americana, a qual é um documento exemplarmente duradouro, com 230 anos de
existência e que ao longo desse período sofreu apenas 27 emendas. Ao contrário,
o Brasil, em menos de 200 anos, já experimentou 8 constituições, pelo menos as
duas últimas que mais ou menos conheço – pois não sou advogado – são verdadeiras
colchas de retalhos de tantos “remendos” nelas praticados. Devo acrescentar que
o excepcional e humilde comentarista internacional da emissora, Marcelo Lins,
traduziu em tempo real a fala do Presidente, por isso mesmo vindo as opiniões
dele e outros jornalistas posteriormente, o que me permitiu tirar antes as
minhas próprias opiniões da exposição presidencial de duração 1h e 20’.
Apesar das vaias destinadas a Trump
pela bancada democrata e seus adeptos, quando tecia comentários contrários à
imigração nos EUA, há que se elogiar o clima de respeito e elevado patriotismo
num recinto amplo e superlotado, outra diferença com o desrespeito imperante
nas últimas décadas na nossa Pátria. A
propósito, é no prédio denominado Capitólio, de idade quase que equivalente à
Constituição, no bairro de mesmo nome, em Washington, que funcionam as duas
casas legislativas americanas, em lados opostos, sendo a Câmara dos
Representantes (deputados federais) e o Senado Federal, que, em casos
especiais, como no Brasil, ambas se reúnem conjuntamente na condição de
Congresso Nacional, como nesta noite em questão, excepcionalmente facultada aos
mais diversos convidados do Congresso e do Presidente.
Na sala da minha casa, era eu um
telespectador solitário, concentrado no que via e ouvia e isento de ideias
preconcebidas. O desenrolar das cenas e dos minutos formariam a minha convicção
de que Donald Trump tomara conta daquele recinto, pois seu discurso era
permanentemente interrompido por uma maioria que o aplaudia em frenesi, a cada
dois ou três minutos. Não bastassem os aplausos, às dezenas, as pessoas iam se
colocando de pé, dentre eles sisudos e condecoradíssimos militares de todas as
armas, muitos se entreolhando e aquiescendo com suas cabeças. Numa visão
panorâmica, dava para se perceber uma metade do plenário, menos da metade, calada
e imóvel, que era a oposição democrata, exceto no trecho da imigração, com as
vaias. Aquele constante senta e levanta me assustou, confesso. Era uma verdadeira
coreografia de adoração e patriotismo extrapolado para o fanatismo. Comecei a
confundir a imagem colorida e em ‘HD’ de Donald com imagens antigas, e em
preto-e-branco, de Hitler, tamanho o domínio dele sobre a plateia e o
deslumbramento desta.
Como político, muitas vezes fui
questionado que o mundo de hoje não mais queria saber de retórica prolongada,
de palavras, pois estávamos na era da internet, como mecanismo de comunicação.
Mas o que eu via e ouvia provinha do país da Apple, da Microsoft, do Google e
demonstrava o poder das palavras diante de uma multidão seleta. Era um discurso
prolongado, com a personagem central atirando frases de efeito, separadas por
pausas teatrais e apontando os atores coadjuvantes: colaboradores do governo;
militares mutilados nas guerras da “pax americana”; um casal da família
americana que adotou um bebê de uma mãe dependente de heroína; um norte-coreano
fugitivo do seu país com uma perna amputada e levantando suas muletas como
troféu; a família de outro americano que passou alguns anos preso na Coreia do
Norte somente repatriado em precárias condições de saúde, vindo a morrer algum
tempo depois; e dois casais que perderam filhas para a violência da gangue
MS-13, originária de El Salvador e imigrantes.
Ao sabor dos assuntos, Trump exortou
os EUA a produzirem mais artefatos nucleares com fins de intimidação e
segurança e não para usá-los, enquanto o nosso mundo não se reuna para destruir
esses arsenais. Enalteceu as exportações nacionais de gás natural e carvão
mineral. Esbravejou contra os assassinos do Estado Islâmico (EI), com os
estupradores vindos do México ou pessoas que ‘roubam’ empregos dos americanos.
Condenou o acordo atômico de Obama e o resto do mundo com o Irã, bem como a
complacência com a Coreia do Norte. Gabou-se com a extirpação do EI na Síria e
no Iraque por ação da “coalisão” liderada pelos EUA, da criação de 2,4 milhões
de empregos desde a sua posse, da sua luta contra o alto preço dos remédios,
dizendo sempre estar cumprindo as promessas da “América first” e da “América
great again”.
Enquanto pregava conciliação com
os democratas alfinetava os governos de Barack Obama, fazendo-me lembrar de políticos
aqui pertinho da gente, inclusive pelo pedantismo da sua expressão facial.
Jornais americanos desta 3ª
feira como o “The New York Times”, “The Washington Post” e a agência noticiosa
“Associated Press” contradisseram o Presidente em questões como energia,
empregos, aumento dos salários mínimos, o papel da Rússia, do Irã e do próprio
governo sírio na derrota do Estado Islâmico e “a maior reforma tributária da
História dos EUA, gerando alívio para a classe média e para os pequenos
negócios”. Mas não comentaram a omissão do discurso sobre assuntos como o
meio-ambiente, acusações de interferência russa na sua eleição nem ao decreto
assinado antes da solenidade mantendo aberta a prisão de Guantánamo.
Já a imprensa brasileira,
subserviente aos americanos, reproduziu mais ou menos os temas dos citados
jornais. Porém não demonstrou ter se impressionado com o excessivo patriotismo
presidencial nem da plateia. Não vi menção sobre a exortação às novas bombas
nucleares. A “Folha” digital, na seção Mundo assim escreve: “Trump pregou
conciliação e caprichou no patriotismo, atendo-se ao ‘teleprompter’ sem
referência aos botões nucleares maiores”. “O Estado de S.Paulo” no
internacional.estadao.com.br preferiu comemorar o volume tuitado de 4,5 milhões
de mensagens, um recorde na história dos EUA. O GS Notícias comenta: “orgulhoso
em excesso mesmo dentro dos limites tradicionais”. Em Fortaleza, “O Povo” (www.opovo.com.br) fala genericamente dos temas
abordados, sem crítica própria. “O Tempo”, de BH, edição de 1º de fevereiro,
cita os principais pontos do discurso do “Estado da União” e destaca que China
e Irã responderam ao presidente dos EUA. A China pediu aos EUA “para abandonar
sua mentalidade da Guerra Fria” Já as autoridades iranianas afirmaram que “os
comentários de Trump demonstram a sua ignorância”.
Mediante à posição da imprensa
americana do norte e do sul, fácil de se concluir como se joga o povo contra
governos não alinhados aos Estados Unidos da América. Por muito menos que o agressivo
espetáculo circense do Capitólio dos Estados Unidos, governos do Irã, Cuba,
Venezuela, Coreia do Norte e Rússia são massacrados na mídia ocidental. Mais
racional seria que praticássemos a palavra mágica da moda: RESPEITO.
Marco Regis - O autor é médico, foi prefeito de Muzambinho
(1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003) -
marco.regis@hotmail.com.br