Minas, a caixa d´agua, também secou

Publicado em 01/02/2015 e atualizado em 01/02/2015 - marco-regis-de-almeida-lima - Redação

Minas, a caixa d´agua, também secou

Duas situações por mim vividas reforçavam um falso conceito que carregava comigo mesmo. A primeira delas, bastante remota, ainda salva na minha memória fotográfica, era a visão da minha infância das várzeas sazonalmente inundadas pelo transbordamento de córregos, no município de Monte Belo, durante os períodos chuvosos. A outra, mais recente, mais tecnológica, audiovisual, demonstrada para um já inquieto e curioso parlamentar do nosso Estado, era relativa às discussões e resultados de um fórum povoado de reconhecidas autoridades, rotulando Minas Gerais como a caixa d’agua do Brasil. Em que pese ser a região amazônica um grande manancial hídrico, somos nós, mineiros, detentores de nascentes de água aos milhares, de numerosas bacias hidrográficas, além de imensos lagos artificiais como o de Três Marias e Furnas, que controlam, cá de cima, o volume e a vazão de tantos outros que lhes seguem à montante, formando uma figura imaginária de degraus de escadas que vão se enchendo de cima para baixo. Três Marias, pertencente à CEMIG, foi construída pelo governador Juscelino Kubitschek, situando-se no leito do rio São Francisco à altura de Felixlandia, Abaeté e Três Marias, sendo importante na regulação, mais à frente, das usinas nordestinas de Sobradinho, Paulo Afonso e Xingó. No caso da represa de Furnas, nas imediações dos municípios de São José da Barra, São João Batista do Glória e Passos, foi construída pelo já presidente Kubitschek, seguindo-se Estreito e Marimbondo, além da incorporação de Peixoto, a mais antiga, de 1947, todas no rio Grande e margeando municípios mineiros e paulistas, nas áreas onde esse rio é divisa entre os estados.
Desde o início do século atual, constatamos a baixa do volume das águas do chamado “Mar de Minas”, em trechos cortados pela BR-491, por onde trafegamos com muita frequência. Embora os níveis tivessem subido alguns anos depois, uma coisa é certa, nunca mais eles voltaram aos patamares anteriores ao ano de 2000. Mas, a queda mais grave se deu a partir de 2013, quando a vegetação rasteira, velhos troncos de árvores ou construções antigas como pontes, casas e igrejas vieram à tona como quisessem vingar-se daqueles que os enterraram à revelia e no viço da sua existência.
Não bastassem as nossas observações, começaram as emissoras de TV a falar da crise de abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo, mostrando-nos imagens de uma aridez de solo nordestino, agora aqui reproduzidas naquilo que era o fundo de represas, que abasteciam a capital paulista e o seu entorno. A palavra racionamento, abominada durante a campanha eleitoral pela reeleição do governador Alckmim, hoje corre solta e assusta a todos que lá vivem e a nós que também já colocamos nossas barbas de molho. Se encontraram uma solução a médio prazo para salvar da sede os metropolitanos de São Paulo ? a transposição de parte do volume do rio Paraibuna ? há sinais que o reservatório desse mesmo rio, que abastece o Rio de Janeiro, está em franco declínio, podendo assim comprometer, dezenas de cidades fluminenses e mineiras a quem ele beneficia no seu curso em direção ao mar.
O noticiário preocupante vai se alastrando. Pouco tempo atrás, mostrou a famosa nascente do rio São Francisco, em São Roque de Minas, na Serra da Canastra, totalmente seca. Lá no norte de Minas, no médio São Francisco, acabou a sua navegabilidade, da mesma maneira com que pararam as barcaças de soja que zingravam pela porção navegável do rio Tietê. Ainda, na semana que passou, cobertura fotográfica aérea dava conta dos filetes de água a que ficaram reduzidos os reservatórios de Várzea das Flores (Betim/Contagem), rio Manso (Brumadinho/Ibirité) e Serra Azul (Mateus Leme/Juatuba), todos do sistema de abastecimento da Grande Belo Horizonte que, felizmente, ainda dispõe de outras fontes, mas, lamentavelmente, um fato ocultado pelo governo anterior também por causa das candidaturas de Aécio Neves e Pimenta da Veiga.
Como a principal matriz energética brasileira é a hidroeletricidade, uma coisa puxa a outra, quer dizer, prá baixo. O governo federal já admite queda na produção de energia elétrica e, também, aventa a possibilidade de racionamento nesse setor. A transposição do São Francisco para levar o precioso líquido ao semi-árido do Nordeste é um equívoco se não forem tomadas medidas de proteção ao próprio rio e seus afluentes. Essa crítica já a fazíamos na Comissão da Transposição, cujo pedido formalizei e a qual presidi como parlamentar da Assembleia de Minas Gerais.
A realidade é que vivemos a pior estiagem na região sudeste do Brasil (Minas, Rio, Espírito Santo e São Paulo), dos últimos 84 anos, dizem os especialistas em clima. Quando criança, formei a ideia de que região seca se chama deserto, mas imaginava que ainda assim chovia por lá. Não é bem assim. Às vezes, ficam anos sem chuva os diversos desertos do mundo, mormente no Saara, quase no extremo norte da África, nas imediações do também seco Oriente Médio. Mas, o que aprendi mais tarde e me assusta são as áreas de desertificação, nos mais diversos pontos do nosso planeta, futuros desertos. Visitei, aqui no Brasil, uma região que se candidata a isso, que é o Vale do Jequitinhonha, onde você pode andar quilômetros sem encontrar uma nascente de água e onde chove menos do que nesta região em que vivemos. Mesmo assim, depois de uma chuvarada, o Vale fica teimosamente verdejante, dando-nos a esperança que ainda há solução, desde que o governo federal intervenha.
Nos meus tempos de deputado, briguei muito para a implantação da Usina Hidrelétrica de Irapé, do sistema CEMIG, nas vizinhanças do município de Grão Mongol, comprando briga com um órgão da Secretaria de Meio Ambiente ? a FEAM ? que incompreensivelmente embargava o projeto. Entendíamos todos os deputados, e o próprio Governo do Estado, que a represa ajudaria a perenizar o rio Jequitinhonha, poderia alterar o regime de chuvas regionalmente, além de levar o progresso que um lago artificial sempre leva, pois eu sempre me espelhei no que Furnas representou para a sul de Minas. Mas, no Brasil é assim, uns recalcados e radicais ambientalistas se incrustam em órgãos do governo e contra ele se opõe. Na época, discursei: “vamos acabar com a FEAM e construir Irapé”. Conseguimos sobrepor aos babacas.
Veja que mais de seis anos depois, vim a ter de novo, como Prefeito, a tal de FEAM a obstaculizar o meu caminho. Foi por ocasião do chamado Consórcio do Lixo, quando esse órgão criou mil dificuldades, através de exigências descabidas, estremecendo, assim, as convicções de alguns dos prefeitos dos municípios consorciados (Guaranésia, Muzambinho, Cabo Verde, Monte Belo, Arceburgo e São Pedro da União). O projeto andou com altos e baixos, mas não teve a aprovação da burocrática e insensível FEAM, no que tange ao licenciamento do novo terreno do aterro sanitário, pronto para ser adquirido. Com isso, chegamos ao final dos nossos mandatos, sem reeleição, dando pretexto para que adversários políticos meus, aqui em Muzambinho; dos contrários a Ronaldo Teixeira, em Monte Belo: e ao Dr.Silvio Ribeiro, em Guaranésia, se unissem para detonar um projeto futurista e sério, porque eles, ambientalistas míopes, pensaram simplesmente no seu poderio político e não no futuro do meio ambiente.
O tratamento e a destinação dos resíduos sólidos têm tudo a ver com a água, pois, mais do que tudo, contaminam o lençol freático. Então, Muzambinho, que ficara mais de dois anos sem enterrar o seu lixo, viu o mesmo voltar para a mesma situação de antes e com o agravante de que, por lei federal, tem que ser solucionado em definitivo. Mas, outra atitude nós demos início, que foi a preservação de nascentes, através do cercamento de pelo menos uma dezena delas, com iniciativa e recursos exclusivos do Município. Passados uns oito anos temos tido informações ? que vamos conferir ? que a vazão da água nelas produzida, aumentou.
Incontestavelmente, vivemos uma escassez de água. Devemos estar enquadrados na palavra de ordem que é economizá-la. Vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e presidentes precisam estar engajados na sustentabilidade do planeta. Também toda a população planetária. Cada um tem que fazer a sua parte. Como no exemplo do passarinho que faz a sua carregando gotas de água no bico para combater o incêndio na floresta. Afinal, se a caixa d’água do Brasil, que é Minas, está secando, alerta maior não há.

*[email protected] ? É médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003)